quinta-feira, 2 de outubro de 2025

A agenda que avança para pautar o ano eleitoral. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Bets, fintechs, PCC e emendas parlamentares formam o quarteto da agenda lulista

“O presidente Lula roubou nossa agenda”. Não fosse o verbo na primeira pessoa do plural, a autora desta constatação, uma respeitada liderança, com trânsito nos gabinetes, públicos e privados, mais poderosos da República, passaria por governista de quatro costados. A preocupação inquieta a oposição no ano eleitoral que se inicia neste sábado.

Naquele dia, a Polícia Federal abriu dois inquéritos. O primeiro para apurar as mortes causadas por bebidas adulteradas. E o segundo, para investigar as informações que o Banco Central recolheu ao rejeitar a compra do Master pelo BRB e repassou ao Ministério Público.

O sequestro do binômio segurança pública/corrupção teve início há pouco mais de um mês com o início das operações destinadas a apurar a sociedade entre devedores contumazes e crime organizado na lavagem de dinheiro por meio de fintechs, postos, hotéis e imobiliárias que findou nos drinques adulterados por metanol com casos crescentes de intoxicação e óbito.

Foi entre os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, quando o Centrão se aboletou no poder, que Daniel Vorcaro se apropriou do Master, as fintechs cresceram 340% no período, as bets tiveram um aumento no volume de apostas de 1.300% e a Receita foi privatizada. Com menos controles, abriram-se brechas para a lavagem de dinheiro.

A conivência parlamentar com o desregramento que permitiu tudo isso e o medo do que virá da relatoria do ministro Flávio Dino nas emendas, outra porteira escancarada no período, levou à formatação da PEC da blindagem acoplada à anistia. Ambas contribuíram para o sequestro da pauta de que fala a insuspeita liderança oposicionista ao motivar os protestos do dia 20.

A oposição começou a resistir a esta ofensiva desde o assassinato do ex-delegado geral da Polícia Civil paulista Ruy Ferraz, quando o secretário de Segurança, Guilherme Derrite, rejeitou a ajuda da PF. Nesta terça, foi a vez de o governador paulista, incomodado com o foco recorrente sobre o crime organizado no Estado, reagir. Negou indícios de que a adulteração de bebidas tenha envolvimento do PCC.

A PF se pauta pela convicção de que esta facção precisa da confiança - e conivência - da população para operações em larga escala. Matar quem toma caipirinha num bar não atende a esses requisitos. Não dá, porém, para dissociar o cerco sobre a rota do combustível importado pelo devedor contumaz para postos do PCC da busca de novos mercados para este metanol.

A este incômodo somam-se os problemas de seu campo político, escancarados quando o governador foi recebido pelo ex-presidente em sua prisão domiciliar. Era o momento de Tarcísio de Freitas abrir o jogo com Bolsonaro e pedir o rumo a ser seguido. Só que não.

O ex-presidente achou por bem convocar, para a conversa com o principal governador do país, o testemunho de dois de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o vereador de Balneário Camboriú (SC), Jair Renan (PL). Humilhação maior só aquela que o pastor Silas Malafaia lhe impôs quando, ao seu lado, condenou “politiqueiros” que se colocam no lugar de Bolsonaro. Por isso, Tarcísio nem tocou no assunto. Saiu de lá dizendo que Bolsonaro é o maior líder do país e voltou para São Paulo na mesma hora em que o novo presidente da Corte que o condenou era empossado. Fez um recuo - estratégico para uns, definitivo para outros - em relação a 2026.

Na indefinição, o presidente arma a agenda para quando o adversário chegar. Depois de se opor à PEC da blindagem, impôs vetos ao projeto que flexibilizava a Lei da Ficha Limpa com o mesmo destemor com o qual vetou o aumento no número de deputados. A disposição de Lula de abraçar esta agenda entusiasma ora um ministro (“ele nunca ganhou com recuos desde que voltou ao governo”) ora outro (“não podia discordar mais de quem diz que ganha a eleição quem conquistar o centro”).

A ideia de que Lula tem que ir pra cima bebe na constatação de que a única chance para fidelizar o eleitor movido pela raiva e pela indignação, grande parte do qual votou em Bolsonaro em 2022, se dá por uma agenda que, além da segurança pública/corrupção, agregue o “enfrentamento de privilégios” liderado pela isenção do IR até R$ 5 mil, votado na noite desta quarta.

Os mesmos ministros não estendem a mesma guerrilha para o Banco Central. Veem no recuo da inflação de alimentos, que teve no juro seu maior freio, uma das chaves para se entender a recuperação de Lula. Seria melhor se o país tivesse um crescimento mais robusto, mas foi isso que aconteceu no primeiro biênio, dizem, sem que houvesse ganho para a imagem do presidente porque a comida ficou mais cara.

Nem todo o governo reza pela mesma cartilha. A pauta bets, fintechs, PCC e emendas tem potencialidades evidentes mas também riscos. Um terceiro ministro reconhece que o Estado policial expõe as vidraças do governo cuja totalidade de contratos ninguém controla, vide INSS. Dino trava o bom combate desde que não vá para cima das autarquias que, na execução das emendas, abrigam a opacidade vedada aos parlamentares.

Há os que defendem um encontro de Lula com os presidentes do PP e do União, Ciro Nogueira e Antonio Rueda, fustigados pelo Estado policial, e outros que avaliam ser possível trabalhar com as bandas desses partidos mais próximas ao governo. Mesmo que o ano eleitoral esteja para começar, resta franqueada, no governo, a convivência de tantas convicções e seus contrários, pelo menos enquanto, na oposição, as divisões forem ainda maiores.

 

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