Correio Braziliense
Agora, às vésperas de
tomar posse, Trump choca o mundo com uma visão geopolítica expansionista que
vai muito além da “guerra comercial” com a China
Por definição, o
imperialismo ocorre quando uma nação promove uma expansão territorial,
econômica e/ou cultural sobre outra nação pela força. A colonização da África,
da Ásia e da Oceania, que se iniciou na segunda metade do século XIX,
representou o auge do imperialismo. Em termos atuais, pode ser empregada no
caso da invasão da Ucrânia pela Rússia, por exemplo. Segundo o historiador Eric
Hobsbawm, essa forma de neocolonialismo representou a ocupação de 25% das
terras do planeta.
O revolucionário russo
Vladimir Lênin, que liderou a Revolução de 1917 e fundou a antiga União
Soviética, porém, associava o imperialismo ao estágio monopolista do
capitalismo. “Essa definição compreenderia o principal, pois, por um lado, o
capital financeiro é o capital bancário de alguns grandes bancos monopolistas
fundido com o capital das associações monopolistas de industriais e, por outro,
a partilha do mundo é a transição de uma política colonial que se estendeu sem
obstáculos às regiões não apropriadas por nenhuma potência capitalista para uma
política colonial de posse monopolista dos territórios da Terra, já
inteiramente repartida.”
Com o fim da antiga União Soviética, que havia se transformado de uma força anticolonialista, sobretudo na Ásia e na África, numa potência imperialista na Europa Oriental, essa visão perdeu relevância. Com o fim do colonialismo, a integração das diversas regiões do globo por meio do desenvolvimento dos transportes e das comunicações ultrapassou os modelos nacional-desenvolvimentistas que nela se baseavam, sobretudo a partir de a China adotar o capitalismo de estado e emergir como nova potência econômica mundial.
A globalização “liquefez” a
sociedade industrial e elevou a modernização a um novo patamar, com impacto
direto no modo de vida de todas as pessoas. Forçou os governos a adotarem
políticas de integração à economia mundial para não apenas arcar com as suas
consequências mais danosas. No Brasil, a globalização intensificou-se a partir
da segunda metade do século XX, com a maior inserção do país no mercado
econômico global, sobretudo a partir do governo Collor de Mello, em 1990. A
tentativa de retomar um projeto nacional-desenvolvimentista, durante o governo
da presidente Dilma Rousseff, resultou no colapso econômico que a levou ao
impeachment, em 2016.
Entretanto, a integração das
cadeias produtivas globais e o multilateralismo, que pareciam pautar a
globalização, sobretudo a partir da formação da União Europeia, passaram a ser
fortemente questionados pelos Estados Unidos, a partir da emergência da China
como segunda economia mundial. Quem controlará o comércio global, cujo eixo se
deslocou do Atlântico para o Pacífico? Esse tipo de disputa entre o Reino Unido
e a Alemanha, uma potência marítima e outra continental, foi uma das causas de
duas guerras mundiais no século passado.
Era Trump
O velho “imperialismo
yankee” parece estar de volta. No seu primeiro mandato, o presidente Donald
Trump deu um cavalo de pau na política externa norte-americana em relação á
China e ao multilateralismo, estratégia que foi mantida pelo democrata Joe
Biden, que deu sequência à reorganização das suas cadeias de produção.
Agora, às vésperas de tomar
posse, Trump choca o mundo com uma visão geopolítica expansionista que vai
muito além da “guerra comercial” com a China. Seu America First promove
políticas que prioriza a soberania dos EUA e a redução de sua dependência em termos
de comércio e manufatura. A OTAN, a ONU e a OMS são estorvos econômicos e
políticos. Tratados comerciais como antigos aliados, como a NAFTA, também.
A rivalidade com a China
tende a desaguar numa nova corrida armamentista. Trump tudo fará para conter o
crescimento da influência tecnológica e econômica chinesa, sobretudo na
infraestrutura e nas comunicações. Em contrapartida, tende a se aproximar de líderes
autocráticos como Vladimir Putin (Rússia), Kim Jong-un (Coreia do Norte) e
Mohammed bin Salman (Arábia Saudita).
Antes mesmo de tomar posse,
estressou as relações com a OTAN, com declarações sobre a anexação do Canadá e
a compra da Groelândia, ao mesmo tempo em que pressiona os demais países a
aumentarem seus gastos com defesa. Trump pretende apoiar a anexação dos territórios
Palestinos por Benjamin Netanyahu e forçar uma aproximação de seus aliados
árabes com Israel. Ao mesmo tempo, tende a largar de mão o Afeganistão e a
Síria.
Sua política em relação à
América Latina pode provocar nova crise humanitária, sobretudo no México, com o
fechamento da fronteira e a expulsão em massa de imigrantes. As sanções
econômicas e políticas contra os regimes da Venezuela, Nicaragua e Cuba serão
ampliadas e a ameaça de retomada à força do Canal do Panamá se insere no
contexto da disputa com a China pelo controle do comércio do Atlântico com o
Pacífico.
A política energética de
Trump é uma ameaça ambiental ao planeta, com a exploração doméstica de petróleo
e gás por meio da fraturação hidráulica. Os EUA vão se retirar novamente do
Acordo de Paris sobre o clima. Tudo isso está associado a um novo complexo
tecnológico nas áreas de infraestrutura, comunicações, militar e espacial, num
novo ciclo histórico, não apenas conjuntural.
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