sexta-feira, 15 de agosto de 2025

A continuidade do golpe, por José de Souza Martins

Valor Econômico

Fica claro que está em andamento um novo desenho da geopolítica de hegemonia americana

Todo o cenário do processo político indica que o golpe continua. O atrevido envolvimento direto de Trump e da diplomacia americana na soberania brasileira indica que a direita quinta-coluna bolsonarista não está a fim de abrir mão do retorno ao poder para ficar.

Fica claro que está em andamento um novo desenho da geopolítica de hegemonia americana. A de uma América debilitada pelo declínio do capitalismo americano numa circunstância de transformação no capitalismo internacional.

O capital não tem pátria e menos ainda com o notável fortalecimento da economia chinesa e, de vários modos, a unidade e diversidade do capitalismo europeu.

Transformações econômicas e políticas impensáveis na época de Marx e mais recentemente na Guerra Fria fragilizam os EUA e propõem perigosos dilemas para um país como o Brasil.

Não teria passado pela cabeça de ninguém que um poderoso Partido Comunista, como o chinês, se transformasse no patrono de capitalismo que desafiasse a maior potência econômica e militar do mundo.

No entanto, o lugar do capitalismo na construção do socialismo está muito claro na obra de Marx e de Engels. O socialismo não é o antagônico do capitalismo. Como radical oposição de confronto ele é insuficiente.

Ele só é viável como realização do capitalismo e superação de suas contradições e irracionalidades. As que indicam a carência histórica de um sistema político que corresponda a essa carência do capital.

Aparentemente, a China montou um sistema de gestão socialista das irracionalidades sociais do capitalismo. A China não se mete nas particularidades políticas e históricas dos outros. Durante a ditadura militar neonazista de Pinochet, os chineses mantiveram relações diplomáticas com o governo chileno.

Eles gostam de observar os efeitos corrosivos das contradições econômicas e suas decorrências políticas. Eles não padecem da impaciência pelos ganhos ilimitados do capital.

O que fascinou Marx no capitalismo foi que nele se gestava um modo de produção que ampliava significativamente a produção de bens, a modernização da economia que tornaria possível a modernização da política e a modernização social. A superação das diferenças sociais geradas pelo desenvolvimento desigual do capital.

Até porque sua obra ficou inconclusa, Marx não avaliou na devida abrangência a diversidade das contradições próprias do capitalismo. Não avaliou seus herdeiros reducionistas e materialistas da interpretação marxista vulgar e até mesmo antidialética. O obscurecimento da reprodução ampliada do capital como reprodução ampliada das contradições sociais. E as decorrentes técnicas sociais de bloqueio da produção das inovações sociais e políticas.

O “boom” das ciências sociais e das técnicas científicas de desvendamento das condições da práxis de transformação social e política e da práxis repetitiva. Esta já agora desdobrada na descoberta de Henri Lefebvre, o sociólogo francês que incluiu na tridimensionalidade da práxis a práxis mimética. A falsa práxis que mimetiza até mesmo a práxis revolucionária para bloquear a possibilidade da revolução social. O que dá direção à práxis repetitiva, a necessária à reprodução do capital e da sociedade capitalista tais como se dão a ver e como as veem e vivenciam os que das anomalias da reprodução se beneficiam e as personificam.

Portanto, a contenção do campo do possível e da nova sociedade que o capitalismo cria e possibilita. Nisso, sua potencial salvação está cada vez mais reduzida.

A alienação social tornou-se o grande inimigo da condição humana. O acobertamento ideológico do substrato econômico de reprodução dos diferentes níveis e formas de miséria que aparecem como miséria social. Os mecanismos sociais de exclusão sob a forma de inclusão social perversa. Os que brutalizam a condição humana como forma de impedir que todos os seres humanos desenvolvam uma consciência crítica de sua situação adversa. Que se traduza numa práxis poiética, criativa e transformadora, libertadora.

O capitalismo se transformou apenas em um modo de produção e reprodução da desumanização do homem. O chamado neoliberalismo econômico de Milton Friedman e outros é a proposta ideológica, não científica, de um minimalismo econômico excludente. É uma doença política que reduz a condição humana à mera possibilidade de ascensão social a limites mínimos de realização pessoal. Essa é a grande pobreza própria do neocapitalismo da exclusão social. A pobreza de esperança.

Nossa versão desse declínio é o bolsonarismo, a ideologia de esterilização da consciência social por um falso evangelismo da prosperidade, consumista. O de um novo deus, subornável, produzido pelo afã de poder e dinheiro.

 

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