terça-feira, 30 de setembro de 2025

Autocontenção de Fachin não resistiu à posse. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Se alguma contenção haverá, será nos modos e costumes da Corte e não nos propósitos ou no poder de agenda e pauta daquele que a conduzirá por dois anos

A promessa de autocontenção do novo presidente do Supremo Tribunal Federal se desmanchou na largada. Com 19 páginas, além de uma nominata dobrada, o discurso de posse do ministro Edson Fachin durou uma hora. E mostrou que se alguma contenção haverá, será nos modos e costumes da Corte e não nos propósitos ou no poder de agenda e pauta daquele que a conduzirá por dois anos.

No lugar de intérpretes da música popular brasileira cantando à capela no plenário, o hino nacional ficou por conta do “Supremo encanto”, o coral da Corte posicionado numa abertura lateral com todos os integrantes de meia-idade vestidos com uma longa bata azul. No lugar das festas de posse financiadas por associações de magistrados, entrou café e água. Mal deram conta do calor de um plenário superlotado mas suscitam algum alento à expectativa de que Fachin coloque o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também presidirá, no combate à magistocracia (“Antes mesmo dos direitos, temos deveres a cumprir”) com a criação de um Observatório de Integridade e Transparência.

No lugar de poetas e romancistas, apareceram as citações de juristas - Dalmo de Abreu Dallari (três) e Raymundo Faoro (uma) - além daquele que vigiou o “cupim da República”, Ulysses Guimarães. Saíram os parentes declinados um a um e entrou a família sem nome, do pai que o ensinou a respeitar o juiz da comarca, às filhas, entre elas Melina, diretora da Faculdade de Direito da UFPR que levou uma cusparada e foi xingada de “lixo comunista” em Curitiba, duas semanas atrás, em evento sobre o qual o ministro não fez qualquer alusão.

A contenção ficou por aí. De quebra, enterrou o pacto feito pelo antecessor, o ministro Luis Roberto Barroso, pela linguagem simples. Fachin usa os verbos haurir (extrair) e impender (caber). Num debate, meses atrás, na Fundação Fernando Henrique Cardoso, disse que enfrentaria o desafio de: “dizer mais com menos”. Fracassou. Tanto o discurso quanto a pauta primaram pela ambição - do resgate da confiança (“só há autoridade verdadeira quando há confiança coletiva no que é justo”) ao acesso à justiça para os mais vulneráveis e no combate à desigualdade.

Ao mencionar a infância e a desigualdade de gênero como foco teve dois dos momentos mais aplaudidos do discurso. Escolheu a ministra Cármen Lúcia para saudá-lo, contrariando a tradição que atribui a missão ao decano, hoje o ministro Gilmar Mendes. A boa relação do ministro com as mulheres da Corte vem de longe. Quando era presidente, a ex-ministra Rosa Weber, presente à posse, o convidou como o único homem de um encontro para discutir a questão feminina.

Fachin não se deteve nos ataques da extrema-direita, mas prestou “solidariedade” ao seu vice, Alexandre de Moraes. Prometeu equilíbrio e previsibilidade para restabelecer a confiança entre os Poderes e por mais de uma vez, clamou: “Ao direito, o que é do direito, e à política, o que é da política”.

Fachin nunca teve muita facilidade para convencer seus interlocutores deste axioma. Chegou ao STF dez anos atrás depois da mais longa sabatina da atual composição da Corte. Foram 12h39, tempo maior do que a soma das sabatinas de Gilmar Mendes, Carmen Lúcia e Luiz Fux. Mais do que as polêmicas, como sua defesa histórica da reforma tributária, pesou o atribulado momento político do país naquele início do segundo mandato de Dilma Rousseff, que findaria abreviado.

O perfil ativista se confirmou na estreia, mas nem sempre para o lado que se esperava. Perdeu amigos ao ficar vencido na manutenção da prisão em segunda instância que permitiu a saída do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de Curitiba. Um ano e meio e uma “vazajato” depois, Fachin invalidou processo por incompetência do então juiz Sérgio Moro e o remeteu para a justiça federal em Brasília. Seu voto foi confirmado pelo plenário por 8x3.

A autocontenção também foi desafiada pela pauta. Fachin abriu mão da Lavajato, mas não dos embates. Pautou duas ações relativas ao trabalho em aplicativos, uma delas de sua relatoria e a outra, de Moraes. Ambas afetam o modelo de negócios dos aplicativos, o vínculo de emprego entre o entregador e a plataforma. O STF vai meter sua colher em tema sobre o qual Executivo e Congresso já têm se debruçado.

Fachin também reabrirá o embate com planos de saúde depois do ganho de causa que tiveram no rol taxativo da ANS, última pauta presidida por seu antecessor, Luis Roberto Barroso. O novo presidente pautou o recurso, cujo relator é o ministro Flávio Dino, que discute se o Estatuto do Idoso se aplica a contratos de planos de saúde firmados antes de sua vigência.

É no recurso aparentemente mais técnico de sua pauta, porém, o da Ferrogrão, que Fachin resolveu comprar uma briga maiúscula. O projeto, que o Executivo incluiu no PAC, e tem o apoio da bancada ruralista, leva a produção do Centro-Oeste para escoar pelo Norte do país. Colide com os interesses da Cosan que fez sua aposta ferroviária na Rumo e na rota do Porto de Santos. Dias antes de Fachin anunciar que colocaria o tema em pauta, o BTG anunciou acordo para capitalizar a Cosan. O recurso não é sobre o projeto em si, mas sobre a área de um parque nacional que será afetado. O processo havia sido suspenso por liminar de Moraes em 2023. É um dos grandes embates da República e o Supremo de Edson Fachin não se conterá em arbitrar.

 

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