Valor Econômico
Uma evidência da decadência da ordem
neoliberal é o crescente apoio à redução da globalização
Concluí a leitura do novo livro de Gary
Gerstle, The Rise and Fall of the Neoliberal Order (Oxford University Press,
2022). O livro é interessante, traçando um histórico das ideologias que
comandaram as políticas públicas, em especial a econômica, nas últimas oito
décadas.
A história começa com o New Deal, as
políticas orquestradas pelo governo democrata de Franklin Delano Roosevelt
(FDR), nos EUA, em resposta à Grande Depressão dos anos 1920-30. As políticas
de estímulo fiscal inspiradas em J. M. Keynes são o elemento mais conhecido do
New Deal, mas não o único. Houve também o surgimento de inúmeras agências
reguladoras, do sistema de seguridade social e um aumento da intervenção do
Estado na economia.
O adjetivo liberal, como as políticas eram
chamadas, refletia sua preocupação com o social, coordenada pelo Estado.
Gerstle explora, em especial, o papel dos sindicatos, bastante fortalecidos por
FDR, o que permitiu aos trabalhadores pressionarem por maiores salários e
melhores condições de trabalho.
O autor atribui a tolerância dos empresários a esse ganho de poder econômico e político dos sindicatos ao papel que essas políticas exerceram em reduzir a atração do comunismo soviético, visto como o grande inimigo que unia os americanos de diferentes inclinações ideológicas. Esse raciocínio foi tão influente, que até presidentes republicanos como Eisenhower e Nixon ajudaram a fortalecer essas políticas nos anos 1950 e 1970.
Nem todo mundo, porém, as aprovava, e
grupos diversos se formavam, na Europa e nos EUA, para combatê-las. Mas suas
críticas não tinham influência alguma. Isso começa a mudar nos anos 1970.
Cresceu nessa época a visão de que a regulação estatal era capturada pelas
grandes empresas. Era preciso acabar com isso, para defender os consumidores,
que começavam a ganhar precedência sobre os trabalhadores na política
econômica. Ocorre então um processo de desregulamentação que fechou agências e
liberou setores para operar sob razoável liberdade, como os de transporte
aeroviário, ferroviário e rodoviário de carga.
Só nos anos 1980, com Ronald Reagan é que o
neoliberalismo em si entrou com tudo em cena. Agora, além de desregulamentar,
cortou-se impostos, para reduzir o tamanho do Estado, enfraqueceram-se os
sindicatos, e se influiu no judiciário, indicando juízes alinhados com essas
ideias e reinterpretando a jurisprudência em que se apoiavam as políticas do
New Deal. Um elemento importante é que nessa época a União Soviética estava
enfraquecida e deixava de ser uma preocupação tão grande para políticos e
empresários mais de direita. Com isso, deixava de haver interesse em sindicatos
fortes. E, de fato, a proporção de trabalhadores sindicalizados despenca nesse
período.
Bill Clinton e George Bush II foram grandes
apoiadores do neoliberalismo, promovendo a desregulamentação, controle dos
gastos públicos (Clinton) e corte de impostos (Bush). Clinton associou a ideia
de mercado livre ao setor de tecnologia de informação, que começava a crescer
com rapidez nesse período. Clinton e Bush também adotaram políticas de promoção
da diversidade, em especial pelo ângulo racial. Se os mercados deviam ser
livres, as pessoas também.
Gerstle aponta duas razões principais para
a queda do neoliberalismo nos anos seguintes. Uma, a decadência de grandes
centros industriais, que perderam competitividade frente aos fabricantes
estrangeiros - japoneses, europeus etc. Isso gerou desemprego, aumento de
alcoolismo e suicídios, queda da expectativa de vida e piora da distribuição de
renda. Isso afetou mais homens brancos, enquanto os homens negros sofriam mais
com o aumento das prisões como forma de combater a criminalidade. Segundo o
autor, os EUA são o país com maior população encarcerada do mundo, em termos
absolutos e relativos.
Outra, para compensar a estagnação da renda,
Clinton e Bush estimularam o consumo e a aquisição de moradias via o crédito -
por exemplo, desregulando e expandindo a atuação de estatais como Fannie Mae e
Freddie Mac. Isso acabou gerando a Grande Crise Financeira de 2008-09, com a
explosão do desemprego e a perda de credibilidade de políticas de liberação de
mercados.
Gerstle aponta como evidência da decadência
da ordem neoliberal a eleição de Trump e a popularidade de políticos como
Bernie Sanders e "socialistas". Outro sinal seria o crescente apoio à
redução da globalização. Um processo que começou com a guerra comercial
EUA-China e deve se fortalecer muito nos próximos anos. O autor explora pouco
esse tema, mas a guerra Rússia-Ucrânia está sendo um grande catalisador desse
processo.
A principal lacuna do livro, na minha
visão, é ser muito focado nos EUA. Talvez fosse inevitável: o livro já tem 422
páginas, se tentasse cobrir mais países, acabaria impossível de ler. Mas, pelo
menos no caso do Brasil, é fácil enxergar a mesma evolução: políticas como as
do New Deal começando com Vargas e indo até os militares; o neoliberalismo
entrando timidamente nos anos 1980 e com bastante força nos anos 1990, chegando
mesmo a influenciar as políticas do PT sob Lula, voltando com Temer e presente
em partes do governo Bolsonaro. Na verdade, impressiona reconhecer o quanto e
quão bem essas ideias viajam.
*Armando Castelar Pinheiro é
professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e
pesquisador-associado do FGV Ibre
Um comentário:
O neoliberalismo também não deu certo...
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