terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Gestão e marketing - Miriam Leitão

- O Globo

Quando o prefeito Marcelo Crivella, repetindo palavras de Tancredo Neves, disse que “é proibido gastar”, ele já tinha gastado. Ao decidir não aumentar os ônibus, ele estava tomando uma decisão que é despesa. Ele pode até dizer que quis fazer esse gasto, mas sua decisão significa que dos cofres da prefeitura sairá mais dinheiro para o subsídio pago às empresas de ônibus.

Quando o prefeito João Dória Júnior se vestiu de gari, ele estava fazendo um ato que nada tem a ver com governar, mas sim com propaganda. Se quiser a cidade mais limpa, há muito o que um prefeito pode fazer além desse gesto de mera demagogia. Ao decidir acabar com a extravagante frota de 1.300 carros que serve ao prefeito, ao secretariado e alto funcionalismo, Dória faz muito bem. Ele mandou o secretariado andar de Uber ou de táxi. Quem paga? Se for o cidadão, então é tudo marketing. Ao dizer que é um “gestor”, o prefeito de São Paulo está aproveitando a onda antipolítico. Se ele for um bom, ótimo. Ainda terá que provar, porque sua experiência empresarial é muito específica.

Quando Crivella anunciou 79 medidas, ele misturou algumas poucas decisões que pode aplicar rapidamente, como cortes de cargos em comissão, com ideias que são apenas a rotina de governar, como a de fixar prazos para que sua equipe faça relatórios ou planos. Uma das medidas dá prazo de 15 dias para a apresentação de um plano para a programação do carnaval de rua de 2017. Outra, encomenda relatório de como está o sistema de prevenção e alerta de deslizamentos por causa das chuvas. Isso deveria ter sido feito na transição. O problema é que Crivella teve apenas dois encontros com Paes, um protocolar e outro na semana da posse. A ideia de rever as isenções de IPTU é ótima. O prefeito foi um dos autores da proposta aprovada para que igrejas não paguem IPTU. Agora é lei federal.

Na quarta-feira passada, Eduardo Paes disse para Crivella que, quando não aumentou o ônibus atendendo a pedido do então ministro Mantega, ele recebeu o alerta de um economista amigo dele de que iria se arrepender. E de fato se arrependeu. Contou isso para avisar a Crivella que elevaria a tarifa. No dia seguinte, Crivella criticou a decisão de Paes, e ele voltou atrás. Agora o prefeito do Rio só precisa aprender que isso significa gasto. Pior fez Dória, que tomou a mesma decisão e depois foi pedir ajuda ao governo Federal porque terá uma enorme despesa com o subsídio.

Em Porto Alegre, na semana passada, o então prefeito José Fortunati e o prefeito ainda não empossado Nelson Marchezan Jr. disputaram o IPTU. Ficou um verdadeiro “quem dá mais”. Fortunati oferecia 12% de desconto para quem antecipasse, Marchezan ofereceu 15% para quem pagasse em janeiro. Era uma queda de braço pelo que há de mais escasso hoje nas prefeituras: receitas.

A dívida dos municípios com o Tesouro repete o mesmo quadro das dívidas dos estados: devem mais os municípios maiores e, portanto, foram mais beneficiados pela troca dos indexadores no governo Dilma. São Paulo foi o que mais ganhou porque na época da primeira negociação, no governo Fernando Henrique, escolheu uma taxa de juros maior para não ter que entregar ativos para a privatização. O economista Fábio Klein, da Tendências Consultoria, explica que há enormes diferenças entre municípios:

— Muitos municípios tiveram uma queda grande de endividamento por causa da mudança do indexador da dívida, há dois anos. Antes, era IGP-DI mais 6% ou mais 9%. Agora, é IPCA mais 4%, ou a Selic, o que for menor. No caso de São Paulo, o estoque da dívida sobre a Receita Corrente Líquida caiu de 182% para 80%, no Rio, de 75% para 46%, em Belo Horizonte, de 53% para 33%, em Curitiba, de 8% para 4%. Quem estava com dívida mais baixa foi menos beneficiado.

Uma grande fonte de recursos dos municípios maiores é o ISS. O problema, disse Klein, é que o setor de serviços vai crescer ainda menos do que o PIB. Não será um ano fácil. Serão mais bem sucedidos os prefeitos que forem de fato bons gestores, que souberem escolher onde gastar, que não percam o tempo deles —e o nosso — com cenas de marketing e que tenham novas propostas para superar os velhos problemas das cidades.

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