O Globo
Se não é possível dizer se ele é culpado,
seria prudente exercitar contenção antes de jogá-lo aos leões
‘Ex-deputado de GO que estuprou menina de 2 anos é preso no RJ.’ Foi assim, em letras grandes e sem ressalvas, que um site da imprensa profissional referiu-se a um homem acusado pela ex-mulher de cometer o crime hediondo contra uma criança, sua própria filha. Com minúsculas diferenças, outros veículos usaram o mesmo tom e a mesma foto do já, e para sempre, desgraçado ex-deputado, ao lado do nome e sobrenome.
Segundo as reportagens, o caso começou quando
a criança foi diagnosticada com o vírus do herpes genital. Havia pouco, ela
tinha passado um fim de semana com o pai, separado no ano passado da mãe,
autora da acusação. As investigações, diziam os textos, duraram seis meses, e a
prisão e denúncia do pai, que também é médico e advogado, se deram com base em
“relatórios de um pediatra e de um psicólogo, além do depoimento da criança e
testemunhas”.
Pelas mesmas reportagens, ficava-se sabendo
que o pai submeteu-se a exames e não tem o vírus do herpes. O exame de corpo de
delito da criança tampouco constatou sinais de violência sexual. No dia
seguinte à divulgação das escassas informações, que aos veículos pareceram
suficientes para sustentar as manchetes horripilantes, um jornal de Goiás
acrescentou que uma filha adulta do ex-deputado, ouvida como testemunha do
caso, afirmou ter sido molestada por ele no passado. Como a acusação não havia
sido feita antes, não foi investigada, e nada mais se sabe sobre ela.
Se até o momento, portanto, não é possível
dizer se o ex-deputado é ou não culpado, seria prudente que a imprensa e
autoridades policiais exercitassem contenção antes de jogá-lo aos leões. Ainda
que o acusado seja homem, branco, rico, heterossexual e, além de tudo,
ex-político — feito, portanto, para a execração pública —, continua sendo uma
verdade universal que mulheres, como os homens, nem sempre dizem a verdade.
Mais: às vezes são desonestas e mesmo pérfidas. Podem até acusar falsamente de
violência ex-parceiros de quem eventualmente se ressentem por questões que vão
de pensão alimentícia a desejos de vingança. Não se afirma aqui ser esse o caso
da acusadora — trata-se de uma possibilidade a ser levada em conta em toda
situação do gênero.
O psicólogo Paul Bloom é autor de um livro
chamado “Against empathy” (“Contra a empatia”, sem tradução aqui). Para ele, a
capacidade de se colocar no lugar do outro e de sentir a sua dor nos conduz a
maus julgamentos. A convicção de Bloom se baseia em estudos que mostram ser
mais fácil para alguém ter empatia com aqueles que vê como próximos, simpáticos
ou semelhantes — repórteres mulheres diante de vítimas mulheres, ou pessoas de
determinada filiação política ante outras da mesma filiação — do que se pôr no
lugar de alguém que lhe pareça distante ou oriundo do “campo oposto”.
O primeiro efeito deletério da empatia, diz
Bloom, é o comprometimento do julgamento. Quando se trata de tomar uma decisão
que requer imparcialidade, fatores como simpatias e sensação de proximidade não
deveriam ser critérios. Além de facilitar alinhamentos automáticos, a empatia
pode gerar violência, segundo o psicólogo. Ele explica: quanto mais empatia se
tem por alguém que sofre, mais se deseja que sejam retaliados os causadores
daquele sofrimento. Os mais empáticos, portanto, são também os mais propensos a
represálias violentas.
Aparentemente, nesse caso, enquanto a autora
da denúncia contou com a empatia da imprensa, a seu ex-marido coube a parte do
desejo de retaliação — algo que, para alguns, é perfeitamente natural. Afinal,
se o patriarcado perpetrou tantas injustiças machistas contra as mulheres, não
seria razoável que, nesta virada de mesa, mulheres cometessem umas poucas
injustiças feministas contra os homens? Parece distante, mas houve um tempo em
que elas brigavam por igualdade, e todos juntos, contra a tirania.
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