domingo, 12 de janeiro de 2025

Uma despedida - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Esta é a última das quase 1.400 colunas de um período de 7 anos por aqui

Em certos momentos da história, analisar a política e o comportamento da sociedade é como escrever um manual de instruções de um aparelho que vemos pela primeira vez. É preciso desaprender a detectar mecanismos que seguem padrões já conhecidos e descobrir como giram as novas engrenagens.

Os últimos anos representaram um desafio dessa natureza. Quando publiquei minhas primeiras colunas na Folha, de 2017 para 2018Lula estava à beira de uma condenação que o levaria à prisão. Jair Bolsonaro era um agitador com popularidade ímpar nas redes e dois dígitos nas pesquisas. O barulho feito por Donald Trump mal transmitia a resiliência de um movimento político que se espalharia pelo planeta.

O mundo já atravessava um ciclo de corrosão de consensos, remodelação de preferências eleitorais, mudanças de atitude das elites e substituição de seus líderes. Instituições enfrentavam sintomas de uma epidemia de desconfiança, causada em grande parte por vícios próprios, mas também pela sabotagem de grupos doidos para desbancá-las.

Não há muitas dúvidas de que os próximos tempos serão marcados pelo aprofundamento desse processo. Mais do que a ascensão e a queda de personagens políticos, estarão em jogo a reformulação de modelos de representação democrática, de conceitos de bem-estar e dos ecossistemas de informação nos quais os cidadãos formam suas visões de mundo.

jornalismo profissional ocupa uma posição privilegiada para relatar essas transformações, analisar por que os políticos agem como agem, identificar as consequências dessas ações e alertar para violações de princípios básicos cometidas no caminho, incluindo a deterioração de pilares democráticos. Aqui, tive liberdade irrestrita para me dedicar a essas tarefas e manifestar minhas próprias incertezas.

Esta é a última das quase 1.400 colunas deste período de sete anos por aqui. Pude me inspirar em ídolos do passado e grandes profissionais que continuam na vizinhança. Agora, passo a me dedicar a outras funções na Folha. Deixo um agradecimento sincero aos leitores, que espero reencontrar nas páginas do jornal sempre que for possível. Até a próxima.

 

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