O Globo
Bolsonaro cava sua derrota ao não permitir
que a direita se una em torno de um candidato competitivo
Cresce a percepção entre os políticos de que
o ex-presidente Bolsonaro cozinha em banho-maria o governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, para que ele não tenha condições práticas de se candidatar
à Presidência da República. Está cozinhando o galo, como se diz popularmente.
Como Tarcísio tem de se desincompatibilizar do cargo a partir de abril, sua
escolha como candidato bolsonarista teria de ser definida ainda neste ano, para
que houvesse tempo de organizar a campanha presidencial.
Se Bolsonaro fizer como Lula, que só indicou Fernando Haddad como seu substituto poucos dias antes da eleição — exatos 29 dias, no derradeiro prazo dado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o PT mudar de candidato, diante da derrota do último recurso possível para que a candidatura de Lula fosse aceita, mesmo ele estando na cadeia —, a eleição estará perdida.
A decisão petista demorou tanto porque o
partido recusava-se a aceitar que Lula não participaria da eleição. Também
Bolsonaro, a despeito de não ter a mínima chance de disputar, por ter sido
condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo TSE, tenta uma saída até o
último momento — que, aliás, já passou. O PT fez essa manobra porque não tem
candidato capaz de substituir Lula e quis tentar aproveitar sua imagem até a
última gota.
Com Bolsonaro é diferente. A direita tem
grandes chances de ter em Tarcísio um candidato competitivo, desde que ele
venha a contar com a indicação de Bolsonaro. Mas tudo mostra que Bolsonaro
prefere perder com um dos seus a ganhar com Tarcísio. O Centrão está empenhado
em convencer o PL a aceitar um vice-presidente que não tenha o sobrenome
Bolsonaro, prevendo que são grandes as chances de vencer a eleição com uma
chapa puro-sangue da direita reunindo Tarcísio e um dos seus líderes políticos,
como o senador Ciro Nogueira ou a senadora Tereza Cristina.
Sem Tarcísio na disputa, todos os demais
governadores de direita são iguais, não há nenhum que se destaque na busca do
voto. Seria mais fácil para os Bolsonaros disputar uma eleição para perder de
Lula, mas impondo-se como verdadeira liderança da direita em nível nacional.
Essa estratégia de longo prazo também encontra dificuldades, pois Lula acaba de
vetar a parte da mudança na Lei da Ficha Limpa que alterava a contagem da
penalidade prevista na legislação para o crime pelo qual Bolsonaro foi
condenado no TSE. Desse modo, a ala bolsonarista terá de se dedicar, além de à
tentativa de anistia irrestrita que dificilmente passará no Senado, a derrubar
o veto de Lula.
A oposição tem voto suficiente para obstruir
a aprovação de pontos importantes para o governo, como mostrou ontem mesmo,
impondo perda eventual de R$ 25 bilhões ao governo caso a Medida Provisória que
taxa o mercado financeiro e alguns setores para compensar a cobrança do IOF não
seja aprovada na reunião marcada para um dia antes de seu vencimento. O próprio
Bolsonaro, porém, cava sua derrota ao não permitir que a direita se una em
torno de um candidato competitivo.
Claro que qualquer candidato que vá para o
segundo turno contra Lula terá apoio de todo o espectro da direita, mas é
provável que o grupo do centro, que costuma decidir eleições muito
equilibradas, tenha menos incentivo para ir à direita se a chapa oposicionista
for extremista. Os ventos sopram para a reeleição de Lula, como já sopraram
para a vitória do bolsonarismo. No ano que falta para as eleições, os dois
grupos, igualmente liderados por personalidades populistas, enfrentarão altos e
baixos e podem abrir caminho a um candidato fora dessa polarização.
Além de todos os problemas de calendário,
Tarcísio enfrenta a questão da instabilidade dos Bolsonaros. Foi assim na
disputa da Prefeitura de São Paulo, quando o ex-presidente quase apoiou Pablo
Marçal, no momento em que ele parecia ter encontrado o caminho da vitória. Não
há segurança de que Bolsonaro apoiará o candidato da direita até o final da
campanha, a não ser que seja de sua famiglia.
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