sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Um aroma de conchavo no ar, por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Sem a devida punição aos amotinados, o Congresso dirá que aceita conviver com a insubordinação

Os movimentos em torno do destino dos parlamentares que ocuparam os plenários da Câmara dos Deputados e do Senado, na semana passada, deixam um aroma de conchavo no ar.

Há base regimental para mandar os casos direto aos conselhos de ética das duas Casas, bem como há fartos registros de imagens para documentar o que foi muito além da quebra de decoro.

Ainda assim, dos senadores rebelados nada se fala e sobre os deputados amotinados o que se providencia é uma postergação de dois meses (50 dias úteis) na decisão acerca do tipo de punição a ser aplicada a eles.

Abre-se uma investigação como se algo tivesse ainda a ser investigado a respeito do ocorrido. No Senado, houve apenas maior discrição devido à manobra do presidente Davi Alcolumbre (União-AP) para evitar se expor à sanha dos infratores, mas a ação delituosa também se fez presente por lá.

Na Câmara, os deputados não deixaram a menor dúvida quanto à intenção de aplicar um golpe no presidente Hugo Motta (Republicanos-PB), impedindo-o de assumir o comando da sessão naquela tenebrosa quarta-feira (6).

Não se trata mais de discutir o quanto Motta saiu enfraquecido do episódio ou se ele consegue, ou não, recuperar sua autoridade. O que está em jogo é a reputação do Poder Legislativo e sua capacidade de preservar a própria essência institucional.

O poderoso Congresso destes tempos atuais e bem estranhos sairá combalido dessa história, caso se materializem os sinais de que esteja em andamento uma nulidade ou mesmo leveza na aplicação dos corretivos.

Ficará claro que o conjunto do Parlamento se aproveitou da situação para levar adiante as ideias de tirar deputados e senadores da jurisdição do Supremo Tribunal Federal e de voltar a condicionar ações contra eles ao aval dos congressistas. Um regresso à norma da impunidade extinta em 2001.

Se for assim, a Casa de Leis dirá à sociedade que aceita o convívio com a insubordinação às regras, fator incompatível com a Constituição a que todos ali juraram se submeter.

 

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