- Valor Econômico
Ideia esbarra em restrição fiscal e dogma econômico
Em meio aos piores índices de investimento federal da história recente, o relatório do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2020 trouxe uma inovação. O texto a ser votado em agosto prevê a possibilidade de o próximo Orçamento apontar recursos para investimentos não só para o seu exercício, mas também para os anos seguintes.
A ideia do dispositivo ao estabelecer a plurianualidade do investimento público também consta de outras propostas legislativas, como a PEC 98/2019 (derivada da PEC do orçamento impositivo) e o PLP 295/2016, a chamada "lei de finanças públicas".
O relator do PLDO, deputado Cacá Leão (PP-BA), afirmou ao Valor que a inspiração para a inclusão no texto foi a PEC 98. Ele explicou que há um grupo de investimentos cuja execução transcende um ano e, por isso, é importante que haja sinalização de que haverá dinheiro de emendas para conclusão de obras nos períodos seguintes. Isso ajudaria evitar paralisações e projetos sem conclusão.
Leão ressaltou que a medida também corrige um problema relativo ao calendário de medidas fiscais. É que o envio e aprovação do Plano Plurianual (PPA), mecanismo que deveria dar um horizonte de mais longo prazo para a gestão pública, só ocorrem depois da LDO do primeiro ano de governo. Por isso, argumentou, fez-se necessário incluir esse dispositivo. "O PPA deveria vir antes da LDO, mas não é assim que ocorre. Eu estou tentando suprir a lacuna do PPA".
Nesse contexto, o deputado também incluiu no PLDO um anexo estabelecendo prioridades e metas também de caráter plurianual e vinculando parte das emendas parlamentares à execução dessas ações nos anos subsequentes ao orçamento de 2020. O PLDO está previsto para ser votado no retorno do recesso informal do Congresso.
O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, disse ao Valor que considera positiva a ideia de se programar os investimentos públicos no médio e longo prazos. Ressaltou que o PPA nos moldes atuais não tem atingido seu objetivo de dar esse horizonte mais dilatado para a gestão do gasto público.
Mas também ponderou que, antes de se pensar em bases plurianuais, é preciso cumprir uma etapa anterior: projetar adequadamente o espaço fiscal para saber quanto será possível investir. Nesse sentido, ele reconhece que tem se estreitado o limite para esse tipo de gasto, que hoje tem sido comprimido pela meta fiscal e, a partir de 2022, o será pelo teto constitucional de gastos.
Assim, Salto defende que se planeje a abertura de espaço no orçamento, com mecanismos como a revisão de gastos. Esse instrumento, que aliás está em estudo pelo governo para ser incluído no PPA a ser enviado em agosto, serviria para eliminar despesas ineficientes, dando lugar aos investimentos. Para ele, também é necessário construir uma regra fiscal que dê alguma margem para o governo agir de forma contracíclica, sem abrir mão da responsabilidade fiscal.
A iniciativa do relatório do PLDO, de dar uma visão de longo prazo para os investimentos públicos, faz todo sentido. Mas a dura realidade é que essa medida corre o risco de ser inócua. Em um ambiente no qual as despesas com obras que aumentam o capital físico do países estão sendo comprimidas ano a ano pela crise fiscal e o mal-ajambrado arcabouço de regras de gestão das contas públicas, prever a continuidade de projetos é quase um sonho.
Em 2019, a expectativa é que os investimentos federais sejam os mais baixos da série do Tesouro. E ainda não há motivos para se acreditar que os próximos anos serão melhores. Ao contrário, a trajetória das despesas obrigatórias, como Previdência e pessoal, deve continuar em alta (mesmo se a atual reforma previdenciária for aprovada), comprimindo o espaço de outras despesas discricionárias (aquelas que o governo pode dispor livremente e onde estão os investimentos).
Na última quinta-feira, o colunista do Valor Ribamar Oliveira informou que o governo estuda fazer um novo desenho institucional para as regras fiscais. A intenção é compatibilizar a chamada "regra de ouro das contas públicas" com o teto de gastos, criando gatilhos efetivos para serem acionados e controlarem a trajetória das despesas.
No dia seguinte, o secretário de Política Econômica do ministério da Economia, Adolfo Sachsida, confirmou a notícia. Porém, foi enfático em dizer que a nova arquitetura fiscal em estudo não contemplaria mecanismo para preservar ou excepcionalizar investimentos, que devem ser tratados como item de despesa.
É verdade que essa rubrica também é gasto e compõe o resultado fiscal. Mas tratá-la como qualquer outra despesa não se coaduna com o que mostra a experiência internacional. É problema dar tratamento privilegiado aos investimentos se isso for mero pretexto para não se controlar desperdícios e outros gastos ineficientes ou insustentáveis (como é a Previdência hoje).
Recentemente, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa propôs o estabelecimento de um programa plurianual de investimentos públicos, que fique fora do teto de gastos. Ele defende que sejam aplicados R$ 35 bilhões por ano (cerca de 0,5% do PIB), além do já programado no orçamento anual, em ações de infraestrutura urbana, transportes e ciência e tecnologia. "Assumindo que o investimento recorrente fique no 0,3% do PIB atual, isso mantém em 0,8% por ano, por quatro anos. Nada excessivo", diz, lembrando que hoje o investimento sequer repõe a depreciação de capital.
Para um país que caminha para o terceiro ano de crescimento pífio após aguda recessão, é incrível que a discussão desse tipo de ideia esteja praticamente interditada. O Brasil precisa sair urgente da polarização também de política econômica, ainda que isso pareça um sonho juvenil.
Reforma da Previdência e dos gastos com pessoal são tão necessárias quanto reverter o esvaziamento dos investimentos públicos. Assim como políticas de demanda responsavelmente calibradas para uma economia com elevada ociosidade são tão necessárias quanto as de oferta para um país cronicamente improdutivo. Será que os dois lados da equação são tão incompatíveis assim?
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