sexta-feira, 8 de julho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

País decente não tem fome

O Estado de S. Paulo

ONU recoloca Brasil no vergonhoso ‘mapa da fome’, do qual só sairemos quando a sociedade considerar inaceitáveis a obscena desigualdade social e o desenvolvimento econômico medíocre

O Brasil voltou de vez ao mapa da fome e nada indica que se livrará dessa vergonhosa marca tão cedo. Dados do relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022, divulgado por cinco agências da Organização das Nações Unidas (ONU), apontam que 15,4 milhões de pessoas estavam sob insegurança alimentar grave no País entre 2019 e 2021, um contingente que representa hoje 7,3% de toda a população – são 3,9 milhões a mais do que o contingente observado entre 2014 e 2016, época em que o índice não chegava a 2%. Números que muitas vezes parecem frios ganham outra dimensão quando traduzidos em exemplos mais claros: 15,4 milhões de brasileiros não sabem se comerão um prato de comida ao longo do dia de hoje.

A essas pessoas, o presidente Jair Bolsonaro nunca ofereceu nada, nem mesmo uma palavra de solidariedade. Sem qualquer planejamento nem foco nos mais necessitados, o governo distribuiu benefícios de forma indiscriminada a todos que conseguissem passar pelos parcos e confusos controles de acesso do Auxílio Emergencial. Agora, observando que seus índices de aprovação atingiram o pico na vigência do programa, o Executivo dobrou a aposta no Auxílio Brasil, repleto de falhas graves apontadas por todos os especialistas em políticas sociais. Principal adversário de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem falado em retomar o Bolsa Família, que, embora seja melhor que seu malfadado sucessor, tampouco foi capaz de solucionar a miséria nacional.

Essa tragédia não é fruto do acaso, mas de escolhas feitas por um País que sempre virou as costas para os mais necessitados. É verdade que Bolsonaro destruiu as bases do Cadastro Único para Programas Sociais, um consistente banco de dados de mais de 20 anos de história; que extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), cujo papel nas políticas de combate à fome ao longo dos últimos anos foi fundamental; que praticamente zerou as verbas do programa de aquisição de alimentos Alimenta Brasil, que priorizava regiões com maior índice de pobreza. Também é inegável que o aumento na quantidade de famintos não é exclusividade brasileira. A pandemia, a guerra na Ucrânia e os preços de alimentos e combustíveis agravaram a pobreza em diversos países do mundo. Mas também é fato que a incompetência nacional para resolver gargalos históricos não vem de hoje e atravessa administrações de diferentes matizes políticas. Não se trata de diminuir a incontestável contribuição do governo Bolsonaro em levar o Brasil à ruína, mas de chamar a sociedade a assumir a responsabilidade pela solução de questões que têm raízes na nossa história.

Se a fome havia deixado de ser um problema crônico no passado recente, a desigualdade social era e continua sendo uma marca obscena do País – inabalável mesmo quando o PIB cresce de maneira mais vigorosa. A desigualdade sempre foi vista como uma característica inerente ao Brasil, algo que deveria ser inaceitável sob qualquer ponto de vista. Atacar a mazela da fome é urgente e passa por uma articulação entre governo e entidades da sociedade civil, além de parcerias entre o setor público e privado. Mas ações emergenciais não substituem respostas estruturais, e compensações, ainda que fundamentais, não levam à emancipação.

Não há como oferecer uma solução definitiva para a miséria sem que o País retome o caminho do crescimento, algo que passa pelo resgate dos fundamentos macroeconômicos devastados por Bolsonaro. É essencial a aprovação de uma reforma tributária para acabar com a regressividade e para deixar de castigar a produção. Não haverá empregos de qualidade enquanto não houver uma política industrial que incentive a inovação e a produtividade e abandone a proteção de setores com amigos em Brasília. Será impossível oferecer melhores oportunidades aos mais pobres enquanto a Educação Básica não for uma prioridade real. O Brasil está à deriva e, em suma, precisa voltar a ter um governo de fato. Do contrário, mesmo que o País consiga sair do mapa da fome, basta aguardar a próxima crise para que volte para lá.

O círculo vicioso latino-americano

O Estado de S. Paulo

Dossiê da revista britânica ‘The Economist’ expõe a urgência de resgatar a civilidade política para empregar as riquezas da América Latina na reversão de sua degradação socioeconômica

O grupo The Economist produziu um dossiê sobre a América Latina. O tema rendeu uma matéria de capa na revista. O título não poderia ser mais eloquente: Como as democracias declinam – Estagnação econômica, frustração popular e polarização política estão reforçando umas às outras.

Há não muito tempo o futuro era promissor. O superciclo das commodities possibilitou novos programas sociais. A redução da desigualdade reforçava a redemocratização. Mas os governantes não empenharam seu capital político em modernizações estruturais (políticas, tributárias, administrativas) e desperdiçaram o capital físico que deveria ser investido nas engrenagens de um crescimento sustentável, como infraestrutura, educação, produtividade e diversificação econômica.

Se aquele círculo virtuoso era frágil, o atual círculo vicioso é forte. Uma década de estagnação acentuou a frustração, especialmente entre os jovens, com a falta de oportunidades. A ira popular se voltou não só contra os incumbentes políticos, mas contra a política. A esperança em salvacionistas autoritários cresce. Mas, além de serem tão ou mais ineficientes que seus pares moderados, eles dilapidam o Estado Democrático de Direito. Mesmo países que logravam um razoável desenvolvimento econômico e, em parte, social, como Chile, Peru ou Colômbia, foram tomados pela febre populista.

O Financial Times publicou um editorial com um título igualmente sugestivo: O tumulto político na América Latina durará até que suas economias sejam reformadas. Com efeito, a combinação de privilégios oligopolistas e protecionismo perpetua a baixa produtividade do setor privado e a falta de investimentos e inovação que são chave para a mistura tóxica de desigualdade e baixo crescimento – tornada explosiva pela violência política, criminal e social.

Mas, na esfera pública, o centro desmorona, a direita, em nome da “liberdade”, se aferra a regalias elitistas e a esquerda, em nome da “igualdade”, a manias utopistas e ultrarregulatórias (exacerbadas quase a ponto da caricatura, por exemplo, na Constituinte do Chile).

“A política está marcada não apenas pela polarização, mas também pela fragmentação e a extrema fraqueza dos partidos políticos, tornando difícil congregar maiorias governantes estáveis”, diagnostica a Economist. “Essa espiral descendente é acelerada pela influência maligna das redes sociais e pela importação de políticas identitárias do Norte.”

O Brasil é um caso exemplar do círculo vicioso latino-americano. Exasperados com a precariedade dos serviços públicos, a corrupção e a deterioração socioeconômica, os brasileiros elegeram o (supostamente) anti-establishment Jair Bolsonaro. Mas a sua mistura de autoritarismo político e indigência administrativa só piorou essas condições. Para sustentar seu mandato ele franqueou as cartas do Executivo aos fisiologistas do Congresso, e para renová-lo inflama sua ideologia reacionária e disruptiva. Resta pouca esperança quando o favorito às eleições, Lula da Silva, só tem a oferecer os mesmos hábitos e ideias retrógrados que gestaram as condições para a ascensão de Bolsonaro.

A armadilha do subdesenvolvimento latino-americano é tanto mais dramática porque não faltam recursos para desarmá-la. Afastada de conflitos geopolíticos graves, a região é rica em culturas multiétnicas e em alimentos, minérios e energia renovável que a colocam em uma posição-chave para tirar proveito de grandes tendências políticas e econômicas globais, como a disputa entre China e EUA ou a alta das commodities, e solucionar grandes desafios do século 21, como a segurança alimentar ou as mudanças climáticas.

“A tentação será ignorar o mal-estar econômico e político e simplesmente surfar no novo boom das commodities detonado pela guerra na Ucrânia. Isso seria um erro”, adverte a Economist. “Não há atalhos. Os latino-americanos precisam reconstruir suas democracias de baixo para cima. Se a região não redescobrir a vocação para a política como um serviço público e reaprender o hábito de forjar consensos, seu destino só piorará.”

Boris e o limite da desonestidade

O Estado de S. Paulo

O Partido Conservador precisará restaurar os valores institucionais pressionados até o limite pelo premiê

Em três anos como primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson desafiou as leis da gravidade política e atravessou uma sucessão de escândalos combinando carisma, contemporização, prevaricação e franca desfaçatez. Há um mês, sobreviveu a um voto de desconfiança no Parlamento, por causa de festas na sede do governo no auge da pandemia. A revelação de que havia indicado um colega para uma função disciplinar chave sabendo de alegações de assédio sexual foi a gota d’água. Em 36 horas excruciantes, dezenas de membros do governo, a começar pelos ministros das Finanças e da Saúde, renunciaram. “Temos razões para questionar a verdade e a integridade sobre aquilo que nos foi dito”, resumiu ao Parlamento o ministro demissionário da Saúde, Sajid Javid. “Temos de concluir que basta.” Johnson relutou, mas teve de concluir a mesma coisa, e renunciou.

Para o bem ou para o mal, o Brexit é o seu maior legado. Sua atuação nas grandes crises globais foi decisiva, fomentando o desenvolvimento das vacinas na pandemia e apoiando a Ucrânia. Mas o acúmulo de escândalos, e das mentiras para apaziguá-los, consumiu seu governo.

Johnson caiu por seu caráter amoral. Mas também subiu por ele. Se, quando eleito, conquistou a mais numerosa maioria parlamentar em décadas, foi pela capacidade de mobilizar as duas facções do Partido Conservador. Sua política de “ter o bolo e comê-lo”, como disse nas negociações pós-Brexit, fez com que prometesse de tudo a todos: a uns mais gastos e protecionismo, a outros menos impostos e mais livre mercado. O seu encanto se exauriu, mas essas contradições, e as dificuldades socioeconômicas precipitadas por elas, permanecem.

O Reino Unido tem a maior inflação e o crescimento mais baixo do G-7. A dívida pública está em alta e a libra, em baixa. O custo de vida espreme os britânicos. Escócia e Irlanda do Norte questionam sua integração na União. As relações com a Europa estão longe de normalizadas. O apoio ao Partido Conservador caiu e seu desempenho nas eleições, daqui a dois anos, está comprometido.

O próximo primeiro-ministro precisará da mesma energia de Johnson, mas com qualidades que lhe faltam: visão, coerência e, acima de tudo, a disposição de fazer escolhas duras, ainda que impopulares.

Mas, mais do que pragmatismo, o Partido Conservador precisará se mostrar capaz de restaurar os valores institucionais pressionados até o limite por Johnson. Mesmo nos estertores, ele chegou a flertar com um momento “Trump”, alegando, contra a ordem constitucional, um mandato direto do povo. Nos EUA, o Partido Republicano continua a inflamar humores populistas. No Reino Unido, o Partido Conservador aparentemente recuou. Nas palavras de Sajid Javid, “andar em uma corda bamba entre a lealdade e a integridade se tornou impossível”.

A moral da história nessa parábola de ascensão e queda é que, mesmo na era da “pós-verdade”, a desonestidade tem limite. Sem confiança, não há governo. Ao forçar a saída de Johnson, o Partido Conservador postulou a verdade de que o caráter é essencial para a política. Agora precisará prová-la.

A queda do bufão

Folha de S. Paulo

Depois de ter conseguido o brexit, Boris Johnson sucumbe aos erros de conduta

Boris Johnson é vítima de sua própria personalidade. A rebelião partidária que forçou o premiê britânico a renunciar não se deveu à adoção de uma política pública fracassada ou a uma crise econômica, mas ao acúmulo de escândalos envolvendo a pessoa física do líder.

O mais danoso deles foi, sem dúvida, a revelação de que Johnson promoveu uma série de festas com membros de seu gabinete durante o lockdown, quando esse tipo de reunião estava proibido —e o premiê mentiu sobre esses encontros.

Um deles deu-se às vésperas do funeral do príncipe Philip, o que foi considerado desrespeitoso até para os padrões de bufão de Johnson.

De alguma forma, porém, ele vinha conseguindo sobreviver ao "partygate". A gota d’água, entretanto, foi o "Pinchergate" —a descoberta de que Johnson entregou cargo de confiança a Chris Pincher, sobre quem pesam acusações de assédio sexual, e mentiu ao dizer que não tinha conhecimento delas.

A partir daí, deflagrou-se a revolta conservadora, com importantes secretários de governo renunciando a seus postos e deixando o líder insustentavelmente isolado.

Curiosamente, os mesmos problemas de conduta que custaram seu emprego levaram Johnson a tal posição. Ele só se tornou premiê por causa do brexit, do qual foi apoiador de primeira hora. Não mediu esforços para promover a causa, o que incluiu fake news sobre os custos de o Reino Unido estar integrado à União Europeia.

Aliás, antes de entrar para a política, ainda como jornalista lotado em Bruxelas, Johnson já produzia um noticiário sensacionalista e enviesado contra o bloco.

Chegou ao poder em 2019, em substituição a Theresa May, que vinha encontrando dificuldades para negociar os termos de saída. Pouco depois de assumir, convocou eleições, que os conservadores venceram por larga margem.

Até hoje o país discute se essa foi uma vitória do incumbente ou uma derrota dos rivais trabalhistas, então sob a liderança de Jeremy Corbyn, mas o fato é que o resultado deu ao primeiro-ministro um claro mandato para negociar o divórcio com a UE —o que ele fez.

Muitas vezes, Johnson foi comparado a Donald Trump, Jair Bolsonaro (PL) e outros expoentes da mesma estirpe. A comparação só faz sentido até certo ponto.

O britânico se fantasiou de inimigo do establishment para impulsionar a carreira e nunca hesitou em mentir por seus objetivos. Mas, ao contrário de Trump e Bolsonaro, mantém vínculos com a realidade.

No início da pandemia, adotou uma posição negacionista. Ao ver a situação agravar-se e após contrair a doença, porém, soube rever a abordagem, promovendo lockdowns e acelerando a vacinação.

Sucumbiu ao sentimento, algo aristocrático, de que as regras que valiam para todos não se aplicavam a sua pessoa. Foi um erro capital.

Fumaça proibicionista

Folha de S. Paulo

Banir cigarro eletrônico, como faz agência, não está dando certo; melhor regular

Especialistas apontam várias razões de saúde para conter a disseminação de cigarros eletrônicos. Cabem, no entanto, dúvidas sobre a eficácia e objeções quanto ao fundamento da recente decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de manter a proibição baixada em 2009.

Tais aparelhos produzem fumaça a partir de cápsulas contendo compostos como a nicotina. Propagandeados a princípio como instrumento para redução de danos causados pelo tabagismo convencional, nunca se comprovou que sejam menos prejudiciais ou capazes de contribuir para o abandono de cigarros de tabaco e papel.

Há indícios convincentes de que os dispositivos funcionem como porta de entrada para o hábito de fumar. Podem, assim, originar ou manter a dependência química.

Levantamento da Fiocruz na literatura médica indicou que jovens usuários de cigarros eletrônicos têm risco maior de se tornarem tabagistas na idade adulta.

Segundo a Associação Médica Brasileira, cerca de 80 aerossóis neles produzidos contêm substâncias tóxicas. Pior, algumas delas são potencialmente cancerígenas.

Apesar disso e da proibição ora reiterada pela agência federal, os produtos se encontram à venda em toda parte pelo Brasil. Entram no país por meio de contrabando, crime que as autoridades têm notória dificuldade em combater.

As danosas engenhocas se tornaram algo populares entre adolescentes. Além de simbolizar status social, carregam como atrativo a adição de sabores de fruta ou refrescantes ao líquido vaporizado.

Em mais de uma década de proibição no território nacional, autoridades se mostraram impotentes em coibir a comercialização. Renovar a proibição, apenas, não terá o condão de produzir tal resultado.
Informar, restringir e desestimular o consumo pode ser mais produtivo que tentar erradicá-lo. Com álcool e outras drogas, o proibicionismo já se comprovou ineficaz e de alto custo social.

A solução racional é regulamentar o uso adulto, dado que não cabe ao Estado determinar o que indivíduos autônomos decidem sobre o próprio corpo. Mas há que prover meios para a fiscalização de normas rigorosas quanto a teores e vendas, além de campanhas educativas sobre malefícios à saúde.

Principal erro de Boris Johnson foi ter apoiado Brexit

O Globo

Como líder britânico, ele provocou um barulho imenso, acumulou escândalos em série e exibiu resultados pífios

Boris Johnson, que renunciou ao cargo de primeiro-ministro britânico diante da repercussão de um sem-número de escândalos, surpreende não por ter perdido o apoio do próprio partido, mas por ter ficado três anos no poder. O ex-prefeito de Londres era o melhor exemplo britânico do que no Brasil foi apelidado “efeito Teflon”. Mentiras, festas ilegais durante a pandemia, escândalos no partido, desempenho medíocre na economia, nada grudava nele, protegido por um carisma fora do comum. O motivo imediato da renúncia foi Johnson ter mentido sobre as acusações de abuso sexual contra Chris Pincher, nomeado vice-líder dos Conservadores.

O legado de Johnson é ambíguo. Do lado positivo, o político caricato, famoso pelo talento com as palavras e pelo penteado desgrenhado, salvou o país de um populista desvairado. Ao reforçar a corrente conservadora contrária à permanência na União Europeia (UE) e ao driblar rivais como os ex-premiês David Cameron e Theresa May, Johnson tirou de Nigel Farage a perspectiva de poder. Com isso, salvou os britânicos de ter um líder capaz de ameaçar a própria democracia, como Donald Trump. Não foi pouca coisa.

Nos primeiros tempos da pandemia, Johnson fez pouco caso dos efeitos. Depois de infectado, teve a sabedoria de mudar de ideia. Desde o início da guerra na Ucrânia, tem sido uma das vozes mais duras contra o ditador russo Vladimir Putin, atitude admirável diante da influência dos oligarcas russos no Reino Unido e, sobretudo, diante da posição contemporizadora de outros líderes europeus.

Quando ajudou os conservadores a conquistar, em 2019, uma maioria esmagadora no Parlamento, num patamar que não tinham desde 1987, parecia que ficaria uma década no poder. A pandemia e a inflação certamente não estavam nos seus planos. Mas tanto lá como aqui as causas reais da erosão do apoio popular foram incompetência e falta de visão. O Brexit, a que Johnson aderiu por oportunismo pouco antes do plebiscito, sempre foi um equívoco do ponto de vista econômico.

Assim que o Reino Unido saiu da UE em 2020, ele anunciou uma nova era de prosperidade. Um absurdo. A promessa nunca se materializou. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que o país terá o pior desempenho econômico no ano que vem, com exceção da Rússia. A inflação de 11% é comparável à do Brasil. O estrago do Brexit começou antes mesmo da saída. Sabendo que o país estava a caminho da porta da rua desde o plebiscito de 2016, empresários passaram a reduzir os investimentos enquanto Johnson falava em elevar o crescimento das regiões menos favorecidas. Até hoje o acordo que ele arrancou de última hora para satisfazer às demandas em torno da Irlanda do Norte traz frustrações.

Ao fim, os conservadores decidiram retirar o apoio a Johnson porque ele contaminava o partido com sua fama de incompetente histriônico e galhofeiro. Mais de dois terços dos eleitores queriam a saída do primeiro-ministro, inclusive aqueles que votaram a favor do Brexit. A queda de Johnson poderá tirar os escândalos do noticiário, mas não será capaz de resolver o principal, as consequências deletérias da escolha feita pelo eleitorado em 2016. O principal erro dele foi ter apoiado algo que não tinha como dar certo — o Brexit.

Omissão do MEC na pandemia fica patente em relatório da Câmara

O Globo

Comissão diz que ministério foi inoperante para recuperar estragos causados por escolas fechadas

Enquanto se discutia a instalação de uma CPI para investigar as denúncias de corrupção e tráfico de influência no Ministério da Educação, a comissão da Câmara que acompanha as ações na pasta apresentou, na quarta-feira, um relatório demolidor sobre a omissão, a inoperância e a falta de coordenação do MEC para reverter os estragos causados pela pandemia — de forma criminosa, as escolas ficaram fechadas durante quase dois anos. Para além dos enormes prejuízos que resultam dessa insensatez, impressiona a incapacidade do ministério para enfrentar um problema previsível.

De acordo com o relatório, a plataforma criada pelo MEC em outubro passado para auxiliar na recuperação do aprendizado — iniciativa fundamental diante da longa paralisação e do fracasso do ensino remoto — recebeu adesão pífia: até maio, apenas 7% dos professores da educação básica e 10,5% dos diretores de escolas.

A saúde mental de alunos e professores — outro item que deveria merecer cuidado — também vem sendo negligenciada. Segundo a comissão, inexistem diagnósticos e políticas públicas para enfrentar o problema. Chama atenção a falta de estrutura. Apenas 6,5% das escolas públicas têm psicólogos. Somente 3,7% contam com assistentes sociais. Uma lei sancionada em 2019 tornou obrigatória a contratação de serviços de psicologia e assistência social nas escolas.

A evasão escolar, que também se acentuou com a paralisação na pandemia, é outra questão mal resolvida. O relatório ressalta que o MEC não divulgou as estratégias de busca e fiscalização para resgatar os alunos que abandonaram as salas de aula. Afirma também que a campanha do ministério foi lançada apenas em março deste ano e que o serviço Disque 100 oferecido pela pasta é insuficiente para o objetivo.

É relevante ainda a constatação de que os mecanismos criados para manter na escola as crianças de famílias beneficiadas com o Auxílio Brasil não têm funcionado. Segundo a comissão, o programa Sistema Presença, que faz esse controle, está fora do ar há meses, em consequência de falhas técnicas.

Os cortes e bloqueios no orçamento também contribuem para agravar a situação. A comissão considerou alarmante o apoio à infraestrutura da educação básica. Em 2020, primeiro ano da pandemia, foram destinados ao setor R$ 26,5 milhões, 2,6% do valor de 2019. No ano passado, foram R$ 122,2 milhões, pouco mais de um décimo.

As conclusões do relatório ganham mais relevo diante das denúncias de que verbas públicas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) foram pilhadas por quadrilhas abrigadas dentro do MEC. O ministério deveria seguir as recomendações da comissão da Câmara, como implementar um plano de recuperação do aprendizado, ampliar e melhorar a formação de professores, restabelecer o acompanhamento da frequência escolar e exercer seu papel de coordenação. Inépcia e omissão, somadas à corrupção, são a fórmula perfeita para degradar ainda mais a educação brasileira.

Encargos mantêm elevadas tarifas de energia elétrica

Valor Econômico

Em vez de racionalizar e despolitizar a tarifação da energia elétrica, governo e Congresso complicam ainda mais e tornam ainda mais distante uma solução

O aumento dos combustíveis vem ganhando os holofotes dos analistas e do próprio governo, que não sossegou até trocar pela quarta vez o presidente da Petrobras, para tentar conter a elevação dos preços. Igualmente importante, embora menos comentada, é a alta da energia elétrica. As tarifas da energia elétrica dispararam no ano passado em consequência do esvaziamento dos reservatórios e deram uma brusca freada em maio, com a retirada das bandeiras de escassez hídrica, ajudando o governo em sua batalha para chegar às eleições com números melhores de inflação. Mas novos aumentos já foram aprovados e as despesas com os encargos setoriais não param de se avolumar.

No ano passado, a tarifa de energia elétrica subiu nada menos do que 21,21%, o dobro da inflação do período, que ficou em 10,06% pelo IPCA. O salto foi resultado da crise hídrica, que pegou o país totalmente despreparado. O governo acionou as caras e poluentes usinas térmicas a óleo diesel e carvão, e importou energia, impulsionando os custos, que foram repassados ao consumidor.

A recuperação dos reservatórios no início deste ano, embora em níveis não totalmente satisfatórios, abriu espaço para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) retirar as bandeiras de escassez e dar um alívio significativo na inflação. Como resultado, a conta da energia chegou a cair 14,09% de acordo com o IPCA-15 de maio, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A queda da energia respondeu por cerca da metade da desaceleração do IPCA-15 para 0,59% naquele mês.

Agora em junho, ainda em reflexo, a energia elétrica voltou a cair.. O recuo foi de 0,68% e, ainda assim, o IPCA-15 subiu 0,69%, o que comprova a influência que a energia vem tendo na contenção da inflação. Com os cortes efetuados nas bandeiras, o preço da energia está acumulado em 4,52% em 12 meses, abaixo dos 12,04% do IPCA-15 no mesmo período.

No entanto, a Aneel aprovou recentemente aumento nas tarifas bem acima da inflação. Para o Tocantins foi um aumento de quase 15%; e para São Paulo, acima de 12%. Esses reajustes vão neutralizar em parte o ganho obtido com o corte para 17% ou 18% no ICMS determinado pelo governo sobre a energia, além da gasolina, gás e telecomunicações.

Houve também reajuste das bandeiras de escassez hídrica. Esse encargo extra, cobrado nas contas de luz quando pioram as condições hídricas e os custos da geração de energia elétrica sobem, sofreu reajuste de até 63,7% no caso da bandeira vermelha patamar 1. Os percentuais aprovados pela Aneel são superiores aos propostos na consulta pública, o que não surpreendeu dado que a arrecadação não vem cobrindo os custos de geração, acumulando déficit.

Outro impacto do tarifaço do ano passado sobre a conta de luz dos consumidores é o ressarcimento das distribuidoras de energia. Para jogar essa fatura para depois das eleições, o governo aprovou um empréstimo junto a um pool de bancos de R$ 10,5 bilhões com essa finalidade. Os consumidores pagarão o empréstimo em parcelas ao longo dos próximos anos, incluídas na conta de luz.

A pressão no bolso do consumidor vem de outras fontes também. São os pesados encargos setoriais que oneram a fatura da energia e chegam a representar quase metade da tarifa total, junto com os impostos e tributos. Muitos deles são subsídios cruzados, criados pelo Congresso, destinados a segmentos como o de usuários de fontes renováveis e de combustíveis fósseis, que deveriam ser revistos.

Um exemplo é a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que financia subsídios para consumidores de baixa renda e rurais, produtores que utilizam fontes renováveis, distribuidoras de pequeno porte e cooperativas de eletrificação e produtores de carvão mineral. O déficit da CDE deste ano, repassado ao consumidor, é de R$ 30,219 bilhões, 54,3% maior do que o de 2021, e que pode resultar em impacto médio de 3,39% na conta de luz dos consumidores de todo o país. Para aliviar a despesa, o governo resolveu canalizar R$ 5 bilhões do arrecadado na capitalização da Eletrobras para a CDE, o que vai acontecer até julho.

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