sábado, 4 de outubro de 2025

A tirania dos oprimidos. Por Thaís Oyama

O Globo

Se não é possível dizer se ele é culpado, seria prudente exercitar contenção antes de jogá-lo aos leões

‘Ex-deputado de GO que estuprou menina de 2 anos é preso no RJ.’ Foi assim, em letras grandes e sem ressalvas, que um site da imprensa profissional referiu-se a um homem acusado pela ex-mulher de cometer o crime hediondo contra uma criança, sua própria filha. Com minúsculas diferenças, outros veículos usaram o mesmo tom e a mesma foto do já, e para sempre, desgraçado ex-deputado, ao lado do nome e sobrenome.

Segundo as reportagens, o caso começou quando a criança foi diagnosticada com o vírus do herpes genital. Havia pouco, ela tinha passado um fim de semana com o pai, separado no ano passado da mãe, autora da acusação. As investigações, diziam os textos, duraram seis meses, e a prisão e denúncia do pai, que também é médico e advogado, se deram com base em “relatórios de um pediatra e de um psicólogo, além do depoimento da criança e testemunhas”.

Pelas mesmas reportagens, ficava-se sabendo que o pai submeteu-se a exames e não tem o vírus do herpes. O exame de corpo de delito da criança tampouco constatou sinais de violência sexual. No dia seguinte à divulgação das escassas informações, que aos veículos pareceram suficientes para sustentar as manchetes horripilantes, um jornal de Goiás acrescentou que uma filha adulta do ex-deputado, ouvida como testemunha do caso, afirmou ter sido molestada por ele no passado. Como a acusação não havia sido feita antes, não foi investigada, e nada mais se sabe sobre ela.

Se até o momento, portanto, não é possível dizer se o ex-deputado é ou não culpado, seria prudente que a imprensa e autoridades policiais exercitassem contenção antes de jogá-lo aos leões. Ainda que o acusado seja homem, branco, rico, heterossexual e, além de tudo, ex-político — feito, portanto, para a execração pública —, continua sendo uma verdade universal que mulheres, como os homens, nem sempre dizem a verdade. Mais: às vezes são desonestas e mesmo pérfidas. Podem até acusar falsamente de violência ex-parceiros de quem eventualmente se ressentem por questões que vão de pensão alimentícia a desejos de vingança. Não se afirma aqui ser esse o caso da acusadora — trata-se de uma possibilidade a ser levada em conta em toda situação do gênero.

O psicólogo Paul Bloom é autor de um livro chamado “Against empathy” (“Contra a empatia”, sem tradução aqui). Para ele, a capacidade de se colocar no lugar do outro e de sentir a sua dor nos conduz a maus julgamentos. A convicção de Bloom se baseia em estudos que mostram ser mais fácil para alguém ter empatia com aqueles que vê como próximos, simpáticos ou semelhantes — repórteres mulheres diante de vítimas mulheres, ou pessoas de determinada filiação política ante outras da mesma filiação — do que se pôr no lugar de alguém que lhe pareça distante ou oriundo do “campo oposto”.

O primeiro efeito deletério da empatia, diz Bloom, é o comprometimento do julgamento. Quando se trata de tomar uma decisão que requer imparcialidade, fatores como simpatias e sensação de proximidade não deveriam ser critérios. Além de facilitar alinhamentos automáticos, a empatia pode gerar violência, segundo o psicólogo. Ele explica: quanto mais empatia se tem por alguém que sofre, mais se deseja que sejam retaliados os causadores daquele sofrimento. Os mais empáticos, portanto, são também os mais propensos a represálias violentas.

Aparentemente, nesse caso, enquanto a autora da denúncia contou com a empatia da imprensa, a seu ex-marido coube a parte do desejo de retaliação — algo que, para alguns, é perfeitamente natural. Afinal, se o patriarcado perpetrou tantas injustiças machistas contra as mulheres, não seria razoável que, nesta virada de mesa, mulheres cometessem umas poucas injustiças feministas contra os homens? Parece distante, mas houve um tempo em que elas brigavam por igualdade, e todos juntos, contra a tirania.


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