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País decente não tem fome
O Estado de S. Paulo
ONU recoloca Brasil no vergonhoso ‘mapa da fome’, do qual só sairemos quando a sociedade considerar inaceitáveis a obscena desigualdade social e o desenvolvimento econômico medíocre
O Brasil voltou de vez ao mapa da fome e
nada indica que se livrará dessa vergonhosa marca tão cedo. Dados do
relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022,
divulgado por cinco agências da Organização das Nações Unidas (ONU), apontam que
15,4 milhões de pessoas estavam sob insegurança alimentar grave no País entre
2019 e 2021, um contingente que representa hoje 7,3% de toda a população – são
3,9 milhões a mais do que o contingente observado entre 2014 e 2016, época em
que o índice não chegava a 2%. Números que muitas vezes parecem frios ganham
outra dimensão quando traduzidos em exemplos mais claros: 15,4 milhões de
brasileiros não sabem se comerão um prato de comida ao longo do dia de hoje.
A essas pessoas, o presidente Jair Bolsonaro nunca ofereceu nada, nem mesmo uma palavra de solidariedade. Sem qualquer planejamento nem foco nos mais necessitados, o governo distribuiu benefícios de forma indiscriminada a todos que conseguissem passar pelos parcos e confusos controles de acesso do Auxílio Emergencial. Agora, observando que seus índices de aprovação atingiram o pico na vigência do programa, o Executivo dobrou a aposta no Auxílio Brasil, repleto de falhas graves apontadas por todos os especialistas em políticas sociais. Principal adversário de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem falado em retomar o Bolsa Família, que, embora seja melhor que seu malfadado sucessor, tampouco foi capaz de solucionar a miséria nacional.
Essa tragédia não é fruto do acaso, mas de
escolhas feitas por um País que sempre virou as costas para os mais
necessitados. É verdade que Bolsonaro destruiu as bases do Cadastro Único para
Programas Sociais, um consistente banco de dados de mais de 20 anos de
história; que extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (Consea), cujo papel nas políticas de combate à fome ao longo dos
últimos anos foi fundamental; que praticamente zerou as verbas do programa de
aquisição de alimentos Alimenta Brasil, que priorizava regiões com maior índice
de pobreza. Também é inegável que o aumento na quantidade de famintos não é
exclusividade brasileira. A pandemia, a guerra na Ucrânia e os preços de
alimentos e combustíveis agravaram a pobreza em diversos países do mundo. Mas
também é fato que a incompetência nacional para resolver gargalos históricos
não vem de hoje e atravessa administrações de diferentes matizes políticas. Não
se trata de diminuir a incontestável contribuição do governo Bolsonaro em levar
o Brasil à ruína, mas de chamar a sociedade a assumir a responsabilidade pela
solução de questões que têm raízes na nossa história.
Se a fome havia deixado de ser um problema
crônico no passado recente, a desigualdade social era e continua sendo uma
marca obscena do País – inabalável mesmo quando o PIB cresce de maneira mais
vigorosa. A desigualdade sempre foi vista como uma característica inerente ao
Brasil, algo que deveria ser inaceitável sob qualquer ponto de vista. Atacar a
mazela da fome é urgente e passa por uma articulação entre governo e entidades
da sociedade civil, além de parcerias entre o setor público e privado. Mas
ações emergenciais não substituem respostas estruturais, e compensações, ainda
que fundamentais, não levam à emancipação.
Não há como oferecer uma solução definitiva
para a miséria sem que o País retome o caminho do crescimento, algo que passa
pelo resgate dos fundamentos macroeconômicos devastados por Bolsonaro. É
essencial a aprovação de uma reforma tributária para acabar com a
regressividade e para deixar de castigar a produção. Não haverá empregos de
qualidade enquanto não houver uma política industrial que incentive a inovação
e a produtividade e abandone a proteção de setores com amigos em Brasília. Será
impossível oferecer melhores oportunidades aos mais pobres enquanto a Educação
Básica não for uma prioridade real. O Brasil está à deriva e, em suma, precisa
voltar a ter um governo de fato. Do contrário, mesmo que o País consiga sair do
mapa da fome, basta aguardar a próxima crise para que volte para lá.
O círculo vicioso latino-americano
O Estado de S. Paulo
Dossiê da revista britânica ‘The Economist’ expõe a urgência de resgatar a civilidade política para empregar as riquezas da América Latina na reversão de sua degradação socioeconômica
O grupo The
Economist produziu um dossiê sobre a América Latina. O tema
rendeu uma matéria de capa na revista. O título não poderia ser mais
eloquente: Como as democracias declinam – Estagnação econômica, frustração
popular e polarização política estão reforçando umas às outras.
Há não muito tempo o futuro era promissor.
O superciclo das commodities possibilitou novos programas sociais. A redução da
desigualdade reforçava a redemocratização. Mas os governantes não empenharam
seu capital político em modernizações estruturais (políticas, tributárias,
administrativas) e desperdiçaram o capital físico que deveria ser investido nas
engrenagens de um crescimento sustentável, como infraestrutura, educação,
produtividade e diversificação econômica.
Se aquele círculo virtuoso era frágil, o atual
círculo vicioso é forte. Uma década de estagnação acentuou a frustração,
especialmente entre os jovens, com a falta de oportunidades. A ira popular se
voltou não só contra os incumbentes políticos, mas contra a política. A
esperança em salvacionistas autoritários cresce. Mas, além de serem tão ou mais
ineficientes que seus pares moderados, eles dilapidam o Estado Democrático de
Direito. Mesmo países que logravam um razoável desenvolvimento econômico e, em
parte, social, como Chile, Peru ou Colômbia, foram tomados pela febre
populista.
O Financial Times publicou um
editorial com um título igualmente sugestivo: O tumulto político na
América Latina durará até que suas economias sejam reformadas. Com efeito,
a combinação de privilégios oligopolistas e protecionismo perpetua a baixa
produtividade do setor privado e a falta de investimentos e inovação que são
chave para a mistura tóxica de desigualdade e baixo crescimento – tornada
explosiva pela violência política, criminal e social.
Mas, na esfera pública, o centro desmorona,
a direita, em nome da “liberdade”, se aferra a regalias elitistas e a esquerda,
em nome da “igualdade”, a manias utopistas e ultrarregulatórias (exacerbadas
quase a ponto da caricatura, por exemplo, na Constituinte do Chile).
“A política está marcada não apenas pela
polarização, mas também pela fragmentação e a extrema fraqueza dos partidos
políticos, tornando difícil congregar maiorias governantes estáveis”,
diagnostica a Economist. “Essa espiral descendente é acelerada pela
influência maligna das redes sociais e pela importação de políticas
identitárias do Norte.”
O Brasil é um caso exemplar do círculo
vicioso latino-americano. Exasperados com a precariedade dos serviços públicos,
a corrupção e a deterioração socioeconômica, os brasileiros elegeram o
(supostamente) anti-establishment Jair Bolsonaro. Mas a sua mistura de
autoritarismo político e indigência administrativa só piorou essas condições.
Para sustentar seu mandato ele franqueou as cartas do Executivo aos
fisiologistas do Congresso, e para renová-lo inflama sua ideologia reacionária
e disruptiva. Resta pouca esperança quando o favorito às eleições, Lula da
Silva, só tem a oferecer os mesmos hábitos e ideias retrógrados que gestaram as
condições para a ascensão de Bolsonaro.
A armadilha do subdesenvolvimento
latino-americano é tanto mais dramática porque não faltam recursos para
desarmá-la. Afastada de conflitos geopolíticos graves, a região é rica em
culturas multiétnicas e em alimentos, minérios e energia renovável que a
colocam em uma posição-chave para tirar proveito de grandes tendências
políticas e econômicas globais, como a disputa entre China e EUA ou a alta das
commodities, e solucionar grandes desafios do século 21, como a segurança
alimentar ou as mudanças climáticas.
“A tentação será ignorar o mal-estar
econômico e político e simplesmente surfar no novo boom das commodities
detonado pela guerra na Ucrânia. Isso seria um erro”, adverte a Economist.
“Não há atalhos. Os latino-americanos precisam reconstruir suas democracias de
baixo para cima. Se a região não redescobrir a vocação para a política como um
serviço público e reaprender o hábito de forjar consensos, seu destino só
piorará.”
Boris e o limite da desonestidade
O Estado de S. Paulo
O Partido Conservador precisará restaurar os valores institucionais pressionados até o limite pelo premiê
Em três anos como primeiro-ministro do
Reino Unido, Boris Johnson desafiou as leis da gravidade política e atravessou
uma sucessão de escândalos combinando carisma, contemporização, prevaricação e
franca desfaçatez. Há um mês, sobreviveu a um voto de desconfiança no
Parlamento, por causa de festas na sede do governo no auge da pandemia. A
revelação de que havia indicado um colega para uma função disciplinar chave
sabendo de alegações de assédio sexual foi a gota d’água. Em 36 horas
excruciantes, dezenas de membros do governo, a começar pelos ministros das
Finanças e da Saúde, renunciaram. “Temos razões para questionar a verdade e a
integridade sobre aquilo que nos foi dito”, resumiu ao Parlamento o ministro
demissionário da Saúde, Sajid Javid. “Temos de concluir que basta.” Johnson
relutou, mas teve de concluir a mesma coisa, e renunciou.
Para o bem ou para o mal, o Brexit é o seu
maior legado. Sua atuação nas grandes crises globais foi decisiva, fomentando o
desenvolvimento das vacinas na pandemia e apoiando a Ucrânia. Mas o acúmulo de
escândalos, e das mentiras para apaziguá-los, consumiu seu governo.
Johnson caiu por seu caráter amoral. Mas
também subiu por ele. Se, quando eleito, conquistou a mais numerosa maioria
parlamentar em décadas, foi pela capacidade de mobilizar as duas facções do
Partido Conservador. Sua política de “ter o bolo e comê-lo”, como disse nas
negociações pós-Brexit, fez com que prometesse de tudo a todos: a uns mais
gastos e protecionismo, a outros menos impostos e mais livre mercado. O seu
encanto se exauriu, mas essas contradições, e as dificuldades socioeconômicas
precipitadas por elas, permanecem.
O Reino Unido tem a maior inflação e o
crescimento mais baixo do G-7. A dívida pública está em alta e a libra, em
baixa. O custo de vida espreme os britânicos. Escócia e Irlanda do Norte
questionam sua integração na União. As relações com a Europa estão longe de
normalizadas. O apoio ao Partido Conservador caiu e seu desempenho nas
eleições, daqui a dois anos, está comprometido.
O próximo primeiro-ministro precisará da
mesma energia de Johnson, mas com qualidades que lhe faltam: visão, coerência
e, acima de tudo, a disposição de fazer escolhas duras, ainda que impopulares.
Mas, mais do que pragmatismo, o Partido
Conservador precisará se mostrar capaz de restaurar os valores institucionais
pressionados até o limite por Johnson. Mesmo nos estertores, ele chegou a
flertar com um momento “Trump”, alegando, contra a ordem constitucional, um
mandato direto do povo. Nos EUA, o Partido Republicano continua a inflamar
humores populistas. No Reino Unido, o Partido Conservador aparentemente recuou.
Nas palavras de Sajid Javid, “andar em uma corda bamba entre a lealdade e a
integridade se tornou impossível”.
A moral da história nessa parábola de ascensão e queda é que, mesmo na era da “pós-verdade”, a desonestidade tem limite. Sem confiança, não há governo. Ao forçar a saída de Johnson, o Partido Conservador postulou a verdade de que o caráter é essencial para a política. Agora precisará prová-la.
A queda do bufão
Folha de S. Paulo
Depois de ter conseguido o brexit, Boris
Johnson sucumbe aos erros de conduta
Boris Johnson é vítima de sua própria
personalidade. A rebelião partidária que forçou
o premiê britânico a renunciar não se deveu à adoção de uma
política pública fracassada ou a uma crise econômica, mas ao acúmulo de
escândalos envolvendo a pessoa física do líder.
O mais danoso deles foi, sem dúvida, a
revelação de que Johnson promoveu uma série de festas com membros de seu
gabinete durante o lockdown, quando esse tipo de reunião estava proibido —e o
premiê mentiu sobre esses encontros.
Um deles deu-se às vésperas do funeral do
príncipe Philip, o que foi considerado desrespeitoso até para os padrões de
bufão de Johnson.
De alguma forma, porém, ele vinha
conseguindo sobreviver ao "partygate". A gota d’água,
entretanto, foi o "Pinchergate" —a descoberta de que Johnson entregou
cargo de confiança a Chris Pincher, sobre quem pesam acusações de assédio
sexual, e mentiu ao dizer que não tinha conhecimento delas.
A partir daí, deflagrou-se a revolta
conservadora, com importantes secretários de governo renunciando a seus postos
e deixando o líder insustentavelmente isolado.
Curiosamente, os mesmos problemas de
conduta que custaram seu emprego levaram Johnson a tal posição. Ele só se
tornou premiê por causa do brexit, do qual foi apoiador de primeira hora. Não
mediu esforços para promover a causa, o que incluiu fake news sobre os custos
de o Reino Unido estar integrado à União Europeia.
Aliás, antes de entrar para a política,
ainda como jornalista lotado em Bruxelas, Johnson já produzia um noticiário
sensacionalista e enviesado contra o bloco.
Chegou ao poder em 2019, em substituição a
Theresa May, que vinha encontrando dificuldades para negociar os termos de
saída. Pouco depois de assumir, convocou eleições, que os conservadores
venceram por larga margem.
Até hoje o país discute se essa foi uma
vitória do incumbente ou uma derrota dos rivais trabalhistas, então sob a
liderança de Jeremy Corbyn, mas o fato é que o resultado deu ao
primeiro-ministro um claro mandato para negociar o divórcio com a UE —o que ele
fez.
Muitas vezes, Johnson foi comparado a
Donald Trump, Jair Bolsonaro (PL) e outros expoentes da mesma estirpe. A
comparação só faz sentido até certo ponto.
O britânico se fantasiou de inimigo do
establishment para impulsionar a carreira e nunca hesitou em mentir por seus
objetivos. Mas, ao contrário de Trump e Bolsonaro, mantém vínculos com a
realidade.
No início da pandemia, adotou uma posição
negacionista. Ao ver a situação agravar-se e após contrair a doença, porém,
soube rever a abordagem, promovendo lockdowns e acelerando a vacinação.
Sucumbiu ao sentimento, algo aristocrático,
de que as regras que valiam para todos não se aplicavam a sua pessoa. Foi um erro
capital.
Fumaça proibicionista
Folha de S. Paulo
Banir cigarro eletrônico, como faz agência,
não está dando certo; melhor regular
Especialistas apontam várias razões de
saúde para conter a disseminação de cigarros eletrônicos. Cabem, no entanto,
dúvidas sobre a eficácia e objeções quanto ao fundamento da recente decisão da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de manter a
proibição baixada em 2009.
Tais aparelhos produzem fumaça a partir de
cápsulas contendo compostos como a nicotina. Propagandeados a princípio como
instrumento para redução de danos causados pelo tabagismo convencional, nunca
se comprovou que sejam menos prejudiciais ou capazes de contribuir para o
abandono de cigarros de tabaco e papel.
Há indícios convincentes de que os
dispositivos funcionem como porta de entrada para o hábito de fumar. Podem,
assim, originar ou manter a dependência química.
Levantamento da Fiocruz na literatura
médica indicou que jovens usuários de cigarros eletrônicos têm risco maior de
se tornarem tabagistas na idade adulta.
Segundo a Associação Médica Brasileira,
cerca de 80 aerossóis neles produzidos contêm substâncias tóxicas. Pior,
algumas delas são potencialmente cancerígenas.
Apesar disso e da proibição ora reiterada
pela agência federal, os produtos se encontram à venda em toda parte pelo
Brasil. Entram no país por meio de contrabando, crime que as autoridades têm
notória dificuldade em combater.
As danosas engenhocas se tornaram algo
populares entre adolescentes. Além de simbolizar status social, carregam como
atrativo a adição de sabores de fruta ou refrescantes ao líquido vaporizado.
Em mais de uma década de proibição no
território nacional, autoridades se mostraram impotentes em coibir a
comercialização. Renovar a proibição, apenas, não terá o condão de produzir tal
resultado.
Informar, restringir e desestimular o consumo pode ser mais produtivo que
tentar erradicá-lo. Com álcool e outras drogas, o proibicionismo já se comprovou
ineficaz e de alto custo social.
A solução racional é regulamentar o uso
adulto, dado que não cabe ao Estado determinar o que indivíduos autônomos
decidem sobre o próprio corpo. Mas há que prover meios para a fiscalização de
normas rigorosas quanto a teores e vendas, além de campanhas educativas sobre
malefícios à saúde.
Principal erro de Boris Johnson foi ter
apoiado Brexit
O Globo
Como líder britânico, ele provocou um
barulho imenso, acumulou escândalos em série e exibiu resultados pífios
Boris Johnson, que renunciou
ao cargo de primeiro-ministro britânico diante da repercussão de um sem-número
de escândalos, surpreende não por ter perdido o apoio do
próprio partido, mas por ter ficado três anos no poder. O ex-prefeito de
Londres era o melhor exemplo britânico do que no Brasil foi apelidado “efeito
Teflon”. Mentiras, festas ilegais durante a pandemia, escândalos no partido,
desempenho medíocre na economia, nada grudava nele, protegido por um carisma
fora do comum. O motivo imediato da renúncia foi Johnson ter mentido sobre as
acusações de abuso sexual contra Chris Pincher, nomeado vice-líder dos
Conservadores.
O legado de Johnson é ambíguo. Do lado
positivo, o político caricato, famoso pelo talento com as palavras e pelo
penteado desgrenhado, salvou o país de um populista desvairado. Ao reforçar a
corrente conservadora contrária à permanência na União Europeia (UE) e ao
driblar rivais como os ex-premiês David Cameron e Theresa May, Johnson tirou de
Nigel Farage a perspectiva de poder. Com isso, salvou os britânicos de ter um
líder capaz de ameaçar a própria democracia, como Donald Trump. Não foi pouca
coisa.
Nos primeiros tempos da pandemia, Johnson
fez pouco caso dos efeitos. Depois de infectado, teve a sabedoria de mudar de
ideia. Desde o início da guerra na Ucrânia, tem sido uma das vozes mais duras
contra o ditador russo Vladimir Putin, atitude admirável diante da influência
dos oligarcas russos no Reino Unido e, sobretudo, diante da posição
contemporizadora de outros líderes europeus.
Quando ajudou os conservadores a
conquistar, em 2019, uma maioria esmagadora no Parlamento, num patamar que não
tinham desde 1987, parecia que ficaria uma década no poder. A pandemia e a
inflação certamente não estavam nos seus planos. Mas tanto lá como aqui as
causas reais da erosão do apoio popular foram incompetência e falta de visão. O
Brexit, a que Johnson aderiu por oportunismo pouco antes do plebiscito, sempre
foi um equívoco do ponto de vista econômico.
Assim que o Reino Unido saiu da UE em 2020,
ele anunciou uma nova era de prosperidade. Um absurdo. A promessa nunca se
materializou. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) estima que o país terá o pior desempenho econômico no ano que vem, com
exceção da Rússia. A inflação de 11% é comparável à do Brasil. O estrago do
Brexit começou antes mesmo da saída. Sabendo que o país estava a caminho da
porta da rua desde o plebiscito de 2016, empresários passaram a reduzir os
investimentos enquanto Johnson falava em elevar o crescimento das regiões menos
favorecidas. Até hoje o acordo que ele arrancou de última hora para satisfazer
às demandas em torno da Irlanda do Norte traz frustrações.
Ao fim, os conservadores decidiram retirar o apoio a Johnson porque ele contaminava o partido com sua fama de incompetente histriônico e galhofeiro. Mais de dois terços dos eleitores queriam a saída do primeiro-ministro, inclusive aqueles que votaram a favor do Brexit. A queda de Johnson poderá tirar os escândalos do noticiário, mas não será capaz de resolver o principal, as consequências deletérias da escolha feita pelo eleitorado em 2016. O principal erro dele foi ter apoiado algo que não tinha como dar certo — o Brexit.
Omissão do MEC na pandemia fica patente em
relatório da Câmara
O Globo
Comissão diz que ministério foi inoperante
para recuperar estragos causados por escolas fechadas
Enquanto se discutia a instalação de uma
CPI para investigar as denúncias de corrupção e tráfico de influência no
Ministério da Educação, a comissão da Câmara que acompanha as ações na pasta
apresentou, na quarta-feira, um relatório demolidor sobre a omissão, a
inoperância e a falta de coordenação do MEC para reverter os estragos causados
pela pandemia — de forma criminosa, as escolas ficaram fechadas durante quase
dois anos. Para além dos enormes prejuízos que resultam dessa insensatez,
impressiona a incapacidade do ministério para enfrentar um problema previsível.
De acordo com o relatório, a plataforma
criada pelo MEC em outubro passado para auxiliar na recuperação do aprendizado
— iniciativa fundamental diante da longa paralisação e do fracasso do ensino
remoto — recebeu adesão pífia: até maio, apenas 7% dos professores da educação
básica e 10,5% dos diretores de escolas.
A saúde mental de alunos e professores —
outro item que deveria merecer cuidado — também vem sendo negligenciada.
Segundo a comissão, inexistem diagnósticos e políticas públicas para enfrentar
o problema. Chama atenção a falta de estrutura. Apenas 6,5% das escolas
públicas têm psicólogos. Somente 3,7% contam com assistentes sociais. Uma lei
sancionada em 2019 tornou obrigatória a contratação de serviços de psicologia e
assistência social nas escolas.
A evasão escolar, que também se acentuou
com a paralisação na pandemia, é outra questão mal resolvida. O relatório
ressalta que o MEC não divulgou as estratégias de busca e fiscalização para
resgatar os alunos que abandonaram as salas de aula. Afirma também que a
campanha do ministério foi lançada apenas em março deste ano e que o serviço
Disque 100 oferecido pela pasta é insuficiente para o objetivo.
É relevante ainda a constatação de que os
mecanismos criados para manter na escola as crianças de famílias beneficiadas
com o Auxílio Brasil não têm funcionado. Segundo a comissão, o programa Sistema
Presença, que faz esse controle, está fora do ar há meses, em consequência de
falhas técnicas.
Os cortes e bloqueios no orçamento também
contribuem para agravar a situação. A comissão considerou alarmante o apoio à
infraestrutura da educação básica. Em 2020, primeiro ano da pandemia, foram
destinados ao setor R$ 26,5 milhões, 2,6% do valor de 2019. No ano passado,
foram R$ 122,2 milhões, pouco mais de um décimo.
As conclusões do relatório ganham mais
relevo diante das denúncias de que verbas públicas do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) foram pilhadas por quadrilhas abrigadas
dentro do MEC. O ministério deveria seguir as recomendações da comissão da
Câmara, como implementar um plano de recuperação do aprendizado, ampliar e
melhorar a formação de professores, restabelecer o acompanhamento da frequência
escolar e exercer seu papel de coordenação. Inépcia e omissão, somadas à
corrupção, são a fórmula perfeita para degradar ainda mais a educação
brasileira.
Encargos mantêm elevadas tarifas de energia
elétrica
Valor Econômico
Em vez de racionalizar e despolitizar a
tarifação da energia elétrica, governo e Congresso complicam ainda mais e
tornam ainda mais distante uma solução
O aumento dos combustíveis vem ganhando os
holofotes dos analistas e do próprio governo, que não sossegou até trocar pela
quarta vez o presidente da Petrobras, para tentar conter a elevação dos preços.
Igualmente importante, embora menos comentada, é a alta da energia elétrica. As
tarifas da energia elétrica dispararam no ano passado em consequência do
esvaziamento dos reservatórios e deram uma brusca freada em maio, com a
retirada das bandeiras de escassez hídrica, ajudando o governo em sua batalha para
chegar às eleições com números melhores de inflação. Mas novos aumentos já
foram aprovados e as despesas com os encargos setoriais não param de se
avolumar.
No ano passado, a tarifa de energia
elétrica subiu nada menos do que 21,21%, o dobro da inflação do período, que
ficou em 10,06% pelo IPCA. O salto foi resultado da crise hídrica, que pegou o
país totalmente despreparado. O governo acionou as caras e poluentes usinas
térmicas a óleo diesel e carvão, e importou energia, impulsionando os custos,
que foram repassados ao consumidor.
A recuperação dos reservatórios no início
deste ano, embora em níveis não totalmente satisfatórios, abriu espaço para a
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) retirar as bandeiras de escassez e
dar um alívio significativo na inflação. Como resultado, a conta da energia
chegou a cair 14,09% de acordo com o IPCA-15 de maio, calculado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A queda da energia respondeu por
cerca da metade da desaceleração do IPCA-15 para 0,59% naquele mês.
Agora em junho, ainda em reflexo, a energia
elétrica voltou a cair.. O recuo foi de 0,68% e, ainda assim, o IPCA-15 subiu
0,69%, o que comprova a influência que a energia vem tendo na contenção da
inflação. Com os cortes efetuados nas bandeiras, o preço da energia está
acumulado em 4,52% em 12 meses, abaixo dos 12,04% do IPCA-15 no mesmo período.
No entanto, a Aneel aprovou recentemente
aumento nas tarifas bem acima da inflação. Para o Tocantins foi um aumento de
quase 15%; e para São Paulo, acima de 12%. Esses reajustes vão neutralizar em
parte o ganho obtido com o corte para 17% ou 18% no ICMS determinado pelo
governo sobre a energia, além da gasolina, gás e telecomunicações.
Houve também reajuste das bandeiras de
escassez hídrica. Esse encargo extra, cobrado nas contas de luz quando pioram
as condições hídricas e os custos da geração de energia elétrica sobem, sofreu
reajuste de até 63,7% no caso da bandeira vermelha patamar 1. Os percentuais
aprovados pela Aneel são superiores aos propostos na consulta pública, o que
não surpreendeu dado que a arrecadação não vem cobrindo os custos de geração,
acumulando déficit.
Outro impacto do tarifaço do ano passado
sobre a conta de luz dos consumidores é o ressarcimento das distribuidoras de
energia. Para jogar essa fatura para depois das eleições, o governo aprovou um
empréstimo junto a um pool de bancos de R$ 10,5 bilhões com essa finalidade. Os
consumidores pagarão o empréstimo em parcelas ao longo dos próximos anos,
incluídas na conta de luz.
A pressão no bolso do consumidor vem de
outras fontes também. São os pesados encargos setoriais que oneram a fatura da
energia e chegam a representar quase metade da tarifa total, junto com os
impostos e tributos. Muitos deles são subsídios cruzados, criados pelo
Congresso, destinados a segmentos como o de usuários de fontes renováveis e de
combustíveis fósseis, que deveriam ser revistos.
Um exemplo é a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que financia subsídios para consumidores de baixa renda e rurais, produtores que utilizam fontes renováveis, distribuidoras de pequeno porte e cooperativas de eletrificação e produtores de carvão mineral. O déficit da CDE deste ano, repassado ao consumidor, é de R$ 30,219 bilhões, 54,3% maior do que o de 2021, e que pode resultar em impacto médio de 3,39% na conta de luz dos consumidores de todo o país. Para aliviar a despesa, o governo resolveu canalizar R$ 5 bilhões do arrecadado na capitalização da Eletrobras para a CDE, o que vai acontecer até julho.
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