Valor Econômico
Bets, fintechs, PCC e emendas parlamentares
formam o quarteto da agenda lulista
“O presidente Lula roubou nossa agenda”. Não
fosse o verbo na primeira pessoa do plural, a autora desta constatação, uma
respeitada liderança, com trânsito nos gabinetes, públicos e privados, mais
poderosos da República, passaria por governista de quatro costados. A
preocupação inquieta a oposição no ano eleitoral que se inicia neste sábado.
Naquele dia, a Polícia Federal abriu dois
inquéritos. O primeiro para apurar as mortes causadas por bebidas adulteradas.
E o segundo, para investigar as informações que o Banco Central recolheu ao
rejeitar a compra do Master pelo BRB e repassou ao Ministério Público.
O sequestro do binômio segurança
pública/corrupção teve início há pouco mais de um mês com o início das
operações destinadas a apurar a sociedade entre devedores contumazes e crime
organizado na lavagem de dinheiro por meio de fintechs, postos, hotéis e
imobiliárias que findou nos drinques adulterados por metanol com casos
crescentes de intoxicação e óbito.
Foi entre os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, quando o Centrão se aboletou no poder, que Daniel Vorcaro se apropriou do Master, as fintechs cresceram 340% no período, as bets tiveram um aumento no volume de apostas de 1.300% e a Receita foi privatizada. Com menos controles, abriram-se brechas para a lavagem de dinheiro.
A conivência parlamentar com o desregramento
que permitiu tudo isso e o medo do que virá da relatoria do ministro Flávio
Dino nas emendas, outra porteira escancarada no período, levou à formatação da
PEC da blindagem acoplada à anistia. Ambas contribuíram para o sequestro da
pauta de que fala a insuspeita liderança oposicionista ao motivar os protestos
do dia 20.
A oposição começou a resistir a esta ofensiva
desde o assassinato do ex-delegado geral da Polícia Civil paulista Ruy Ferraz,
quando o secretário de Segurança, Guilherme Derrite, rejeitou a ajuda da PF.
Nesta terça, foi a vez de o governador paulista, incomodado com o foco
recorrente sobre o crime organizado no Estado, reagir. Negou indícios de que a
adulteração de bebidas tenha envolvimento do PCC.
A PF se pauta pela convicção de que esta
facção precisa da confiança - e conivência - da população para operações em
larga escala. Matar quem toma caipirinha num bar não atende a esses requisitos.
Não dá, porém, para dissociar o cerco sobre a rota do combustível importado
pelo devedor contumaz para postos do PCC da busca de novos mercados para este
metanol.
A este incômodo somam-se os problemas de seu
campo político, escancarados quando o governador foi recebido pelo
ex-presidente em sua prisão domiciliar. Era o momento de Tarcísio de Freitas
abrir o jogo com Bolsonaro e pedir o rumo a ser seguido. Só que não.
O ex-presidente achou por bem convocar, para
a conversa com o principal governador do país, o testemunho de dois de seus
filhos, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o vereador de Balneário Camboriú
(SC), Jair Renan (PL). Humilhação maior só aquela que o pastor Silas Malafaia
lhe impôs quando, ao seu lado, condenou “politiqueiros” que se colocam no lugar
de Bolsonaro. Por isso, Tarcísio nem tocou no assunto. Saiu de lá dizendo que
Bolsonaro é o maior líder do país e voltou para São Paulo na mesma hora em que
o novo presidente da Corte que o condenou era empossado. Fez um recuo -
estratégico para uns, definitivo para outros - em relação a 2026.
Na indefinição, o presidente arma a agenda
para quando o adversário chegar. Depois de se opor à PEC da blindagem, impôs
vetos ao projeto que flexibilizava a Lei da Ficha Limpa com o mesmo destemor
com o qual vetou o aumento no número de deputados. A disposição de Lula de
abraçar esta agenda entusiasma ora um ministro (“ele nunca ganhou com recuos
desde que voltou ao governo”) ora outro (“não podia discordar mais de quem diz
que ganha a eleição quem conquistar o centro”).
A ideia de que Lula tem que ir pra cima bebe
na constatação de que a única chance para fidelizar o eleitor movido pela raiva
e pela indignação, grande parte do qual votou em Bolsonaro em 2022, se dá por
uma agenda que, além da segurança pública/corrupção, agregue o “enfrentamento
de privilégios” liderado pela isenção do IR até R$ 5 mil, votado na noite desta
quarta.
Os mesmos ministros não estendem a mesma
guerrilha para o Banco Central. Veem no recuo da inflação de alimentos, que
teve no juro seu maior freio, uma das chaves para se entender a recuperação de
Lula. Seria melhor se o país tivesse um crescimento mais robusto, mas foi isso
que aconteceu no primeiro biênio, dizem, sem que houvesse ganho para a imagem
do presidente porque a comida ficou mais cara.
Nem todo o governo reza pela mesma cartilha. A
pauta bets, fintechs, PCC e emendas tem potencialidades evidentes mas também
riscos. Um terceiro ministro reconhece que o Estado policial expõe as vidraças
do governo cuja totalidade de contratos ninguém controla, vide INSS. Dino trava
o bom combate desde que não vá para cima das autarquias que, na execução das
emendas, abrigam a opacidade vedada aos parlamentares.
Há os que defendem um encontro de Lula com os
presidentes do PP e do União, Ciro Nogueira e Antonio Rueda, fustigados pelo
Estado policial, e outros que avaliam ser possível trabalhar com as bandas
desses partidos mais próximas ao governo. Mesmo que o ano eleitoral esteja para
começar, resta franqueada, no governo, a convivência de tantas convicções e
seus contrários, pelo menos enquanto, na oposição, as divisões forem ainda
maiores.
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