Reforma deve tornar mais simples a taxação dos produtos e mais justa a da renda
Na teoria, o sistema de impostos mais simples possível se limitaria a cobrar um valor idêntico de todos os contribuintes. Cada brasileiro adulto, por exemplo, pagaria algo como R$ 15 mil por ano para proporcionar os R$ 2,4 trilhões a serem consumidos por União, estados e municípios no período.
Já o sistema mais complexo imaginável fixaria regras tributárias diferentes para cada pessoa e transação econômica, conforme a idade, o nível de renda, o ramo de atividade, o eventual produto envolvido e a região geográfica.
A primeira ideia é obviamente inexequível, além de profundamente injusta. A maioria não conseguiria arcar com tamanha carga, nem teria cabimento onerar do mesmo modo ricos, pobres e classe média.
A segunda não se mostra menos problemática. Além da interminável burocracia necessária, dos riscos de fraudes e da tendência a favorecimentos indevidos, a profusão de normas distorceria decisões empresariais e profissionais, reduzindo a eficiência da economia.
Entre os dois extremos, é do último que o Brasil, sem dúvida, encontra-se mais próximo. O sistema nacional está entre os mais complexos do mundo, especialmente devido à caótica tributação de mercadorias e serviços. Ao mesmo tempo, porém, o país taxa salários e lucros sem a desejável diferenciação entre os estratos sociais.
A urgente reforma desse modelo deve, portanto, concentrar-se nesses dois aspectos —com o cuidado de não elevar a carga total, já excessiva, equivalente a um terço da renda dos brasileiros (33,3% do PIB).
Felizmente, já existe um entendimento avançado no Congresso Nacional ao menos quanto à simplificação dos tributos embutidos nos preços dos produtos, alvo principal de propostas de emenda à Constituição que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado.
O caminho deve ser a fusão gradual da coletânea de impostos e contribuições —PIS, Cofins e IPI, federais, ICMS, estadual, e ISS, municipal— num único imposto sobre valor agregado, ou seja, que permita à empresa descontar do valor a pagar os custos com matérias-primas e outros insumos.
Idealmente, esse imposto deve ser aplicado com a mesma alíquota a quase todos os produtos e transações, colocando fim à miríade de percentuais, normas regionais, exceções e regimes especiais que fazem do Brasil o campeão mundial em horas gastas com obrigações burocráticas fiscais.
Os benefícios são inúmeros, a começar pela redução drástica do contencioso judicial e pelo fim da disputa predatória entre estados e municípios para a atração de investimentos por meio de benefícios tributários —ou guerra fiscal.
A despeito da concordância majoritária em torno desses objetivos, os obstáculos crescem à medida que se examinam os detalhes. Tanto entes federativos temerosos de perder receitas como setores econômicos, em particular o de serviços, hostis à eventual alta da carga poderão obstruir os avanços.
Não menos difícil é a agenda da progressividade tributária, ainda que não dependa de mudanças constitucionais. O atual peso excessivo da taxação do consumo pune os mais pobres, enquanto o Imposto de Renda arrecada relativamente pouco para os padrões globais.
Uma reforma do gravame sobre salários e lucros deve ser parte de um concerto social mais amplo, a envolver também um gasto público mais justo e eficiente.
Há razoável apoio, no Executivo e no Legislativo, à proposta de tributar a distribuição de dividendos, com redução correspondente no IR sobre os lucros. Mais indigesta, embora também correta, mostra-se a ideia de reduzir ou eliminar as deduções de despesas com saúde e educação no cálculo do imposto das pessoas físicas mais abonadas.
Há espaço ainda para aumentar a alíquota máxima do tributo, hoje de 27,5%, dado que são comuns no mundo cobranças de 35% ou mais sobre os ganhos mais elevados.
Essas constituem as linhas mestras, e o desafio de formatar um entendimento político em torno delas já é hercúleo. Será contraproducente e arriscado poluir o ambiente com outras demandas.
Obsessão do Ministério da Economia, a desoneração das folhas de salários se afigura objetivo meritório, mas cria polêmica quanto à forma de compensar a queda de receita. Fazê-lo por meio de uma recriação da CPMF é tese que cria enorme ruído nas negociações.
Importa mais dar início ao processo de mudanças, ainda que não venha a ser possível promovê-las todas de uma vez. Passos na direção correta poderão estimular o crescimento da economia e combater a desigualdade, metas essenciais nas quais o país fracassou miseravelmente nesta década.
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