- O Globo
Quando a vitória esmagadora da oposição foi oficializada na Venezuela, e o governo Maduro reagiu surpreendentemente bem, admitindo a derrota, não faltaram bolivarianos de todos os quilates se regozijando nas redes sociais, numa tentativa de obter algum resultado positivo da derrota acachapante que prenuncia o fim do regime chavista.
“Não era uma ditadura?”, perguntavam, triunfantes, a exibir insuspeitadas inclinações democráticas do governo Maduro. A verdadeira face do autoritarismo chavista, no entanto, não demorou a se revelar com as manobras golpistas para tentar neutralizar a maioria qualificada oposicionista (112 dos 167 representantes na Assembleia Nacional).
A tentativa do que está sendo chamado de “golpe de Estado judicial” se revela na ação direta para impugnar a eleição de deputados da oposição, retirando-lhe a maioria qualificada que permite várias alterações constitucionais, e a convocação de um tal de “Congresso da Pátria” para fazer frente à Assembleia Nacional.
Ontem, no primeiro dia de funcionamento do novo Congresso oposicionista, pelo menos quatro deputados não puderam tomar posse por decisão do Tribunal Supremo de Justiça, três eleitos pela Mesa de Unidade Democrática (MUD) e um pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).
O Congresso de maioria oposicionista começou também a discutir anistia aos presos políticos, entre eles o líder do partido Voluntad Popular, Leopoldo López, condenado a 14 anos de prisão por incitar protestos contra o governo, que divulgou uma carta pedindo uma mudança rápida e profunda no país. “Se Maduro e os outros membros da elite corrupta e antidemocrática que sequestram o Estado torpedearem a mudança, terão de ser removidos”, disse López.
A situação anômala na Venezuela está tão absurda que organismos internacionais como Mercosul, a OEA e as União Europeia foram acionados para defender a democracia. E o governo brasileiro, que se mantinha silencioso até então, tendo no máximo emitido um comunicado brando pedindo que o respeito às urnas fosse obedecido “antes, durante e depois das eleições”, ontem soltou uma nota oficial com palavras duras de advertência ao aliado:
“O governo brasileiro confia que será plenamente respeitada a vontade soberana do povo venezuelano, expressada de forma livre e democrática nas urnas”, diz a nota, observando que os resultados oficiais “foram divulgados e validados pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela e prontamente reconhecidos, na ocasião, por todas as forças políticas do país”.
A situação da Venezuela no Mercosul, por sinal, ficará bastante afetada, pois o novo governo argentino de Macri está disposto a cobrar que os arroubos antidemocráticos do governo chavista sejam contidos, o que deveria ter sido feito desde o início, barrando a entrada da Venezuela no grupo por afrontas à cláusula democrática.
Ao invés disso, o governo brasileiro trabalhou para incluir a Venezuela e punir o Paraguai, acusado de ter dado um golpe no antigo presidente Lugo, retirado do poder por um processo de impeachment previsto na Constituição.
No entanto, a evidência de que a Venezuela sempre foi qualquer coisa, menos um governo democrático, ficou clara ontem na disposição de afrontar a nova maioria, quando deputados chavistas, liderados pelo ex-presidente da Casa, Diosdado Cabello, abandonaram a sessão inaugural, acusando os oposicionistas majoritários de descumprimento do regimento interno.
Mas um fato simbólico dominou as atenções, apesar do tumulto que milícias chavistas fizeram na entrada da Assembleia: imensos retratos de Hugo Chávez foram retirados do plenário, numa demonstração de que já não há mais espaço para exibicionismos autoritários naquele recinto.
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