O Estado de S. Paulo
O piloto na 2.ª Guerra Mundial morria só;
nossos kamizazes buscam a própria salvação colocando o Brasil em risco.
A chamada PEC Kamikaze, que pode aumentar
os gastos públicos em até R$ 50 bilhões, mostra que a elite brasileira não se
importa com o que acontecerá com o seu país, desde que se mantenha no poder.
Num só movimento, a proposta atropela o equilíbrio fiscal, a Constituição e a
legislação que rege as eleições.
O desequilíbrio fiscal foi o argumento
usado pelo senador José Serra para apresentar o único voto contra a emenda. Ele
lembrou que o Senado descobriu só agora que há milhões de famintos no Brasil.
De fato, se houvesse sensibilidade, o tema do combate à fome teria sido
desenvolvido há muito tempo, sem grandes transtornos ao equilíbrio fiscal. De
repente, nas vésperas das eleições, há um estalo que coincide, de um lado, com
a péssima situação de Bolsonaro nas pesquisas e, também, com o medo da oposição
de se colocar contra um projeto tão ostensivamente demagógico.
O argumento de que há uma alta no preço do petróleo e de que isso justifica uma decretação de estado de emergência é ridículo. Talvez no Equador, onde houve manifestações nacionais contra o aumento da gasolina, isso tivesse algum sentido. Ainda assim, não seria a resposta adequada.
O atropelo da legislação eleitoral é dos
fatos mais graves desde a redemocratização. Houve compra de votos no passado
republicano, mas precisamente por causa disso se formularam leis para superar
essa questão. A decretação do estado de emergência é feita para driblar a
legislação e abertamente comprar votos com dinheiro público.
Quando existem no País 33 milhões de
pessoas passando fome e mais de 100 milhões em insegurança alimentar, existe,
sim, um diagnóstico de emergência. Mas um tipo de emergência que obriga o
governo a fazer planos de combate à fome, reavaliar seus gastos. Porém, antes
mesmo de pensar nisso, o governo aceita um orçamento secreto na Câmara,
destinado a lhe garantir apoio e assegurar aos deputados os gastos em seus
redutos eleitorais.
O avanço do fisiologismo se prolonga no
futuro, pois, agora, deputados querem que as emendas de relator, base do
orçamento secreto, sejam impositivas.
Essa singularidade do sistema político
brasileiro favorece a eleição dos parlamentares que já estão aí. Considerando
que o interesse pela eleição de congressistas é menor e que apenas alguns novos
conseguem romper a barreira, é possível prever que o Congresso brasileiro não
será qualitativamente melhor nos próximos quatro anos. Independentemente do
desfecho das eleições presidenciais, portanto, as perspectivas são sombrias.
Não se espera de uma elite política que nos
prometa, como no passado, amanhãs luminosos. No entanto, quando ela é
comprometida apenas com se manter no poder, cria-se uma situação similar a
quando os punks definiam sua época como no future.
Isso não significa que tudo esteja perdido.
Ainda há a possibilidade de mobilizar os eleitores para que escolham bem seus
candidatos. Mesmo que surja uma modesta minoria de parlamentares comprometidos
com o País, ela pode muito, se souber se articular com a opinião pública,
sobretudo quando as redes sociais têm tanto peso.
As pesquisas nas eleições anteriores não
são animadoras: em Estados como o Rio de Janeiro, cerca de 70% dos eleitores
esqueciam em quem votaram para a Câmara.
Não creio apenas que a relação
eleitor-candidato defina nosso futuro. Há, também, o curso da realidade, a
crescente complexidade dos problemas. Não será possível, adiante, tratar de
forma tão ligeira problemas como a fome e a insegurança alimentar. Da mesma
maneira, não será possível prosseguir subsidiando a gasolina, como se ela fosse
o eterno combustível. Em outras palavras, a gravidade crescente dos problemas
dará ao encontro da minoria parlamentar com a opinião pública um alento para
propor saídas e, em certos momentos, evitar catástrofes.
Nem todos os que votaram agora na PEC
Kamikaze vão repetir incessantemente esse comportamento. Eles se viram duplamente
chantageados. Não querem parecer indiferentes à crise econômica e muito menos
arriscar-se num momento eleitoral. Mas esse tipo de chantagem que usa os
vulneráveis como escudo – aliás, largamente usado por grupos armados de
traficantes ou terroristas na guerra assimétrica – precisa ser diagnosticado a
tempo e desmontado por meio de campanhas.
A oposição marchou de olhos fechados para o
cadafalso e acabou, contra sua vontade, dando a Bolsonaro uma chance espúria de
chegar ao segundo turno. Não é garantido que haja tempo para que a medida tenha
o efeito eleitoral desejado; não é certo que todos a associem a Bolsonaro. Mas
a inclusão de um dispositivo que proíbe a propaganda pela campanha do
presidente é bastante limitada. As emissoras de rádio já divulgam a medida, o
próprio Bolsonaro a transformou no seu principal discurso e o governo voltou
amplamente a ocupar espaço na TV, depois de tantos insultos à mídia.
Muito possivelmente, este tema já estará
superado por outra barbaridade nos próximos dias. Mas foi uma grande lição
sobre como somos governados, como se usa dinheiro público à vontade e como se
driblam as leis no País.
O piloto kamikaze na 2.ª Guerra morria só;
nossos kamizazes buscam a própria salvação colocando o Brasil em risco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário