terça-feira, 9 de agosto de 2022

Míriam Leitão - Bastidores da luta econômica

O Globo

Equipe econômica sabe dos riscos do endividamento no Auxílio Brasil, mas pesou a vontade política. Alta do benefício em 2023 é condicionada à reforma do IR

O Auxílio Brasil que começa a ser pago hoje só poderá continuar a ter esse valor se a reforma tributária for aprovada. É isso que se ouve dentro da equipe econômica. Essa reforma, segundo eles, traria os recursos para financiar o benefício e a atualização da tabela do Imposto de Renda. A explicação que é dada por integrantes do governo é que o presidente Bolsonaro disse que manteria o benefício apenas porque o ex-presidente Lula teria dito a mesma coisa, mas que do ponto de vista fiscal é preciso garantir essa fonte.

Um dos pontos mais polêmicos da artilharia pesada que o governo está usando para tentar virar o voto a seu favor é a possibilidade de se endividar com base nesse auxílio. Isso porque o consignado em outras fontes de renda tem limite de juros. Os muito pobres se endividarão sem que haja teto de juros.

Essa questão chegou a ser discutida internamente, com os economistas tendo noção do risco do que isso significava. Uma fonte admitiu que isso pode causar “uma bola de neve”. Mesmo assim, com a proximidade das eleições, a discussão acabou com a vitória dos ministros políticos que diziam que o presidente não poderia vetar essa proposta.

— É o imperativo do voto, são milhões de pessoas, o presidente não poderia vetar. Imagina a manchete amanhã se o presidente impede isso? — me explicou um participante da reunião. O detalhe é que a proposta nasceu do Executivo em uma Medida Provisória.

Todos os economistas que ouvimos dizem que é de enorme temeridade deixar os muito pobres se endividarem numa conjuntura como essa e sem qualquer limite de juros. Mas dentro do governo a resposta que ouvi é que o “presidente pedirá que os bancos usem essa ferramenta com moderação”. Na verdade, os bancos não querem participar. Os empréstimos estão sendo oferecidos por correspondentes bancários e financeiras.

A Anefac informa que outras categorias de empréstimo consignado têm limite de juros. Servidor público, 2,05% ao mês, aposentados e pensionistas, 2,14%. Há limite também para quem recebe o BPC. Mas para os beneficiários do Auxílio Brasil o crédito que está sendo oferecido é de quase 5% ao mês, o que dá 80% ao ano.

— O conceito do consignado sempre foi o de haver uma garantia, o salário do servidor, o benefício do aposentado, a renda vitalícia do BPC. Mesmo assim, tem havido problema de muito endividamento. Com o Auxílio é diferente, não é salário, nem aposentadoria, os juros não têm limite e ele não foi regulado com o limite — explica o economista Andre Storfer, da Anefac.

Esse é o risco, que o céu é o limite para esses juros, e os pobres estarão expostos à exploração. No governo não se dá qualquer garantia de que haverá regulamentação que proteja os muitos pobres desses juros ilimitados.

Começa agora a melhor chance de o presidente Jair Bolsonaro tentar virar os votos por sensação de melhora econômica, pela queda da inflação e pelo dinheiro na mão das pessoas, do aumento do Auxílio e da possibilidade de endividamento. Hoje será divulgada a inflação de julho, que foi negativa. Uma deflação que pode ficar entre 0,60% e 0,80%. Em grande parte, isso é resultado de medidas artificiais como a zeragem dos impostos federais e a imposição do teto do ICMS sobre combustíveis e energia. Os dados devem mostrar que o grupo alimentação continua tendo alta de preços.

O governo federal deixará de arrecadar R$ 30 bilhões em seis meses, ao levar a zero o PIS, Cofins e a Cide da gasolina e do diesel. Mas dentro da equipe econômica a tese é de que isso não é subsídio e que eles brigaram muito para evitar o pior. A ideia defendida por vários ministros liderados pelo chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, era que o Tesouro pagasse à Petrobras pela diferença entre o que o consumidor pagaria e o preço real do produto. Isso poderia superar R$ 120 bilhões de subsídios. Realmente seria ainda pior, mas, na prática, do ponto de vista orçamentário, sair do Tesouro ou não entrar no Tesouro dá no mesmo. Os integrantes do governo alegam que “redução de impostos elimina distorções”. Não é verdade quando o produto beneficiado é combustível fóssil que tem o que os economistas chamam de “externalidade negativa”.

A economia internacional pode ajudar o governo Bolsonaro. O temor de recessão está derrubando preços do petróleo e de outras commodities, inclusive agrícolas.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Pobre adora se endividar com juros consignados,conheço bem esse problema.