Plano de Trump reflete derrota do Hamas para Israel
Por O Globo
Paz duradoura — com dois Estados e
reconhecimento mútuo — depende de desmantelamento do grupo terrorista
No Oriente Médio, a realidade áspera dos
fatos costuma desafiar projetos ambiciosos. Por isso é preciso toda a cautela
diante do acordo assinado por Israel e pelo grupo
terrorista Hamas para libertação imediata dos reféns e interrupção dos ataques
israelenses na Faixa de Gaza —
primeira fase no plano de paz de 20 itens formulado sob os auspícios de Donald Trump.
Mas, sim, desta vez, dois anos depois da barbárie perpetrada pelo Hamas que
deflagrou a guerra, há motivo concreto para otimismo. O plano de Trump revela
sensatez e nada tem a ver com suas primeiras propostas estapafúrdias, que
aventavam expulsar os palestinos de Gaza para transformá-la numa “riviera”. Se
os reféns forem mesmo libertados no início da semana como promete o Hamas, e se
Israel retirar suas tropas de Gaza até o limite pactuado, Trump aparentemente
terá obtido êxito antes tido como impossível ao intermediar um conflito
historicamente intratável.
Não pode haver dúvida de que o plano de Trump reflete a vitória militar de Israel sobre o Hamas. Todas as condições impostas pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, foram atendidas, ao menos no papel: libertação de todos os reféns com devolução dos corpos daqueles já mortos; deposição de armas pelos terroristas; desmilitarização e entrega do poder em Gaza a forças externas a cargo de países árabes; exílio das lideranças do Hamas; retirada gradual das tropas israelenses, seguindo cronograma e condições que não ponham em risco a segurança de Israel. Ainda não se sabe, é claro, quanto disso se tornará realidade. De seu lado, os israelenses libertarão prisioneiros palestinos, mas, mesmo nos detalhes — como o pedido pela soltura de figuras de relevo e pelos corpos de próceres do Hamas mortos na ofensiva israelense —, Netanyahu aparentemente levou a melhor.
Também não pode haver dúvida de que Israel
foi muito além do necessário e do razoável no sofrimento e no morticínio
infligidos à população de Gaza. É verdade que o Hamas lança mão de instalações
civis como hospitais e escolas para abrigar armas e lançar ataques, além de ter
transformado o subterrâneo do território num emaranhado de túneis, esconderijos
e casamatas com centenas de quilômetros de extensão. Mas isso não justifica a
devastação provocada pelas tropas israelenses nas áreas urbanas de Gaza, a
morte de dezenas de milhares de civis palestinos, muito menos a interrupção e as
restrições impostas ao auxílio humanitário destinado à população que mais sofre
com a guerra. Apesar das intenções expressas no plano de Trump, ainda é incerto
o que o futuro reserva para Gaza em termos de reconstrução — e para os
palestinos em termos de autonomia política rumo à constituição de um Estado
independente.
Ao promover uma guerra inclemente, Netanyahu
agradou às alas mais radicais do seu governo, mas Israel pagou um preço alto.
Passou a ser acossado de todos os lados nos fóruns diplomáticos internacionais,
tornou-se alvo de ataques e protestos nas universidades e meios acadêmicos, deu
azo a acusações descabidas de genocídio e forneceu a antissemitas no mundo todo
um veículo confortável para expressar seu ódio aos judeus, com a chancela de
artistas e intelectuais famosos. Embora tenha vencido no plano militar, Israel
decididamente perdeu a batalha da comunicação.
Ao mesmo tempo, a estratégia de Netanyahu
redesenhou o mapa geopolítico do Oriente Médio. A região sairá do conflito
aproximadamente nos termos almejados pelos Acordos de Abraão entre os
israelenses e vários países árabes, negociados por Trump em seu primeiro
mandato. Além de Gaza, Israel atacou Líbano, Síria, Iêmen e, com apoio
americano, o próprio Irã, desmontando o arco de sustentação de seu antagonista
regional. O proverbial “eixo da resistência” iraniano, formado por Hamas,
Hezbollah, houthis, Síria e grupos no Iraque, saiu esfacelado. De focos de
tensão, Líbano e Síria se tornaram candidatos a aderir aos acordos em futuro
próximo. A própria Arábia Saudita, cuja adesão era iminente antes dos ataques
de 7 de outubro de 2023, poderá voltar à agenda.
O êxito de Trump no Oriente Médio expõe o
fracasso das iniciativas da ONU e dos países europeus. Desde o início, a ONU é
vista como parcial por Israel, e os europeus apostaram numa estratégia inócua
de pressão, que culminou no reconhecimento da Palestina sem nenhum efeito
prático. Trump, em contraste, acertou ao envolver os principais países árabes e
ao aproveitar a oportunidade oferecida pelo malogrado ataque israelense contra
líderes palestinos no Catar. Obteve de Netanyahu um pedido de desculpas ao
governo catari, o compromisso de que Gaza não permaneceria ocupada nem seria
anexada e até uma declaração reconhecendo como legítima a aspiração dos
palestinos a um Estado próprio — não é pouco vindo de alguém que fez sua
carreira política lutando contra a solução de dois Estados. Tão importante
quanto isso foi o compromisso de reforma assumido pela Autoridade Palestina
para se transformar num Estado de fato. Um primeiro sinal promissor foi a
suspensão dos estipêndios a famílias de jihadistas mortos, incentivo indireto
ao terrorismo.
Com todas as questões que permanecem em aberto, o cessar-fogo e o plano de Trump oferecem o caminho mais viável para o estabelecimento de um Estado palestino de verdade, não uma ficção diplomática. Só haverá paz com reconhecimento mútuo entre palestinos e israelenses. A derrota do Hamas e de todos aqueles que, de ambos os lados, lutam contra isso é condição necessária. Mas é só o começo. O diplomata israelense Abba Eban ficou conhecido por ter afirmado que, nas negociações de paz, os árabes jamais “perdiam uma oportunidade de perder uma oportunidade”. Desta vez, com a derrota do Hamas e o redesenho do Oriente Médio, a oportunidade recairá sobre Israel. Perdê-la seria uma tragédia.
Rejeição da MP obriga o governo a conter gastos
Por Valor Econômico
Governo será obrigado a contingenciar ou
bloquear mais recursos agora e no ano que vem, se a via para obter mais
receitas continuar bloqueada no Legislativo
Para um governo que depende de aumento de
receitas para elevar seus gastos, a rejeição da medida provisória (MP) 1303,
que pretendia arrecadar R$ 10,5 bilhões neste ano e R$ 20,9 bilhões em 2026,
foi uma derrota importante. Os motivos da rejeição da MP importam menos que a
armadilha fiscal que o Planalto criou para si próprio, ao implantar enxertos
econômicos que tornaram o regime fiscal progressivamente inviável — como
aumentos reais para o salário mínimo. Os recursos que a MP buscava angariar
sequer se destinavam a cumprir com rigor as metas fixadas de déficit zero no
corrente exercício e 0,25% do PIB no próximo, mas a seu piso inferior
(resultado negativo de R$ 31 bilhões em 2025 e zero em 2026).
A MP pretendia compensar aumento de IOF feito
por decretos de maio e junho, mas derrubados por um decreto do Legislativo de
25 de junho. A questão foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que, em 17
de julho, restabeleceu parcialmente a validade dos meios utilizados pelo
Executivo, e sua prerrogativa, de elevar o tributo.
O STF eliminou apenas uma cobrança que julgou
indevida: a do risco sacado, instrumento que antecipa receitas para
fornecedores com aval dos compradores de mercadorias e serviços. O Ministério
da Fazenda, na época, calculou que a exclusão desse item causaria uma redução
da arrecadação esperada de R$ 450 milhões em 2025 e R$ 3,5 bilhões em 2026.
Mas, para compensar o que na época se afigurava como perdas totais do IOF,
encaminhou por medida provisória um pacote de aumento de receitas de R$ 31,5
bilhões. Os demais R$ 10,5 bilhões da MP 1303 rejeitada incluíam medidas que
continham despesas. Não se falou muito nesse excesso de R$ 27,5 bilhões, que
provavelmente se destinaria a cobrir gastos adicionais ou despesas a serem
criadas.
A MP calibrava tributação sobre investimentos
isentos (em especial LCA e LCI), que passariam a ter alíquotas de 5%, aumentava
a CSLL sobre fintechs, de 9% para 15%, igualando a tributação à dos bancos,
elevava o imposto sobre apostas esportivas de 12% para 18% e o sobre Juros
sobre Capital Próprio (JCP) de 15% para 20%. O Imposto de Renda sobre
aplicações financeiras deixaria de ser escalonado em função de prazos (de 15%
para investimentos acima de 720 dias, a 22,5%, para os até 180 dias) e, em seu
lugar, haveria só uma alíquota de 17,5%.
O Centrão, irredutível em vetar o aumento da
taxação das apostas esportivas, eliminou também aumento do IR das LCI e LCA, e
ampliou a alíquota das aplicações financeiras de 17,5% para 18%, reduzindo a de
JCP, dos 20% propostos para 18%. A votação na Comissão Mista do Congresso, no
qual a desfiguração da proposta original foi aprovada por um voto — 13 a 12 —,
foi um sinal de que a MP seria rejeitada, como foi.
Ficaram pelo caminho boas e más ideias. A
cantilena do Planalto eleitoral de pobres contra ricos — o Congresso a favor
dos últimos e o governo, dos primeiros — é eleitoreira e capenga. Foi o governo
do presidente Lula que criou as LCI e LCA isentas para impulsionar a
agropecuária e a construção imobiliária, em 2004. Duas décadas depois,
descobriu-se que provocam distorções entre investimentos e, o que parece ser o
motivo principal, concorrem com vantagens com a captação de recursos pelo
Tesouro, que tem de cobrir déficits crescentes com juros intoleráveis.
O argumento sugere que os prêmios dos títulos
do governo subiram porque têm de disputar colocações com uma enxurrada de
títulos isentos, que incluem ainda debêntures incentivadas, CRA, CRI etc. Há
alguma verdade nisso, já que todos os investimentos isentos têm liquidez quase
imediata, com baixa carência — sempre ao contrário das intenções quando de sua
criação —, enquanto a gigantesca dívida do Tesouro, de R$ 6,9 trilhões
(setembro), tem a mesma sina e tem de ser toda refinanciada em quatro anos. Mas
o governo, ao mesmo tempo, queria eliminar a tributação por prazo de
vencimento, o que colocaria o Tesouro, que sempre busca alongar seus débitos,
em pior situação e sob maior pressão para subir a remuneração paga aos
investidores.
Os fatores principais que levam à exigência
de taxas maiores na rolagem da dívida pública são a trajetória pouco controlada
do endividamento público e as dúvidas sobre a capacidade do governo em honrar
dívidas em futuro não muito distante. O governo Lula encerrará seu mandato sem
produzir um real de superávit primário, e o saldo positivo entre receitas e
despesas é a única forma de reduzir débitos que estão crescendo pelo peso
enorme dos juros, que subiram para inibir um crescimento acima do potencial,
estimulado por gastos públicos elevados.
Ainda que a batalha eleitoral de 2026 já tenha se iniciado no Congresso, o governo será obrigado a contingenciar ou bloquear mais recursos agora e no ano que vem, se a via para obter mais receitas continuar bloqueada no Legislativo. É um caminho que já deveria estar sendo trilhado desde 2023 e no qual o novo regime fiscal, em seu desenho original, oferecia ao menos a chance de uma performance muito superior à caricatura que se tornou com as modificações feitas logo em seu início, com a intenção clara de impulsionar gastos para turbinar a economia.
Derrota em MP é choque de realidade para Lula
Por Folha de S. Paulo
Queda de medida provisória faz lembrar que
governo tem base frágil e situação orçamentária insustentável
A proposta mostrava acúmulo de trapalhadas
econômicas e políticas; insistir em mais receita não compensa alta contínua do
gasto público
Se os últimos dois meses foram de
erros crassos da oposição e melhora da popularidade de Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT), a derrota
sofrida na votação da medida provisória que buscava mais um
aumento de impostos mostrou que, alentos eleitorais à parte, os problemas do
governo continuam os mesmos.
O mais óbvio deles é a desconexão entre o
Planalto, onde só se ouvem vozes petistas, e a maioria do Congresso
Nacional, aí incluídos partidos com representantes na Esplanada dos
Ministérios. Em processo de desembarque da coalizão, PP e União Brasil tiveram
maiorias esmagadoras contra a MP, seguidos pelo Republicanos; os
centristas PSD e MDB se
dividiram.
O mais ameaçador é a deterioração das
finanças do Tesouro Nacional, que contava com a proposta derrubada pela Câmara dos
Deputados para R$ 20,9 bilhões em receitas adicionais no
Orçamento do próximo ano, além de uma contenção de R$ 15 bilhões em despesas —e
mesmo com tais recursos, previa um déficit de R$ 23,3 bilhões em 2026, sem
contar encargos com juros.
No mérito e na forma, ademais, a MP mostrava
um acúmulo de trapalhadas econômicas e políticas desde sua origem.
Em maio, premido pelo desequilíbrio
orçamentário, a administração petista editou um desastrado decreto de aumento do
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Foi um
despropósito por se tratar de um tributo com função regulatória, não de
arrecadação, que por isso pode ser gerido pelo Executivo sem necessidade de
aval do Congresso.
A manobra, que além de tudo encareceu ainda
mais operações de crédito no país, despertou reações negativas da sociedade e
dos parlamentares. Depois de negociações frustradas, o governo recorreu ao
Supremo Tribunal Federal (STF) para
manter parte da alta do IOF e editou a medida provisória para conseguir mais
receita.
A escolha pelo confronto acirrou os ânimos
contra uma proposta que já não tinha apelo popular —e trazia dispositivos
controversos que, para analistas, ficaram ainda piores na tramitação, como mudanças
na tributação de aplicações financeiras.
Lula, tudo indica, insistirá até as eleições na
estratégia de buscar mais e mais arrecadação, que nunca será suficiente para
cobrir uma expansão contínua dos gastos públicos. Ainda que por vezes acerte ao
enfrentar privilégios tributários, tem diante de si os limites de uma carga na
casa dos 33% do PIB,
já excessiva para um país de renda média.
Por ora ao menos, o cenário eleitoral ficou
mais benigno para o presidente da República; a tarefa de governar, não. A
agenda petista é francamente minoritária no Congresso. A dívida pública, que
subiu de 71,7% para 77,5% do PIB neste terceiro mandato, está em níveis
proibitivos para um país emergente e já demanda ajustes e reformas difíceis.
Nesse sentido, a queda da MP é um choque de
realidade que não deveria ser minimizado num momento de aparente calmaria.
Mais tarefas domésticas, salário menor
Por Folha de S. Paulo
Maternidade impulsiona a diferença de
rendimentos entre homens e mulheres apontada pelo Censo 2022
Mais do que lei obrigando a paridade
salarial, como a aprovada em 2023, é preciso ampliar acesso a creches e mudar
licença-paternidade
Dados do Censo 2022 divulgados
nesta quinta (9) somam-se aos de outras pesquisas para evidenciar o impacto da
maternidade nos salários das mulheres —algo que não tem sido levado em conta
como deveria na formulação de leis e de políticas públicas.
Há mais mulheres com curso superior (28,9%)
do que homens com o diploma (17,3%) no país. Entretanto o rendimento
médio mensal delas (R$ 4.591) é 37,5% menor do que o deles (R$
7.347). Em todos os níveis de escolaridade elas ganham menos; no universitário
a diferença é maior.
Também verifica-se disparidade salarial
quando são consideradas as áreas de atuação. Só em três delas pessoas do sexo
feminino recebem mais do que as do masculino: construção (R$ 3.326 ante R$
2.119), indústrias extrativas (R$ 5.161 ante R$ 4.489) e transporte, armazenagem
e correio, onde a média delas é só R$ 10 maior, com R$ 2.597.
Nesses setores, mulheres são clara minoria
—apenas 3,6%, 14% e 9,3%, respectivamente. Naqueles em que a discrepância de
rendimentos é maior em favor dos homens, elas são maioria.
Na educação,
mulheres representam 77% dos trabalhadores e têm remuneração de R$ 3.512,
enquanto homens recebem R$ 6.627. Em atividades financeiras e seguros, onde 52%
dos profissionais são do sexo feminino, a média
dos homens é de R$ 7.763, e a delas, de R$ 4.596.
Fator essencial para essa diferença é a
maternidade. Mães acumulam o cuidado do lar e dos filhos com suas profissões.
Assim, não conseguem se dedicar tanto, por meio de carga horária elevada, ao
trabalho e à carreira. Sem a dupla jornada, homens têm maior facilidade de
alcançar cargos mais bem remunerados.
Por isso, creches são fundamentais para a
empregabilidade das mulheres e a paridade salarial. Mas só 38,7% das crianças
entre 0 e 3 anos estavam matriculadas em creches em 2024, enquanto a meta do
Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 era 50%.
Ademais, homens têm somente cinco dias de
licença-paternidade. O Congresso
precisa modernizar a legislação, o que pode incluir uma licença
parental compartilhada entre pais e mães.
Uma mudança cultural para que homens dividam
as tarefas domésticas também contribuiria decisivamente para um mercado de
trabalho mais igualitário.
O problema exige medidas integradas em várias frentes. Apenas leis que obrigam a paridade salarial —como a proposta pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aprovada em 2023— tendem a ser pouco eficazes.
Um passo para fora do inferno
Por O Estado de S. Paulo
As forças que lutam pela paz no Oriente Médio
venceram uma batalha, mas não a guerra – que só terminará quando o Hamas for
desarmado e os palestinos forem libertados de seu jugo
As ruas de Israel e de Gaza choraram de
alívio. O mundo pode – e deve – se congraçar com israelenses e palestinos, mas
não descansar. O cessar-fogo é um marco histórico, o primeiro passo para fora
do inferno. Mas é apenas o começo de algo promissor, não o fim de nada.
A trégua em Gaza, a partir do plano
apresentado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, representa um raro consenso
entre exaustão e necessidade. Israel recupera seus filhos; os palestinos, um
respiro entre ruínas; e o mundo, a esperança de que a política volte a ocupar o
lugar das armas. Ainda assim, o que começa com alívio deve prosseguir com
vigilância. A pausa não é paz: é um intervalo que precisa ser preenchido por
disciplina, constância e pressão moral sobre todos os lados, principalmente
sobre o Hamas.
A primeira fase do acordo é uma vitória
humanitária e simbólica. A segunda será o verdadeiro teste da paz. Três
perguntas pairam: o Hamas aceitará se desarmar? Israel cumprirá a retirada
militar prometida? E quem governará e reconstruirá Gaza? Sem respostas firmes a
essas questões, o cessar-fogo, em vez de ser o prelúdio de uma paz duradoura,
corre o risco de converter-se em interlúdio de uma catástrofe ainda pior.
A condição primeira da paz é moral: o Hamas é
não só um inimigo da humanidade em geral, e de Israel em particular, mas é o
maior inimigo dos próprios palestinos. Nenhum processo de reconstrução será
viável enquanto Gaza permanecer sequestrada por uma milícia que fez da tirania
o seu método e do sacrifício humano a sua gramática política. Obliterar o Hamas
– militar e politicamente – não é um capricho israelense; é uma exigência
civilizatória. Após a libertação dos reféns israelenses, é preciso libertar a
população de Gaza do cativeiro do Hamas.
Israel terá de provar que é capaz de conter o
instinto de vingança e respeitar as linhas acordadas. Os países árabes precisam
pressionar o Hamas a se desarmar, integrar e financiar a reconstrução sob
controle internacional e dar legitimidade regional ao processo. O Egito precisa
se envolver ainda mais diretamente. A pressão do Catar e da Turquia foi
decisiva, mas é preciso abandonar as ambivalências: não podem mais agir como
padrinhos indulgentes do extremismo. Cabe-lhes usar sua influência não para
proteger o Hamas, mas para encurralá-lo e pavimentar o caminho de uma
administração civil em Gaza. A ONU e a Europa precisam investir não em
retórica, como de hábito, mas em garantias concretas de monitoramento e
transparência na reconstrução, evitando que a ajuda humanitária se converta em
capital político para o extremismo.
Nesse esforço coletivo, Washington continuará
a ser o eixo indispensável: só os EUA têm poder e credibilidade suficientes
para impor contenção a Israel e compressão a seus interlocutores árabes. A
diplomacia de Donald Trump merece crédito: arrancou concessões simultâneas de
inimigos acostumados a só falar a linguagem da força. Mas será preciso, daqui
em diante, algo que costuma faltar ao próprio presidente – constância, método e
paciência – para consolidar o que foi conquistado. A paz não se mantém por
explosão de vontade, mas por disciplina diária.
O desafio agora é reconstruir – física e
moralmente – um território exaurido. Gaza precisará de um governo técnico e
legítimo, amparado por uma força internacional estável e por uma arquitetura de
reconstrução transparente que integre progressivamente as forças moderadas
palestinas, até lhe franquear o poder. Mais do que muros, será preciso erguer
instituições. Se o dinheiro do Golfo e a normalização árabe-israelense forem usados
com sabedoria, a trégua poderá converter-se em ponte para o futuro.
Por ora, o mundo assiste a um raro instante
em que as bombas se calam e as orações são ouvidas. Mas a história de Gaza
ensina que o silêncio das armas não é sinônimo do fim da guerra. Israelenses e
palestinos deram um passo para fora do inferno e começam a atravessar o
purgatório da reconciliação. Para que, desta vez, a travessia não se perca, e
nada nem ninguém os arraste de volta às trevas, é preciso que o Hamas fique, de
uma vez por todas, para trás.
Teatrinho
Por O Estado de S. Paulo
Ninguém em Brasília parece preocupado com o
rombo fiscal. Governo e oposição coreografam uma disputa destinada a criar
discursos eleitorais, sem que haja vontade genuína de resolver o problema
O governo negociou até o último minuto, mas
não conseguiu convencer a Câmara a aprovar a medida provisória (MP) que
tributava títulos isentos e aumentava a taxação das bets. Editada para
sustentar um Orçamento absolutamente fictício, a MP perdeu validade após um
requerimento de retirada de pauta ser aprovado por 251 votos a 193.
Foi, certamente, uma derrota da equipe
econômica, mas nem mesmo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parece estar
muito preocupado com o que terá de fazer para salvar a meta fiscal. Afinal, na
tentativa de aprovar a MP, o governo já havia aceitado ceder muito mais do que
deveria e esvaziado a capacidade de arrecadação da proposta.
Já na semana passada, o relator da MP,
deputado Carlos Zarattini (PT-SP), sinalizou que o governo aceitaria manter a
isenção das Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA). Um dia
antes da votação, ele retirou também o dispositivo que aumentava a tributação
sobre as apostas esportivas de 12% para 18%.
Se o problema da medida provisória fosse
realmente de mérito, esses gestos teriam sido mais que suficientes para
garantir a aprovação do texto. Afinal, as principais demandas dos parlamentares
das bancadas ruralista e das bets haviam sido plenamente atendidas.
A questão de fundo, no entanto, não era
econômica. Depois da aprovação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha
até R$ 5 mil por mês e da taxação da alta renda por unanimidade e da
mobilização nas ruas contra a anistia aos golpistas e a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) da Blindagem, a Câmara precisava urgentemente mudar de
assunto e mostrar alguma força ante um governo cuja popularidade começou a se
recuperar.
Mas a campanha eleitoral está em pleno curso,
como evidencia a atuação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, para
a derrubada da MP. Embora insista que disputará a reeleição e negue ter a
intenção de disputar a Presidência da República, Tarcísio se envolveu
pessoalmente nas articulações contra o texto e persuadiu o Centrão a quebrar o
acordo que havia firmado com o governo.
Oficialmente, os parlamentares que votaram
contra a MP retomaram o discurso segundo o qual a sociedade não aguenta mais
aumento de impostos. Nos bastidores, a intenção era simplesmente frear o
Executivo, que já recorreu a várias medidas eleitoreiras para recuperar a
popularidade e não esconde ter um arsenal em mãos para lançar até o ano que
vem.
O governo não acusou o golpe, mas estava em
uma situação relativamente confortável. Se a aprovação da MP era benéfica, a
derrota também lhe servia bem. De um lado, Lula continuará a posar como
defensor da justiça social e a investir na narrativa que opõe ricos e pobres.
De outro, o Executivo não hesitará em retaliar o Congresso por meio do
contingenciamento de emendas parlamentares.
Haddad ainda terá de encontrar formas de
repor a arrecadação e cobrir um buraco de R$ 35 bilhões no Orçamento do ano que
vem, mas mudar a meta fiscal está fora de cogitação. Lula já disse para o
ministro relaxar. Se o chefe não está angustiado, por que Haddad deveria estar?
A peça orçamentária tende a ser tão ficcional
quanto a deste ano, e nem por isso alguma despesa deixou de ser realizada. Com
a derrota da MP, a agenda do governo no Congresso está praticamente encerrada.
Ninguém, a esta altura, acredita que os parlamentares aprovarão o corte linear
de 10% nos benefícios fiscais, mas o Congresso ainda terá de aprovar o
Orçamento se quiser executar ao menos parte de suas emendas antes da eleição.
O motivo central do desequilíbrio fiscal segue
o mesmo. Não será por meio de medidas para aumentar o Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF), acabar com a isenção da LCI e da LCA ou elevar a tributação
sobre as bets e as fintechs que o problema será resolvido.
Fato é que as despesas crescem em um ritmo
maior que o das receitas e o País terá de encarar essa questão em algum
momento. Por enquanto, nem o governo, nem a oposição, nem o Congresso e muito
menos o Judiciário parecem interessados em resolvê-lo.
Decoro em liquidação
Por O Estado de S. Paulo
Ao proteger Eduardo Bolsonaro e outros maus
deputados, Câmara sinaliza que ética é valor negociável
O relator do processo de cassação de Eduardo
Bolsonaro (PL-SP) no Conselho de Ética da Câmara, Marcelo Freitas (União-MG),
recomendou o arquivamento da representação contra o deputado. Em seu parecer, o
sr. Freitas afirma que as ações de Eduardo, de quem se declara “amigo”,
estariam circunscritas ao exercício da liberdade parlamentar assegurada pela
Constituição. Além de insultar a inteligência alheia, esse argumento legitima
como ação política válida um comportamento que extrapola todos os limites da
atuação parlamentar admissíveis numa democracia.
O que Eduardo tem feito nos EUA nada tem a
ver com a livre manifestação de opiniões, palavras e votos – garantias
fundamentais do mandato eletivo. O deputado tem usado sua posição e contatos
naquele país para difundir falsidades sobre o sistema judicial brasileiro e
pugnar por sanções políticas e econômicas contra o Brasil em represália pela
condenação criminal de seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro. E o faz de
forma pública e documentada, não raro afetando júbilo a cada revés imposto ao
País e às autoridades que tem como inimigas, em particular ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF). Não deveria haver dificuldade para classificar as
atitudes de Eduardo não só como quebra de decoro parlamentar, mas como traição
à Pátria.
O parecer pelo arquivamento, portanto, tem de
ser rejeitado pelo Conselho de Ética e um novo relator tem de ser designado por
seu presidente – supondo, é claro, que o deputado Fabio Schiochet (União-SC)
esteja disposto a honrar o cargo e zelar pela ética na Casa.
O deputado Eduardo Bolsonaro, em consórcio
com o blogueiro Paulo Figueiredo, converteu sua militância em uma campanha
sistemática contra o Brasil. Em vez de representar seus eleitores paulistas,
Eduardo passou a minar a credibilidade das instituições nacionais junto a
parlamentares e autoridades americanas, apresentando o Brasil como uma
“ditadura” e o STF como um “tribunal de exceção”. Suas ações, evidentemente,
desbordam a mera crítica política. Trata-se de sabotagem. E se o que Eduardo
tem feito não for enquadrado como quebra de decoro, o sinal estará dado: vale
tudo na Câmara.
À impunidade política requerida para Eduardo
se soma a complacência com outro episódio grave, ligado à cruzada lesa-pátria
conduzida por ele nos EUA. O Conselho de Ética também engendra uma saída para
livrar os bolsonaristas que há poucas semanas sequestraram a Mesa Diretora da
Câmara. O motim teve como objetivo chantagear o presidente da Casa, Hugo Motta
(Republicanos-PB), para que pautasse o projeto de anistia aos golpistas do 8 de
Janeiro e ao próprio Jair Bolsonaro. Apenas três parlamentares – os deputados
Marcos Pollon (PL-MS), Marcel van Hattem (Novo-RS) e Zé Trovão (PL-SC) – devem
sofrer alguma punição mais gravosa, isto é, a suspensão do mandato. Já os
protagonistas do motim, como Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Bia Kicis (PL-DF) e
Luciano Zucco (PL-RS), entre outros, serão, no máximo, advertidos.
E assim, mais uma vez, entre o espírito de corpo e a degradação de sua imagem institucional, a Câmara parece ter feito sua escolha.
A urgência de investir em cuidados paliativos
Por Correio Braziliense
No Brasil, há avanços importantes na oferta
de cuidados paliativos, mas a cobertura aos pacientes e familiares ainda é
insuficiente e desigual
O alcance global da necessidade de cuidados
paliativos é grande e crescente, especialmente diante do processo acelerado de
envelhecimento da população mundial. Segundo a National Library of Medicine
(NLM), mais de 60 milhões de pessoas por ano poderiam beneficiar-se de algum
nível de cuidado paliativo no mundo, número influenciado pelo predomínio de
doenças crônicas não transmissíveis. Isso impõe o desafio, tanto para países
ricos quanto para os de baixa e média renda, de organizar serviços acessíveis e
integrados.
No Brasil, há avanços importantes nesse
tipo de assistência, mas a cobertura aos pacientes e familiares ainda é insuficiente
e desigual. Nos últimos anos, o país registrou aumento no número de serviços
especializados: entre 2020 e o início de 2023, foram cadastrados 90 novos
serviços de cuidados paliativos. No fim de 2023, havia 234 entradas, sendo 128
novos serviços e 106 atualizações de cadastro, o que representa um aumento
significativo em comparação aos anos anteriores.
Um dos entraves, porém, é que a oferta
permanece concentrada em grandes centros urbanos, como detalha relatório
recente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). A densidade por
habitante é baixa em muitas regiões do país, mostra o trabalho. A boa notícia é
que hospitais públicos e privados passaram a investir em capacitação e na
criação de comissões de ética focadas em terminalidade e decisões
compartilhadas. Paralelamente, diversas universidades federais — como as de São
Paulo, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul — incluíram disciplinas
obrigatórias sobre o tema nos cursos de medicina e enfermagem, consolidando a
formação interdisciplinar.
O projeto de lei mais emblemático em
tramitação sobre o tema é o PL 2.460/2022, que institui o Programa Nacional de
Cuidados Paliativos e define direitos dos pacientes e responsabilidades do
Estado para garantir acesso nos diferentes níveis de atenção. A proposta tem
sido debatida e recebeu pareceres favoráveis em comissões, sinalizando um
avanço legislativo para padronizar oferta e financiamento. Além disso,
propostas vinculadas ao Estatuto da Pessoa com Câncer e iniciativas locais (por
exemplo, projetos em câmaras distritais) têm buscado estender garantias de
tratamento da dor e continuidade do suporte paliativo após tratamento
oncológico.
Embora o Sistema Único de Saúde (SUS)
disponha de diretrizes — incluídas em manuais e portarias — para a atenção
paliativa em diferentes níveis de complexidade, a implementação local varia
muito. Na verdade, falta muita coisa: políticas públicas claras, financiamento
regular, formação continuada de equipes multidisciplinares e integração dos
cuidados paliativos nas rotinas da atenção primária, entre outras
carências.
Também é fundamentall ampliar o acesso a
medicamentos essenciais para controle da dor, fortalecer a regulação que
facilite — sem abrir brechas — o fornecimento racional de opioides e implantar
indicadores nacionais de cobertura e qualidade. A criação de centros de
referência regionais e teleconsultoria para suporte a equipes locais pode
acelerar a difusão de práticas de qualidade.
Vale lembrar que os cuidados paliativos estão intrinsecamente ligados à melhora da qualidade de vida de pessoas e famílias que enfrentam doenças que ameaçam a continuidade da vida, por meio do alívio do sofrimento físico, psicológico, social e até espiritual. Adaptar soluções à realidade do SUS pode reduzir um sofrimento evitável e garantir que morrer com dignidade deixe de ser privilégio geográfico ou econômico.
Queda da MP dificulta equilíbrio fiscal
Por O Povo (CE)
É preciso estabelecer um limite a não ser
ultrapassado, quando o interesse público deve falar mais alto, acima de
interesses eleitorais ou partidários
Com a retirada de pauta da Câmara dos
Deputados, a medida provisória (MP) 1303 caducou, representando uma grande
derrota para o Palácio do Planalto. A MP teria de ser aprovada até quarta-feira
para não perder a validade, mas o intenso trabalho da oposição conseguiu
neutralizá-la, evitando que fosse votada na quarta-feira, quando perdeu a
validade.
Assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, a MP foi alternativa à elevação do Imposto sobre Operações Financeiras
(IOF), medida que também foi rejeitada no Congresso Nacional. A proposta seria
unificar em 18% a tributação sobre todas as aplicações financeiras, a partir de
1º de janeiro de 2026, aumentando a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL) de algumas instituições financeiras.
Para facilitar o entendimento, os governistas
simplificaram como taxação das "bets, bilionários e bancos". A
previsão original era elevar a arrecadação em R$ 46 bilhões até 2026.
Agora, aumentam as dificuldades do governo
para manter o equilíbrio fiscal. Resta fazer novo bloqueio de despesas,
inclusive com o corte de emendas parlamentares, o que, certamente, desagradará
aos congressistas.
Para impedir a aprovação da MP, os
oposicionistas utilizaram o argumento técnico de que o governo não corta
despesas, preferindo apelar para a criação de novos impostos, o que seria
prejudicial à economia. O líder do partido Novo, deputado Marcel Van Hattem
(RS), manifestou-se contra a "irresponsabilidade fiscal" para
rejeitar as propostas da MP.
Mas, segundo os governistas, trata-se de
fazer justiça tributária, corrigindo distorções do sistema. De acordo com o
presidente Lula, arrecadar menos limita as políticas públicas "que
beneficiam milhões de brasileiros".
No entanto, um argumento que não foi
utilizado, pelo menos publicamente, durante a discussão sobre a medida
provisória, foi o que mais pesou na sua rejeição: as eleições presidenciais de
2026. Apesar de não oficialmente, a corrida eleitoral já começou e todos os
cálculos políticos consideram essa variável.
A oposição não quis facilitar para o governo,
dando-lhe uma folga na arrecadação às vésperas das eleições, convocando argumentos
técnicos para camuflar a motivação política.
Não se pede que políticos deixem de fazer
política ou de exercer o direito de fazer oposição. No entanto, é preciso
estabelecer um limite a não ser ultrapassado, quando o interesse público deve
falar mais alto, acima de interesses eleitorais ou partidários.
Além disso, um desarranjo fiscal agora vai repercutir no próximo ano e também em 2027, recaindo sobre um novo governo, ainda a ser eleito, que tanto pode ser uma continuidade da administração de Lula, quanto de partidos que hoje lhe fazem oposição.
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