quarta-feira, 17 de julho de 2019

Merval Pereira: Cerco às investigações

- O Globo

Ao suspender processos e inquéritos com base em dados da Receita ou do Coaf, Toffoli ignorou decisão do plenário

O cerco às investigações da Lava-Jato continua com a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de suspender todas as investigações baseadas em dados fiscais repassados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) e pela Receita Federal ao Ministério Público, sem autorização judicial. Apesar de decisão do plenário do STF a favor, tomada em 2016.

Também o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), através do corregedor Orlando Rochadel Moreira, decidiu investigar o coordenador da Lava-Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, com base nas últimas revelações do site Intercept Brasil, a pedido do PT.

Desconhecendo a ilegalidade da invasão dos celulares, o corregedor tratou como prova válida os diálogos e, baseando-se na versão publicada, pede explicações aos procuradores. Segundo ele, as conversas “revelariam que os citados teriam se articulado para obter lucro mediante a realização de palestras pagas e obtidas com o uso de seus cargos públicos”. Esquecendo-se de que as palestras estão autorizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo próprio CNMP.

A notícia boa para os procuradores foi que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, saiu de sua paralisia e, depois de uma reunião de mais de três horas com Dallagnol e um grupo de outros sete procuradores de Curitiba, declarou seu apoio à atuação deles na Operação Lava-Jato.

Zuenir Ventura: Fala sério, presidente

- O Globo

Há muito uma intenção do presidente Bolsonaro não despertava o humor de tanta gente como o anúncio de que pretende indicar um filho, o 03, como embaixador em Washington. Primeiro, houve perplexidade e protestos de diplomatas, políticos e até juristas. O ministro Marco Aurélio, por exemplo, acha que seria “um tiro no pé”. No Senado, a oposição promete fazer tudo para impedir a aprovação do nome, alegando tratar-se de nepotismo.

Já a onda de piadas e memes surgiu logo depois que Eduardo apresentou publicamente suas credenciais, destacando o fato de já ter fritado hambúrguer no frio do Maine. A habilidade culinária exibida como atributo diplomático caiu logo nas redes sociais.

Se é assim, se isso é importante, começou então a gozação, e surgiram candidatos ao cargo para diversas capitais. Um escolheu Paris alegando já ter feito sanduíche de baguete.

O escritor Marcelo Rubens Paiva reivindicou a embaixada de Londres porque já tinha feito café na cafeteira de um hotel daquela cidade. O rapper Marcelo D2 revelou que pretendia o posto de Lisboa por já ter fritado ovo em Portugal. O estilista Ronaldo Fraga, por já ter desfilado no Japão, se achava no direito de querer Tóquio.

Elio Gaspari: O dinheirinho fácil das palestras

- O Globo / Folha de S. Paulo

Deve-se ao procurador Deltan Dallagnol a exposição do próspero mercado de palestras de autoridades. Em 2018, o doutor recebeu cerca de R$ 300 mil como servidor e planejava a criação de uma empresa de palestras e eventos que poderia render R$ 400 mil. Dallagnol cobrava R$ 35 mil por aparição. Como servidor público, recebia mais ou menos isso por um mês de trabalho. Como celebridade, ganhava a mesma coisa num só dia.

Ficou feio para Deltan, mas ele nada fez de novo, apenas decidiu surfar num mercado onde misturam-se fama, favores e fetiches. O ex-presidente Barack Obama cobra US$ 400 mil por uma palestra de 90 minutos.

A porca torce o rabo quando o palestrante (horrível palavra) é um servidor do Estado ou é um cidadão cuja relevância deriva da sua exposição pública no trato de assuntos políticos ou econômicos. Jornalistas, por exemplo. Essa circunstância ganha peso quando o valor da palestra equivale ao salário mensal do convidado. Há empresas, sobretudo do mundo do papelório, que oferecem uma bandeirada de R$ 30 mil.

Ninguém pode ser penalizado pela fama que tem, mas quando um magistrado, procurador ou parlamentar é convidado para dar uma palestra por R$ 30 mil, deve desconfiar da benemerência de seu patrocinador. As mensagens de Dallagnol mostram que uma instituição convidava palestrantes (argh!) oferecendo-lhes R$ 3 mil, o que pode ser um valor razoável, mas ele sugeria ao ex-procurador-geral Rodrigo Janot que cobrasse R$ 15 mil, pois estimava que seu cachê estivesse em R$ 30 mil.

Essas quantias são um dinheirinho fácil. Palestras e eventos, sobretudo aqueles que acontecem em aprazíveis balneários, transformaram-se em mecanismos de confraternização do andar de cima. São boas ocasiões para fazer amigos e influenciar pessoas.

Dallagnol concebeu uma empresa que pertenceria à sua mulher e à do seu colega Roberson Pozzobon. Óbvio, pois eles não poderiam ser os donos, mas receberiam pelas palestras ou cursos que ministrassem. Nas suas palavras: “Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós.” Novamente, ele não inventou essa roda.

Bernardo Mello Franco: O pedestal de Moro

- O Globo

Moro se diz vítima de uma “campanha contra a Lava-Jato e a favor da corrupção”. Mas a operação não se limita à figura dele, e apontar excessos não significa defender a impunidade

Sergio Moro saiu de férias, mas não saiu de cena. Diante de um novo lote de vazamentos, o ministro imitou o chefe e foi ao Twitter. Mais uma vez, ignorou a mensagem e atacou o mensageiro. “Sou grande defensor da liberdade de imprensa, mas essa campanha contra a Lava-Jato e a favor da corrupção está beirando o ridículo”, escreveu.

O ex-juiz cometeu duas impropriedades na mesma frase. Na primeira, indicou que a sua fé na liberdade de imprensa não é tão desinteressada assim. Quando a notícia não o favorece, o jornalismo deixa de merecer sua defesa.

Na segunda, Moro tentou desqualificar as reportagens como uma “campanha contra a Lava-Jato e a favor da corrupção”. É um argumento duplamente falso. A operação não se limita à figura do juiz, e apontar excessos em investigações não significa defender a impunidade dos investigados.

Míriam Leitão: O Brasil de volta ao tempo da fidalguia

- O Globo

Eduardo Bolsonaro não tem as mínimas qualificações para o cargo. Indicação joga o Brasil de volta ao tempo da fidalguia

Quando a Presidência erra, outra instituição corrige. É assim que funciona na democracia. Está com o Senado o poder de evitar a insensatez do presidente Bolsonaro de indicar o filho, sem qualquer experiência na diplomacia, para o posto mais revelante da nossa política externa. É evidentemente um ato de nepotismo e se alguma firula jurídica diz o contrário é preciso repensá-la, porque é de uma clareza meridiana que ele só está sendo escolhido por ser filho. Fidalgo.

O primeiro embaixador brasileiro na República era um monarquista. Joaquim Nabuco foi um representante esplêndido da República brasileira. O que aprendemos com a História é que a escolha deve recair sobre o mais qualificado, independentemente de sua tendência política. E nunca por ser parente do presidente. Essa intenção de Bolsonaro fere o princípio da impessoalidade. O deputado Eduardo Bolsonaro só foi pensado para o cargo por ser filho, nenhum outro motivo. E o presidente paternalmente esperou o aniversário dele para que assim atingisse a idade mínima.

A carreira diplomática tem exigências e peculiaridades próprias. É complexa, delicada e cheia de sutilezas. Dizer que porque fala inglês e espanhol pode ser embaixador equivale a escolher alguém para comandar um dos Exércitos porque sabe atirar e marchar. O diplomata, como o militar, segue uma sequência de etapas na carreira. Começa como terceiro secretário, ao sair do Instituto Rio Branco, até chegar a embaixador. E no início assume representações menores, até chegar à senioridade e às missões de maior responsabilidade. Não se faz essa exigência, como bem sabem os militares, por qualquer apego à escala hierárquica, mas porque no caminho cumpre-se o tempo necessário do aprendizado.

Fernanda Mena: O que os autos não veem

- Folha de S. Paulo

Conversas criam uma zona cinzenta na liturgia dos processos, onde cabe de tudo

Fala e escrita são instâncias diferentes da linguagem que têm se aproximado por conta das tecnologias de trocas de mensagens, do tipo WhatsApp e Telegram.

A fala, claro, tende a ser mais espontânea e fragmentada. Já a escrita supõe planejamento e elaboração e pode ser revisada ou apagada. Nesse sentido, as mensagens de texto trocadas via aplicativo de celular entre o procurador Deltan Dallagnol e o então juiz federal Sergio Moro são um pouco fala e um pouco escrita.

Trazem espontaneidade reveladora e conteúdo pouco republicano, ausentes nos autos de processos de que eles tratavam institucionalmente, em que argumentos são lapidados à luz da legitimidade. Ainda assim, por serem escritas, as mensagens permitiam reflexão mais detida.

Bruno Boghossian: À beira do ridículo

- Folha de S. Paulo

Contaminados pelo prestígio, poderosos simplesmente não admitem ser contrariados

Sergio Moro deve ter se animado com os aplausos que recebeu no voo que tomou para a Flórida, na semana passada. O ministro interrompeu as férias com a família e foi às redes sociais para criticar, mais uma vez, a divulgação de conversas da força-tarefa da Lava Jato.

"Sou grande defensor da liberdade de imprensa, mas essa campanha contra a Lava Jato e a favor da corrupção está beirando o ridículo", escreveu o ex-juiz, nesta terça-feira (16). "Se houver algo sério e autêntico, publiquem por gentileza."

O ministro mostrou que não aceita questionamentos sobre sua atuação como julgador. Segundo sua lógica tortuosa, a única justificativa para a publicação dos diálogos é uma conspiração para proteger criminosos e matar os processos de Curitiba.

Moro ignora o interesse público ao atacar os veículos que publicaram reportagens sobre o assunto. O ministro parece ter adotado o comportamento típico de autoridades que preferem agir como seres intocáveis. Contaminados pelo prestígio, muitos poderosos simplesmente não admitem ser contrariados.

Alessandro Vieira*: A renovação não virá dos velhos caciques

- Folha de S. Paulo

Coragem de Tabata e Rigoni serve de exemplo

A renovação política de que o Brasil precisa é de práticas, e não de pessoas. É difícil abandonar velhos hábitos. Não elegemos presidentes. Elegemos mitos, que concentram a imunidade dos santos ou todos os pecados dos demônios, dependendo de quando e a quem se pergunta. Construir uma política madura, menos simplista e de centro —fiel à vontade daqueles que representamos— pressupõe rupturas.

Precisamos do exemplo de coragem de Felipe Rigoni e Tabata Amaral, colegas congressistas do Movimento Acredito, para indicar o caminho.

A votação da reforma da Previdência evidenciou o embate entre o novo e o velho que presenciamos diariamente no Congresso. De um lado, a política pelo exemplo, pelas novas práticas e pela convicção. Do outro, caciques tradicionais, fiéis a velhos hábitos, dos quais Ciro Gomes é a melhor caricatura. Ele representa o personalismo de quem já rodou por quase uma dezena de partidos e a polarização simplista do “nós contra eles”, travestido de ideologia.

É na hora de grandes decisões, daquelas que têm consequência para o futuro do país e custo eleitoral, que as diferenças entre o novo e o velho se tornam inconciliáveis.

Ruy Castro: O show da vida

- Folha de S. Paulo

O consolo é que cada semana é uma a menos no mandato do prefeito Marcelo Crivella

A orla carioca está sendo visitada por famílias de baleias jubarte, que, exibicionistas como só elas, não podem ver um barco cheio de humanos sem dar um show de piruetas e esguichos para chamar a atenção. Há dias, um filhote mais estouvado fez isto, a cinco metros de uma canoa com sete pessoas na Barra da Tijuca. A cena, registrada por um celular, foi sucesso nas redes. Um grupo de cerca de 500 golfinhos também apareceu, na altura de Copacabana, e, de repente, outra jubarte juntou-se a eles, num balé de horas. Os oceanógrafos da UERJ filmaram tudo com um drone.

Há duas semanas, uma amiga minha fotografou as tartarugas que, vindas de não sei onde, chegaram ao Arpoador e também se dedicaram a dar espetáculo. O mesmo Arpoador que, já há algum tempo, voltou a receber os tatuís, típicos do pedaço, depois de décadas em que eles pareciam nos ter abandonado. E, nos últimos dois verões, dois peixes se desprenderam do bico das gaivotas e caíram em meu terraço, no Leblon —peixes que caem do céu, já pensou? O carioca é grato a essa vida que insiste em acreditar em nós, quando nós mesmos nem sempre fazemos por onde.

Monica de Bolle: A primazia da política

- O Estado de S.Paulo

O que vemos hoje é bem mais amplo do que o Brexit ou a eleição de Trump em 2016

Por que os eleitores aparentemente votam contra seus interesses econômicos? Por que as pessoas apoiam medidas econômicas que podem lhes trazer prejuízos? Por que o eleitor racional em matéria econômica parece ser um mito que não encontra qualquer apoio nos dados? Essas perguntas são essenciais para entender não apenas o ressurgimento do nacionalismo econômico no mundo, mas também para entender a economia política que determina decisões surpreendentes. Nos países desenvolvidos, em especial nos EUA, essas perguntas estiveram presentes no rescaldo da eleição de Donald Trump e retornaram agora, com as eleições de 2020.

Em 2016, os eleitores norte-americanos que elegeram Trump votaram contra a imigração, apesar das amplas evidências de que o envelhecimento populacional e as características demográficas dos EUA clamam por imigrantes para sustentar o crescimento econômico. Esses mesmos eleitores também foram capturados pela retórica protecionista, ainda que as medidas que dela resultassem pudessem trazer prejuízos concentrados em localidades e parcelas expressivas do eleitorado. 

Nos dois casos, o que se viu foi a imputação de culpa – nos imigrantes, no comércio internacional – e na racionalização de temas como a causa de todos os males, sobretudo daquelas pessoas que sentiram-se ao longo do tempo marginalizadas pelas transformações ocorridas no sistema produtivo norte-americano. A emoção suscitada, seja indignação ou repúdio, foi mais forte do que qualquer fato ou evidência. 

Luiz Carlos Azedo: Freio na Lava-Jato

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

Como diria o falecido Barão de Itararé, o humorista gaúcho Apparício Torelly, há mais coisas entre o céu e a terra do que os aviões de carreira, no caso, a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que acolheu pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, e suspendeu temporariamente todas as investigações em curso no país, que tenham como base dados sigilosos compartilhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pela Receita Federal, sem autorização prévia da Justiça.

Toffoli matou mais do que dois coelhos com uma só cajadada: pôs sob sua guarda a investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), do qual passará a ser o juiz natural no STF, mesmo depois de deixar a presidência da Corte; indiretamente, sustou o julgamento do pedido de prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador quando deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e amigo do clã Bolsonaro, que estava em vias de ter a prisão decretada pela Justiça fluminense; e ainda deu um freio de arrumação geral em todas as investigações da Operação Lava-Jato, que está na berlinda depois da divulgação das conversas entre o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os promotores da força-tarefa de Curitiba, entre os quais Deltan Dallagnol.

O julgamento sobre o compartilhamento de informações entre os órgãos de fiscalização e controle está marcado para 21 de novembro. Toffoli ressalvou que a decisão não atinge as ações penais e investigações “nos quais os dados compartilhados pelos órgãos administrativos de fiscalização e controle, que foram além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais, ocorreram com a devida supervisão do Poder Judiciário e com a sua prévia autorização”. Entendeu, porém, que era possível aplicar a “repercussão geral” ao processo de Flávio Bolsonaro, ou seja, a regra vale para todos os processos em andamento no país.

O “freio de arrumação” na Operação Lava-Jato, expressão usada pelos motoristas de ônibus para a freada brusca com objetivo de forçar os passageiros a se acomodarem mais à frente no veículo, foi quase explícito: “Não convém, por conseguinte, manter a atuação cíclica da máquina judiciária no tocante a tais demandas que veiculam matéria semelhante, até que a Corte se pronuncie em definitivo sobre a questão, que, registro, já tem data definida para o seu julgamento pelo plenário no calendário, a dizer, 21/11/19.”

Cristiano Romero: Gasto é mais eficaz para reduzir iniquidades

- Valor Econômico

Além da reforma, políticas sociais serão sempre necessárias

O Brasil, como se sabe, está entre as nações que mais concentram renda no planeta. Números do IBGE, referentes a 2017, mostram que o rendimento per capita médio mensal, que considera renda do trabalho e da aposentadoria, além de itens como pensão, aluguel e transferência direta de renda de programas sociais como o Bolsa Família, foi de R$ 6.629 para os 10% mais ricos da população. Na parcela dos 40% mais pobres, restringiu-se a R$ 376 por mês. A diferença entre as duas faixas revela, portanto, que os mais ricos recebem 17,6 vezes mais que os mais pobres e isso nos define como sociedade. A distância, vexaminosa, tem aumentado. Apesar dos avanços civilizadores dos últimos 30 anos, nosso "pacto social" é claramente insuficiente.

As razões para a concentração de renda têm variadas explicações, desde o modelo de colonização, baseado na concessão de "capitanias hereditárias" pela coroa portuguesa, até o domínio do orçamento público por grupos de interesses específicos (das multinacionais que fabricam automóveis à burocracia estatal autóctone), passando pela ignomínia da escravidão, com a qual convivemos durante quase quatro séculos e, sob disfarces, mantemos como característica imutável do nosso caráter. Um país que há décadas vê 50 milhões de seus habitantes (público-alvo do Bolsa Família), o equivalente a quase 25% de sua população, vivendo em condições de miséria e sem condição alguma de emancipação é uma nação derrotada.

Fabio Graner: Investimento plurianual, um sonho possível?

- Valor Econômico

Ideia esbarra em restrição fiscal e dogma econômico

Em meio aos piores índices de investimento federal da história recente, o relatório do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2020 trouxe uma inovação. O texto a ser votado em agosto prevê a possibilidade de o próximo Orçamento apontar recursos para investimentos não só para o seu exercício, mas também para os anos seguintes.

A ideia do dispositivo ao estabelecer a plurianualidade do investimento público também consta de outras propostas legislativas, como a PEC 98/2019 (derivada da PEC do orçamento impositivo) e o PLP 295/2016, a chamada "lei de finanças públicas".

O relator do PLDO, deputado Cacá Leão (PP-BA), afirmou ao Valor que a inspiração para a inclusão no texto foi a PEC 98. Ele explicou que há um grupo de investimentos cuja execução transcende um ano e, por isso, é importante que haja sinalização de que haverá dinheiro de emendas para conclusão de obras nos períodos seguintes. Isso ajudaria evitar paralisações e projetos sem conclusão.

Leão ressaltou que a medida também corrige um problema relativo ao calendário de medidas fiscais. É que o envio e aprovação do Plano Plurianual (PPA), mecanismo que deveria dar um horizonte de mais longo prazo para a gestão pública, só ocorrem depois da LDO do primeiro ano de governo. Por isso, argumentou, fez-se necessário incluir esse dispositivo. "O PPA deveria vir antes da LDO, mas não é assim que ocorre. Eu estou tentando suprir a lacuna do PPA".

Nesse contexto, o deputado também incluiu no PLDO um anexo estabelecendo prioridades e metas também de caráter plurianual e vinculando parte das emendas parlamentares à execução dessas ações nos anos subsequentes ao orçamento de 2020. O PLDO está previsto para ser votado no retorno do recesso informal do Congresso.

Ricardo Noblat: Prensa na Lava Jato pelo que ela fez de certo

- Blog do Noblat / Veja

Pelo que fez de errado, por ora nada...

Havia duas maneiras de dar uma prensa na Lava Jato. Uma, pelo que ela possa ter feito de errado. Outra, pelo que possa ter feito de certo no combate à corrupção.

Na hora em que são revelados erros à luz das conversas vazadas entre o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores de Curitiba, a prensa na Lava Jato se fez por seus acertos.

Estão suspensos processos e investigações em que órgãos administrativos compartilharam informações fiscais com o Ministério Público sem anuência prévia da Justiça.

Segundo o coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Rio, Eduardo El Hage, a exigência de autorização judicial “ignora a forma de atuar dos criminosos e é um retrocesso”.

De fato, é um retrocesso. Em 2016, por 9 votos contra 2, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o compartilhamento de informações fiscais dispensa autorização judicial.

Contudo, o ministro Dias Toffoli, presidente do tribunal, preferiu ignorar a decisão para atender a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, investigado por corrupção.

Mais do que Flávio, o pai dele contraiu uma dívida com o ministro. O caso Flávio-Queiroz pesa sobre Jair Bolsonaro como uma cruz de ferro. É uma ameaça ao seu mandato.

Em novembro próximo, o plenário do tribunal confirmará ou revogará a decisão de Toffoli. Até lá, Flávio ficará em paz. Os demais nas mesmas condições dele, não obrigatoriamente.

Dará mais trabalho, levará mais tempo, mas o Ministério Público sempre pode pedir a um juiz criminal que autorize investigações. E os juízes quase sempre acatam o pedido.

Sob o anonimato, juristas com trânsito nos tribunais superiores observam que o Ministério Público abusava de suas prerrogativas. A decisão de Toffoli seria um freio de arrumação.

A ser assim, espera-se que haja algum outro tipo de freio – desta vez para punir ou reverter possíveis erros cometidos pela Lava Jato de Curitiba na condução de processos.

Só não ver quem se finge de cego o comportamento parcial do ex-juiz Moro à frente do processo do tríplex do Guarujá que resultou na condenação do ex-presidente Lula.

As relações de Moro com os procuradores foram promíscuas. Ele favoreceu a acusação em detrimento da defesa. O respeito à lei não é opção. Pois bem: ele optou por desrespeitá-la.

Quanto mais novas conversas vêm a público, mais aumenta a indignação dos que ainda são capazes de se indignar – uma parcela decrescente dos brasileiros. Tempos estranhos!

Mas não importa. Nem sempre a manada escolhe o melhor caminho. Com frequência, deixa-se enganar pelos que a lideram. A história está cheia de exemplos disso.

Andrei Roman*: A injusta difamação contra Piketty

- Valor Econômico

A reforma da previdência precisa ser feita, mas nem todos seus efeitos serão benéficos. É a partir da sabedoria de capitalizar sobre as oportunidades de crescimento trazidas pela reforma e de combater suas externalidades negativas que se construirá um país melhor

Em recente artigo publicado no Estado de S. Paulo, "A lacroeconomia de Piketty", 13/7/2019, os economistas Pedro Fernando Nery, Paulo Tafner, e Armínio Fraga fazem uma crítica ácida de um ponto de vista sobre a reforma da previdência ("A quem interessa aumentar a desigualdade?", 11/7/2019 publicado no Valor pelo economista francês Thomas Piketty, junto com Marc Morgan, Amory Gethin e Pedro Paulo Zahluth Bastos.

No artigo inicial, Piketty e seus co-autores argumentam que a reforma da previdência, na versão proposta pelo governo e na versão aprovada pela Câmara tornará o Brasil um país ainda mais desigual. Os autores observam que 91% da economia da reforma está concentrada na assistência social e no regime geral, onde 90% dos trabalhadores recebem até 2 salários mínimos. O artigo não traz nenhuma novidade do ponto de vista da análise dos dados, mas explica de forma bastante didática que a reforma vai "atrasar e até inviabilizar a aposentadoria de milhões de brasileiros pobres, com custos imediatos para a igualdade social. É justo afirmar que, da forma que foi escrito e que repercutiu, o artigo seja talvez o ataque mais contundente contra a Reforma da Previdência publicado até agora por um grupo de acadêmicos, tendo quebrado a aparência de quase-unanimidade em favor da reforma entre economistas especializados no assunto. Talvez isso explique em parte a virulência das críticas ao seu ponto de vista.

Nery, Tafner e Fraga prometem derrubar o argumento de Piketty e seus co-autores de duas formas: apontando supostos "erros" e "equívocos factuais" no texto e atacando a credibilidade do economista francês.

No entanto, apesar de afirmar que o texto do Piketty estaria repleto de erros factuais, Nery, Tafner e Fraga apontam somente um: a descrição equivocada das regras atuais de aposentadoria. Trata-se de seguinte frase do artigo: "Nas regras atuais, a primeira alternativa para aposentadoria é somar um tempo mínimo de contribuição (30 anos para mulheres e 35 para homens) com sua idade para alcançar um período de 86 anos para mulheres e 96 para homens, que aumentará a cada dois anos até chegar à soma 90/100 em 2027." Acertadamente, Nery, Tafner e Fraga apontam que a fórmula 85/95 trata do cálculo do benefício, não da elegibilidade para conseguir a aposentadoria. Sendo que o que os três tratam como um erro capital deveria ser mais razoavelmente caracterizado como uma imprecisão no texto. Isso por que no mesmo parágrafo em que trata da regra 85/95 Piketty e co-autores destacam como desvantagem das regras atuais o "fator previdenciário," usado para reduzir o valor do benefício. Mais do que isso, no parágrafo seguinte, os autores diferenciam entre aposentadoria parcial e aposentadoria integral. Fica bastante claro, pelo contexto da frase apontada como erro por Nery, Tafner e Fraga, que os autores estavam se referindo aos requisitos da aposentadoria integral quando escreveram "a primeira alternativa para aposentadoria."

Respeito ao sigilo bancário: Editorial / O Estado de S. Paulo

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou a suspensão da tramitação de todos os processos judiciais em andamento no território nacional que versem sobre o compartilhamento, sem autorização judicial e para fins penais, de dados fiscais e bancários de contribuintes. Trata-se de uma medida elementar de respeito ao Direito. Protegidos sob sigilo, os dados bancários e fiscais não podem ser compartilhados com o Ministério Público sem autorização judicial.

Também foram suspensos, pela decisão do presidente do STF, os inquéritos e os procedimentos de investigação criminal conduzidos pelos Ministérios Públicos Federal e Estaduais que foram instaurados sem a supervisão do Poder Judiciário e nos quais houve compartilhamento, sem autorização judicial, de dados da Receita, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e do Banco Central.

A decisão foi proferida num Recurso Extraordinário, com repercussão geral reconhecida, que avalia a constitucionalidade do compartilhamento de dados da Receita, do Coaf e do Banco Central com o Ministério Público. No caso, o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região declarou nula uma ação penal sob o fundamento de que a prova apresentada pelo Ministério Público baseava-se exclusivamente em informações sigilosas da Receita Federal, compartilhadas com o Ministério Público sem a devida autorização da Justiça.

Não deixa de ser estranho que a Corte Constitucional tenha de ser acionada para dizer o óbvio. Num Estado Democrático de Direito, a quebra de sigilo bancário e fiscal para fins de investigação criminal ou instrução processual penal depende de prévia autorização judicial. No entanto, deve-se reconhecer que, nos tempos atuais, até o mais cristalino direito necessita ser lembrado e protegido. Com pequenas e não tão pequenas concessões ao longo do tempo, o que era límpido se torna, aos olhos de alguns, nebuloso.

O dilema dos infiéis: Editorial / Folha de S. Paulo

PSB e PDT terão prejuízos com qualquer decisão a respeito dos seus dissidentes

Os partidos que estudam a expulsão de parlamentares favoráveis à reforma da Previdência Social terão de escolher, na prática, entre perder relevância numérica e perder consistência programática.

O caso da deputada Tabata Amaral (PDT-SP), colunista da Folha, tornou-se o mais notório, mas está longe de ser o único. Dos 27 membros da bancada pedetista na Câmara, 8 votaram a favor da mudança no sistema de aposentadorias.

No PSB, outra legenda que determinou o voto contrário à proposta, 11 de seus 32 deputados já são alvo de processo interno pelo descumprimento da orientação.

Se optarem pela punição mais extrema aos infiéis, portanto, as duas siglas reduzirão em cerca de um terço suas já mirradas representações na Casa —juntas, elas têm hoje apenas 11,5% dos 513 deputados.

A inadequada estrutura partidária: Editorial / O Globo

Dissidências na votação da reforma denunciam superação de partidos pela realidade

Se há uma polarização no país entre direita e esquerda, existem nuances em função da variedade de opções que se encontram no tabuleiro político. Trata-se de um conflito circunstancial, porque a tendência da sociedade é o centro. E toda vez que a conjuntura leva a extremos, como agora, dissidências surgem de lado a lado.

Desta vez à esquerda, ainda plasmada pela visão nacional-populista e estatizante do lulopetismo. Mas também há liberais que discordam do bolsonarismo, e são muitos, pelo que se constatou nas eleições de outubro. Por serem antipetistas, deram a vitória ao ex-capitão. A aprovação de Bolsonaro mergulhou nas primeiras semanas de governo pelo distanciamento deste grupo.

Há regras de fidelidade partidária, mas nem sempre elas estão adequadas ao momento. E mesmo que a legislação ainda seja muito permissiva à pulverização partidária, o grande número de legendas com representatividade no Congresso, mais de duas dezenas (devido a uma cláusula de barreira ainda pouco efetiva), não é capaz de abranger a diversidade de posições de parlamentares sobre temas-chave. Como a reforma da Previdência, diante da qual, nos partidos de esquerda PDT e PSB, mesmo com o fechamento de questão contra o projeto, foi impossível manter unidas as respectivas bancadas.

No PSB, 11 dos 32 deputados (34%) e, no PDT, oito dos 27 (30%), parcelas substanciais, não seguiram a determinação das cúpulas partidárias. Podese dizer que assim quis a maioria do partido. Então, não há espaço nas legendas para votos de consciência.

Oportunidade para o fim da complexidade tributária: Editorial / Valor Econômico

O Brasil é um país de leis e tributos. Apenas na área fiscal são 390.726 orientações publicadas desde a Constituição de 1988. São 63 tributos entre impostos, taxas e contribuições, que podem chegar a 95 - se contabilizados os diversos tipos de um mesmo imposto.

As empresas brasileiras se submetem a 241 obrigações acessórias, que se traduzem em infindáveis preenchimentos de guias e declarações destinadas aos Fiscos municipais, estaduais e federal. A um custo que chega a 1,5% do faturamento, conforme dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).

Somos o país da complexidade, que adota o cálculo por dentro. O que significa que não basta saber a alíquota a se pagar. É preciso promover uma operação matemática em que o imposto é calculado sobre ele mesmo. País da guerra fiscal entre Estados e entre municípios, de alíquotas elevadas e multas variadas e excessivas - com casos de até 150% do valor do débito.

Com números superlativos, não é de se espantar que a quantidade de ações judiciais sobre tributos corresponda a 31, 2 milhões no Brasil, quase metade dos 80 milhões de processos do país, conforme levantamento do "Justiça em Números" do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E que no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) existam 121 mil processos sobre tributos federais, que discutem R$ 567 bilhões - dados de fevereiro deste ano.

A litigiosidade entre contribuintes e Fazendas (municipais, estaduais e federal) envolve pelo menos R$ 4 trilhões, entre processos administrativos e judiciais. Acrescido a isso, o sistema administrativo e judicial é lento. Uma disputa pode durar ao menos seis anos na esfera administrativa e mais de dez anos se percorrer todas as instâncias da Justiça

Carlos Drummond de Andrade Verbo ser

Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.

Marisa Monte - Dança da Solidão