O Estado de S. Paulo
Tomara que, no futuro, possa haver uma
convergência virtuosa de novos líderes e uma nova geração de políticos.
José Serra entra para a história como o
único senador que votou contra o estupro da Constituição e do teto orçamentário
perpetrado pelo Congresso. É o último da geração de políticos tucanos que
lutaram contra a ditadura militar, saíram do antigo MDB para criar o PSDB
quando o partido foi dominado pela política corrupta de Orestes Quércia,
conseguiram deter a inflação e reorganizar a economia do País, dando início às
políticas sociais, e entregaram o governo de forma civilizada em 2002, quando
Lula ganhou as eleições.
Espero que a “PEC Kamikaze” não seja suficiente para manter no poder o bando fascista de Bolsonaro, mas Lula não ajuda. Como os antigos reis Bourbons, ele nada esquece e nada aprende. Seu comentário sobre a PEC foi que, no seu governo, os orçamentos seriam aprovados com a “participação da sociedade”, como se quatro mandatos presidenciais não bastassem para saber que não é assim que orçamentos federais são aprovados e administrados. Sobre os preços dos combustíveis, Lula defendeu a reestatização da Petrobras, que seus governos levaram quase à falência. Antes, havia falado contra os políticos “sem alma” que só se preocupam com o teto de gastos e o equilíbrio orçamentário, e não com as necessidades do povo sofredor. Como se só ao “mercado” interessasse ter uma economia vigorosa e estável, capaz de criar empregos e pagar bons salários, e que os recursos públicos sejam destinados a investimentos e políticas sociais de qualidade, e não aos bolsos dos políticos e das corporações com mais capacidade de pressão.
Sobre os escândalos de corrupção no
Ministério da Educação, só o que Lula fez foi balbuciar algo sobre o direito de
defesa dos acusados, como que temendo o fim do “garantismo” judiciário que faz
com que, no Brasil, todos os crimes de políticos sejam perdoados. E, machão,
não se comoveu com os crimes de assédio sexual que derrubaram o presidente da
Caixa Econômica Federal, dizendo que não era policial nem procurador.
Rejeitados pela maioria da população, os
dois candidatos à Presidência entram num processo eleitoral que será turbulento
e cujo ganhador herdará um país exausto e em frangalhos. Como explicar que não
tivesse surgido um terceiro nome? Temos Simone Tebet tentando ocupar esse espaço,
mas que começa enfraquecida pelo próprio processo em que sua candidatura se
formou, por uma negociação interminável dos interesses locais dos velhos
partidos. E temos Ciro Gomes, sozinho, golpeando à esquerda e à direita,
incapaz de sair de sua bolha. Mesmo que uma dessas candidaturas consiga crescer
– o que não é impossível, porque os eleitores decidem seu voto na última hora,
como vimos recentemente na Colômbia –, o futuro presidente dificilmente terá
condições de pôr fim à crise fiscal e à usurpação dos recursos públicos pelos
congressistas do Centrão, que puxam o País para o fundo.
Por três vezes tentamos resolver este
impasse elegendo um presidente “contra tudo o que está aí”, e os três casos –
Jânio, Collor e Bolsonaro – resultaram em desastre. Os exemplos recentes de
líderes populistas na região, como López Obrador, no México, e Petro Castillo,
no Peru, sem falar de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela, mostram que o
problema é mais geral.
Em seminário recente na Fundação Fernando
Henrique Cardoso, o professor Steven Levitsky lembrou dos três pilares das
democracias modernas, apesar de suas imperfeições: partidos políticos
estruturados, uma imprensa prestigiada e capaz de formar a opinião pública e
grupos de interesse fortes e diversos comprometidos com a estabilidade
política. Hoje, esses pilares estão minados pelos “três Ps” mencionados em
artigo recente de Moisés Naím: o populismo, a polarização, acentuada
pelas políticas identitárias, e a pós-verdade das redes sociais.
Quatro anos atrás, com o derretimento do
PT, a crise econômica se aprofundando e as manifestações de protesto crescendo,
surgiram várias tentativas de organizar movimentos que buscavam substituir os
políticos tradicionais por uma nova geração de líderes, mais bem formados e
comprometidos com os temas da desigualdade social, do aperfeiçoamento do
Estado, da moralidade pública e do desenvolvimento econômico e social. Mas
foram tentativas pequenas e dispersas, que não conseguiram fazer muita
diferença. Tomara que, no futuro, possa haver uma convergência virtuosa de
novos líderes e uma nova geração de políticos, retomando as bandeiras dos
velhos tucanos e trazendo para o País novas perspectivas.
Diziam, tempos atrás, que o Brasil crescia
à noite, quando os políticos dormiam. Lembro-me de o velho Antônio Carlos
Magalhães dizendo que, durante a noite e nos fins de semana, nos conchavos
políticos no Palácio de Ondina, desfazia as boas medidas que tomava durante o
dia como governador da Bahia. Em alguns momentos, de fato, os ventos da
economia internacional, como os ciclos favoráveis das commodities, ajudaram a
economia a andar, e não faltam exemplos de políticos virtuosos e iniciativas
locais e regionais bem-sucedidas que mostram que nem tudo está perdido. Mas não
será fácil.
*Sociólogo, é membro da Academia Brasileira
de Ciências
2 comentários:
Nesse podemos confiar, não é desses políticos que vendem a alma, educado, confiável e honesto até onde pode ser um político. Não entendo como nunca chegou a presidente, é o que eu falo, brasileiro não sabe votar. Ta aí o Bolsonaro que não me deixa mentir.
Fernando Henrique também continua vivo,não só o Serra,tá certo que é um PSdebista aposentado.
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