- Folha de S. Paulo
Conversas criam uma zona cinzenta na liturgia dos processos, onde cabe de tudo
Fala e escrita são instâncias diferentes da linguagem que têm se aproximado por conta das tecnologias de trocas de mensagens, do tipo WhatsApp e Telegram.
A fala, claro, tende a ser mais espontânea e fragmentada. Já a escrita supõe planejamento e elaboração e pode ser revisada ou apagada. Nesse sentido, as mensagens de texto trocadas via aplicativo de celular entre o procurador Deltan Dallagnol e o então juiz federal Sergio Moro são um pouco fala e um pouco escrita.
Trazem espontaneidade reveladora e conteúdo pouco republicano, ausentes nos autos de processos de que eles tratavam institucionalmente, em que argumentos são lapidados à luz da legitimidade. Ainda assim, por serem escritas, as mensagens permitiam reflexão mais detida.
As conversas, obtidas sem autorização judicial e cuja divulgação foi chamada de Vaza Jato, demonstraram que, fora dos autos, Dallagnol e Moro extrapolaram suas funções a partir de convicções e desejos pessoais, embaralhando papéis.
Moro orientou a acusação e sugeriu uma testemunha. Dallagnol pediu verba da vara para uma campanha publicitária contra corrupção e usufruiu de férias pagas com a família para dar palestras sobre o tema. Ambos também se juntavam à Polícia Federal para discutir a operação.
Se juiz e procurador se sentiam suficientemente à vontade para tratar de ilegalidades por escrito, do que não tratariam em reuniões ou audiências no gabinete do atual ministro da Justiça, sem mediações?
Audiências de juízes com as partes de um processo são previstas e garantem a advogados e membros do Ministério Público o acesso ao magistrado. Pedidos de audiência, feitos por escrito, ficam registrados nos autos; já as conversas não, criando uma zona cinzenta na liturgia dos processos, onde cabe de tudo.
O apelido dessas conversas que os autos não veem é sugestivo: "embargos auriculares". Saber que elas influem nos processos é entender melhor os descaminhos de partes da Justiça brasileira.
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