Um ano após chegar ao poder em Portugal com sua aliança antiausteridade, o socialista António Costa goza de índices de aprovação com que os outros dirigentes europeus de centro-esquerda não podem sequer sonhar. "Mostramos que é possível uma alternativa", afirma o premiê.
Premiê de Portugal desafia a austeridade e se mantém firme
Por Peter Wise | Financial Times | Valor Econômico
LONDRES - Quando António Costa prestou juramento como primeiro-ministro de Portugal, em novembro de 2015, os opositores consideravam o líder socialista um aventureiro temerário que havia chegado ao poder por meio de um pacto diabólico com os comunistas e a esquerda radical.
"Espero não ser chamado de volta para uma casa em chamas", disse Pedro Passos Coelho, o premiê de centro-direita que lhe passou o cargo e que tinha comandado Portugal ao longo de um duro pacote de resgate financeiro da União Europeia (UE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Até agora, não houve nenhum incêndio. Um ano depois de chegar ao poder, Costa goza de índices de aprovação em pesquisas de opinião com os quais os demais líderes europeus de centro-esquerda não conseguem nem sonhar. A sua aliança antiausteridade se manteve firme e, segundo uma autoridade do governo, Portugal se tornou "uma ilha de estabilidade" em meio a um mundo turbulento.
"Mostramos que é possível uma alternativa [à austeridade]", diz o premiê. Partidos antiestablishment - como o Podemos da Espanha - veem o governo de Costa como um modelo a ser imitado, enquanto Jeremy Corbyn, o líder do oposicionista Partido Trabalhista do Reino Unido, o saudou como o início de "uma coalizão antiausteridade em toda a Europa".
Os opositores continuam pouco convencidos. "Estou quase certo de que haverá outra crise [da dívida]" em Portugal, afirmou Passos Coelho, atualmente líder da oposição, num simpósio no mês passado. Os credores internacionais, os mercados financeiros e as agências de classificação de risco também se mostram céticos.
Eles temem que o crescimento modesto da economia de Portugal - calculado pelo Banco de Portugal, o banco central do país, como tendo sido de 1,2% em 2016 - seja baixo demais para sustentar uma dívida pública de mais de 130% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, temores sobre a fragilidade do setor bancário, acossado por empréstimos problemáticos, estão puxando para cima os custos de captação de recursos pelo governo no mercado.
Os juros dos bônus governamentais referenciais portugueses, de dez anos, beiravam os 4% no mês passado, quando o Banco Central Europeu (BCE) informou que reduziria o volume de compra de bônus governamentais. Os críticos argumentam que o endividamento, o crescimento anêmico e a fragilidade dos bancos deixam o país altamente vulnerável. Um economista de Lisboa diz: "Qualquer choque - dos bancos italianos, das eleições francesas - poderá precipitar uma crise".
Apesar dessas dúvidas, o desempenho de Costa inegavelmente superou os prognósticos iniciais para seu governo socialista de minoria, que depende dos votos parlamentares do radical Bloco de Esquerda e do draconiano Partido Comunista. O premiê frustrou a maioria dos críticos ao sobreviver para um segundo ano no cargo.
Até agora ele passou por dois orçamentos, aprovados por Bruxelas, e evitou a ameaça de sanções da UE por manter déficits fiscais exagerados. O FMI prevê que o déficit de 2016 vai ficar confortavelmente abaixo dos 3% do PIB, bem abaixo dos 4,4% registrados em 2015 e o "mais baixo nível em 42 anos de democracia", como Costa o descreve, "e um dos melhores resultados do sul da Europa". A taxa de desemprego, por sua vez, caiu de 12,6% para cerca de 10%.
O fato de o governo ser apoiado por partidos de extrema esquerda, favoráveis à reestruturação da dívida e uma legislação trabalhista mais rígida, tampouco desestimulou as grandes empresas estrangeiras, como Volkswagen, Continental e Bosch, que elevaram seus investimentos em Portugal ou declararam ter essa intenção.
Costa se beneficiou de uma mudança de atitudes com relação a disciplina fiscal implacável. "Diante das incertezas políticas observadas em muitos países, a Europa optou por reduzir a ênfase à austeridade", diz Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg.
O premiê responsabiliza as políticas de austeridade por "manter as economias deprimidas e as sociedades divididas", e insiste que sua estratégia pró-crescimento é compatível com as regras fiscais da zona do euro. Ele restaurou os salários, o horário de trabalho, as férias e as aposentadorias do setor público aos níveis anteriores ao pacote de socorro financeiro.
De acordo com a UE e o FMI, Costa está alcançando as metas fiscais por meio do congelamento do consumo público intermediário em áreas como a saúde e do recuo do investimento público.
Os críticos temem que isso esteja mascarando o problema muito maior do endividamento público. "É como se uma família dissesse que gastou apenas €1.000 a mais do que ganhou, enquanto vê sua dívida bancária aumentar €5.000", disse um acadêmico.
Mas o sucesso inicial de Costa, diz Ricardo Paes Mamede, professor de economia em Lisboa, sugere que, "mesmo dentro das condições rígidas da união monetária europeia, há mais do que uma maneira de conduzir um país".
Nenhum comentário:
Postar um comentário