Às vésperas de uma nova rodada de privatizações de aeroportos, marcada para o dia 16 de março, o governo envia sinais equivocados para investidores estrangeiros ao dar mais quatro meses de alívio à concessionária que administra o Galeão. Trata-se de uma injustificada conivência com o descumprimento das obrigações financeiras do grupo responsável pelas operações do terminal carioca.
Leiloado no fim de 2013, quando a economia já exibia um acúmulo de distorções, o aeroporto foi parar nas mãos da Odebrecht Transport depois que o consórcio liderado pela empreiteira ofereceu um lance de R$ 19 bilhões no certame. A proposta era 293% superior ao valor mínimo de outorga e intrigou o mercado, que não encontrava justificativas para uma oferta tão ousada.
Como em todos os outros aeroportos privatizados, a outorga é paga em parcelas fixas e anuais ao longo de toda a vigência do contrato - 25 anos no caso do Galeão. Além da Odebrecht, como principal acionista, a operadora asiática Changi integra a concessionária. A estatal Infraero manteve participação minoritária. Houve melhorias nítidas. Sob comando da iniciativa privada, o terminal 2 ganhou um novo píer com 26 pontes de embarque e mais de 100 mil metros quadrados de áreas comerciais. A operação durante os Jogos Olímpicos ocorreu com absoluta normalidade.
Com a demanda por transporte aéreo em queda há 15 meses consecutivos e com um volume de passageiros muito abaixo do que previam os estudos de viabilidade do próprio governo à época do leilão, o Galeão se viu sem condições de pagar R$ 934 milhões da parcela anual de outorga que deveria ter depositado em maio. Pesou também o fato de que o empréstimo de longo prazo prometido pelo BNDES, em condições altamente vantajosas, jamais saiu por causa da desconfiança do banco com as garantias apresentadas por uma empresa cujo herdeiro está no epicentro do maior esquema de corrupção revelado nas últimas décadas.
Acertadamente, o governo concordou em adiar a cobrança até o fim de dezembro, mediante a incidência de multa e juros, mas abrindo mão da possibilidade contratual de iniciar um processo de caducidade da concessão. A mesma flexibilidade foi exercida com as administradoras de Guarulhos e de Viracopos, que cumpriram o combinado e chegaram à virada do ano com suas obrigações inteiramente quitadas.
O Galeão, em contrapartida, pagou só R$ 120 milhões - ou 11% do valor devido em outorga. Outros R$ 37,2 milhões serão depositados até abril, novo prazo dado pelo governo para que se encontre uma solução definitiva para o caso, sem a aplicação de nenhuma penalidade. É uma mensagem negativa para a credibilidade das concessões de infraestrutura no país. Parece que sempre há um jeitinho a dar, que o risco de prejuízo nunca se materializa, que basta espernear para arrancar algum tipo de benesse.
Durante quase todo o segundo semestre, enquanto a equipe do presidente Michel Temer elaborava uma medida provisória para tratar das concessões em apuros financeiros, os grupos à frente dos principais aeroportos fizeram um intenso lobby pela repactuação do pagamento de outorga. Em vez de parcelas lineares, queriam pagar prestações mais suaves nos próximos anos e deixar os desembolsos mais pesados para a reta final dos contratos, apostando na recuperação futura da economia. O pleito era legítimo, mas o governo optou por não incluir esse dispositivo na MP 752, que foi publicada na última semana de novembro e ainda será apreciada pelo Congresso Nacional.
A contradição veio um mês depois, com o novo prazo dado ao Galeão para honrar seus compromissos. Para justificar a tolerância com a concessionária, o ministro dos Transportes, Maurício Quintella, apontou o risco de descontinuidade das operações.
A preocupação do ministro colide com o texto da MP, que permite a relicitação de ativos. O artigo 15 já obriga as atuais concessionárias a garantir "continuidade e segurança dos serviços essenciais relacionados ao empreendimento" de infraestrutura, como um aeroporto, que precisem devolver à União por eventual inviabilidade econômica.
Ouvir mais o mercado e corrigir erros da gestão passada não significa adotar uma postura excessivamente leniente com investidores que não souberam calcular minimamente seus riscos antes da crise.
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