Valor Econômico
Crescente politização e mercantilização da
agenda verde em países desenvolvidos desorganiza mercados, interfere na
alocação de recursos, fomenta ineficiências e eleva preços e dívida pública
Temos presenciado crescente incômodo com a agenda do clima em países desenvolvidos. As frustrações têm motivações variadas, mas vale destacar as relacionadas com o aumento percebido no custo de vida, o ônus percebido com o financiamento da transição para fontes de energia renovável, as taxas sobre carbono e emissões, os impostos para financiar gastos públicos, e a percepção de que o tema do meio ambiente comprime taxas de retorno de investimentos.
Esta frustração é inquietante, pois
compromete aquele que talvez seja o mais urgente desafio que temos diante de
nós. Para que a agenda do clima possa resistir às críticas e ampliar a base de
apoio, será necessário que ela priorize as pessoas. E, para isto, será preciso
encontrar meios que brindem o mundo com soluções verdes, seguras, baratas e
eficientes.
Pense no tamanho do desafio da Europa, que se
comprometeu em reduzir as emissões em nada menos que 55% até 2030.
Recentemente, a Comissão Europeia anunciou proposta de meta de 90% até 2040.
Devido aos elevados custos das opções de descarbonização, não será nada fácil
às regiões desenvolvidas alcançarem metas ambiciosas de corte de emissões e em
prazos relativamente curtos sem frear o crescimento econômico.
A região da América Latina e Caribe (ALC)
pode ajudar a atacar desafios como esse. Afinal, a região já tem a mais verde
das matrizes elétricas, pode aumentar a oferta de energia renovável a custos
marginais decrescentes e o custo da energia renovável pode ser bastante
competitivo para padrões internacionais. Países com esses atributos estão bem
posicionados para participarem da estratégia empresarial do powershoring e
acolher plantas intensivas em energia que necessitam descarbonizar e reduzir
custos em passo acelerado.
A produção manufatureira sob condições do
powershoring pode ser determinante para resguardar interesses corporativos,
mas, também, das pessoas. De fato, o powershoring pode contribuir para reduzir
custos com energia, eliminar custos com direitos de emissão, acelerar a
colocação de produtos verdes no mercado, diminuir gastos com compliance
ambiental e reduzir impostos. Com isto, pode-se fornecer mais rapidamente ao
mercado internacional insumos e bens de consumo verdes e a preços mais
acessíveis.
Setores de altas emissões, como o aço, ferro,
alumínio, cerâmica, vidro, fertilizantes, cimento, hidrogênio e química, estão
especialmente expostos às normas ambientais que impactam custos e preços
finais. Considere o caso do aço, que responde por entre 7% e 9% de todos os
gases de efeito estufa do planeta, e cujo custo para conversão de plantas
maduras pode ser proibitivo. Na União Europeia, o aço responde, sozinho, por
22% de todas as emissões industriais. O aço de baixas emissões produzido em
zonas de powershoring poderia ter amplas repercussões águas abaixo em processos
produtivos que usam o metal, ajudando a baratear e a esverdear carros,
construção civil e outros bens de interesse popular - para referência, o aço e
o alumínio podem representar 70% do peso de um carro de porte médio.
A estratégia do powershoring também pode
apoiar o atingimento das NDC de países que importam e substituem o aço e outros
insumos verdes, bem como a redução do custo da transição energética desses
países. Ao aliviar a carga fiscal e a inflação que pesam sobre os ombros das
pessoas, o powershoring se apresenta como aliado da descarbonização e poderia
ajudar a angariar a necessária simpatia para com a agenda do clima.
Mas, para que a ALC possa contribuir, é
necessário que o comércio seja peça do tabuleiro da descarbonização. Porém, o
que vemos é uma crescente politização e mercantilização da agenda verde em
países desenvolvidos, com crescente protecionismo tarifário e não tarifário,
maior discriminação contra produtos verdes importados, subsídios sem
precedentes para a produção local de bens verdes, mesmo que não sejam nada
competitivos, e bloqueio a novos acordos de comércio. Tudo isto desorganiza
mercados, interfere na alocação de recursos, fomenta ineficiências e eleva
preços e a dívida pública.
Para além de frustrar seus próprios cidadãos,
a atual política dos países desenvolvidos também pode gerar frustração em
cidadãos de países em desenvolvimento. Afinal, aquelas intervenções em mercados
reduzem a atratividade de investimentos verdes em países do sul, promovem
desvios de investimento e elevam o custo do capital naqueles países. Tudo isto
neutraliza vantagens comparativas e oportunidades de monetizar negócios verdes
que poderiam ser cruciais para financiar a adaptação e a mitigação.
Mas países da ALC também têm elevado
potencial e competitividade para a produção de biocombustíveis e hidrogênio
verde, têm muitas das maiores reservas de minerais estratégicos, a mais rica
biodiversidade e gigantesco potencial de mercado de carbono e de bioeconomia. E
a região também tem muita água doce e enorme capacidade para aumentar a
produção agrícola para apoiar a luta global contra a insegurança alimentar.
Mas, tal qual ocorre com o bloqueio ao comércio, também observamos
manifestações que neutralizam o potencial nestas outras áreas. Pense nas
resistências às soluções baseadas na natureza e à cobrança por serviços
ambientais.
A ALC é considerada a região cujos políticos
e a população mais guardam simpatia pela agenda do clima. Todavia, este
panorama poderá se alterar em razão da escassez de meios e recursos para
combater os efeitos da mudança climática. A fragmentação dos mercados
internacionais e a visão imediatista poderão ser especialmente danosas para
países em desenvolvimento com mercados internos pequenos e que enfrentam ainda
mais restrições e desafios.
Para avançar, será preciso estimular o
comércio de produtos de baixo carbono com mecanismos comerciais preferenciais,
rastreabilidade e comprovação de origem. O G20 e a COP30 no Brasil são
oportunidades valiosas para tratar desses temas e da sua relação com a
descarbonização nos países desenvolvidos, o desenvolvimento econômico e social
e o financiamento da agenda do clima em países em desenvolvimento.
*Jorge Arbache é vice-presidente de setor privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF)
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