O Globo
Lula assumiu o controle da História
nos seus domínios provisórios querendo reescrevê-la do seu ponto de vista
"No Brasil, até o
passado é incerto”, definiu o economista Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda do
Plano Real e um pensador do país dos mais consistentes. Mais incerto ainda
porque, como já disse o grande escritor George Orwell, “a história é escrita
pelos vencedores”. Com o advento da internet, as fake news substituíram com
vigor insuperável os boatos, que já tiveram seu papel na nossa história, como a
acusação de que o brigadeiro Eduardo Gomes teria desprezado os votos dos
“marmiteiros” na eleição presidencial de 1945 contra Eurico Gaspar Dutra, que
acabou vencendo por larga margem.
O uso das redes sociais nas campanhas políticas, agravado agora pela Inteligência Artificial (IA) está em discussão há algum tempo no mundo, e agora mais do que nunca com a decisão de Mark Zuckberg de retirar de suas plataformas digitais (Facebook, Instagram, WhatsApp) as checagens sobre a veracidade do que é publicado. A vontade de distorcer os fatos dos vencedores do momento em benefício próprio não é novidade. Em 1924, após a morte de Lênin, principal líder da Revolução Bolchevique de 1917, Leon Trotsky e Josef Stalin passaram a dividir a influência sobre o partido comunista que, na prática, governava a União Soviética.
Depois de intensa disputa
interna, em 1925 Stalin assumiu o poder e tratou de eliminar a memória do
rival. Fotos em que Trotsky aparecia foram simplesmente destruídas, ou sua
imagem foi apagada pelos parcos recursos da época. Hoje, na era da pós verdade iniciada
por Trump, as versões oficiais não passam de narrativas, isto é, criações de
marqueteiros que levam a História para o lado que lhes convém. No Brasil, a
situação é mais grave, pois os vencedores de hoje são os perdedores de amanhã
numa velocidade alarmante.
Lula, por exemplo, foi
julgado e condenado por corrupção, no processo conhecido como do “petrolão”,
sobre o esquema de corrupção da Petrobras classificado pelo ministro do
Superior Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes de “cleptocracia”. O juiz Sérgio
Moro, hoje senador, foi por anos a fio um herói nacional, e teve a respalda-lo
as decisões do TRF da região e o próprio STF. O mesmo tribunal que, a partir
2019, mudou seu entendimento depois que foram reveladas conversas entre Moro e
os procuradores de Curitiba que desvendaram um indevido conluio entre as
partes.
Nesse intervalo, Bolsonaro
venceu uma eleição presidencial e governou desastrosamente o país por quatro
longos anos, culminados na descoberta de uma tentativa de golpe de estado para
impedir, justamente, a volta ao poder de Lula, em 2022. Nesse período, a
história brasileira passou por revisões próprias “dos vencedores”. Bolsonaro
governou afirmando que nunca houve golpe militar no Brasil, elogiou os
torturadores como patriotas, tentou mudar, através de legislações ou de
decisões pessoais os avanços sociais que o Brasil conquistara, como casamento
homoafetivos, direito a aborto legal, liberdade de expressão.
Os petistas, por sua vez,
tentam até hoje passar à História a balela de que Lula foi absolvido pela
Justiça, quando seus processos foram simplesmente arquivados ou prescreveram.
Semana passada, o hoje presidente assumiu o controle da historia nos seus domínios
provisórios, no Palácio do Planalto, querendo reescrevê-la do seu ponto de
vista. Na galeria de fotos dos presidentes, orientou para que as legendas
“contassem a historia”. E o que Lula pensa que é verdade? “A Dilma [Rousseff]
foi eleita, foi reeleita e depois sofreu um impeachment por um golpe. Depois
esse aqui [Michel Temer] não foi eleito, tomou posse em função do impeachment
da Dilma, e depois esse aqui [Jair Bolsonaro] foi eleito em função das
mentiras. É isso que tem que colocar". Quanto a Getúlio Vargas, nunca foi
ditador, na visão histórica de Lula.
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