Folha de S. Paulo
Democracias que se prezem adotam política
oposta com relação às drogas
Se a intenção da CCJ (Comissão de
Constituição e Justiça) do Senado era
atestar, na letra da Constituição, o quão atrasado em matéria de política
de drogas é
o país, conseguiu. Nesta quarta (13), a comissão aprovou
uma PEC que cristaliza o oposto do que todas as democracias que se
prezem estão fazendo mundo afora: incute na
Carta o crime de possuir ou carregar qualquer tipo de droga, mesmo que seja
para consumo próprio.
Ao usar o cartucho de uma PEC para piorar a já ruim lei de drogas —principal responsável pelo inchaço de 257% das prisões brasileiras nas duas últimas décadas—, o Senado usa uma arma nuclear para explodir um ladrão de galinha. Para justificar a emenda que piora o soneto, o relator da proposta, Efraim Filho (União Brasil-PB), inventou um oximoro: "Tráfico em pequenas quantidades". A realidade, senador, é outra: a maioria dos presos por tráfico nem sequer tem relação com facções, conforme estudo do Ipea de 2023.
Na ausência de um critério objetivo que ajude
a diferenciar traficante de usuário —principal gargalo da lei de drogas ora sob
análise do STF—,
ser negro e pobre parecem ser fatores determinantes para enquadrar o réu como
traficante, mesmo quando não o é. O que o Senado faz é agravar essa situação ao
criar uma punição genérica que torne ainda mais nebulosa a diferença entre
traficante e usuário; e sabemos que, mesmo com categorias turvas, o Judiciário
não falha em ver negros como o primeiro e não o segundo.
A CCJ do Senado Federal, ainda, exagera
os efeitos da decisão do STF. Mesmo que decida uma quantidade objetiva de
maconha para consumo pessoal, o parecer da corte deve ter pouco ou nenhum
efeito sobre um sistema judicial que privilegia a palavra do policial e sobre
um sistema policial que se alimenta da impunidade referendada pelo Judiciário
para praticar abordagens e operações violentas. A deliberação do Supremo em
nada muda isso, e é justamente com essas mazelas, e não com populismo penal
retrógrado, que o Senado deveria se preocupar.
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