O Globo
Não pode haver condescendência com Eduardo
Bolsonaro, que se acha inatingível a ponto de fazer ameaças ao presidente da
Câmara
A sem-cerimônia com que o deputado Eduardo
Bolsonaro tem feito ameaças cada vez mais explícitas a autoridades,
funcionários públicos e cidadãos comuns brasileiros só é possível porque ele se
sente respaldado pelo avanço autoritário vertiginoso do governo Donald Trump e
duvida que receberá alguma punição por conspirar contra o próprio país.
Uma obra recém-lançada no Brasil ajuda a
entender a velocidade com que Trump — eleito para um novo mandato em 2024
depois de derrotado quatro anos antes — vem tomando de assalto as instituições
e dinamitando sem dificuldade o até então hígido sistema de freios e
contrapesos da democracia norte-americana.
Trata-se de “O projeto”, livro do jornalista David A. Graham, que se debruça sobre a concepção e a implementação, na Presidência de Trump, do Projeto 2025, plano de ação tratado na campanha do ano passado pelo republicano como fantasioso, mas que vai sendo posto em prática quase ponto por ponto.
No livro, fica claro que, a partir do
diagnóstico das alas mais radicais do Partido Republicano de que Trump foi
“sabotado” pelo aparato institucional no primeiro mandato, era necessário
enfraquecê-lo logo na largada para que a segunda passagem pela Casa Branca não
sofresse as mesmas limitações. Nesse caldo entram agências governamentais,
universidades, Forças Armadas, Congresso, Judiciário, imprensa e qualquer outro
grupo que ouse se interpor contra um projeto de poder que o autor chama de
“imperial”.
O Brasil entrou para valer na lista de
inimigos a abater graças ao contraste óbvio entre as reações aqui e lá diante
de tentativas de golpe de Estado. Os julgamentos firmes e céleres da trama
golpista do governo Bolsonaro e do 8 de Janeiro são precedentes preocupantes
para alguém que escapou de ser responsabilizado uma vez e não quer correr
riscos caso perca uma reeleição que já não esconde pretender disputar.
A arbitrariedade das medidas anunciadas
contra o Brasil e as falsidades enunciadas por Trump e seus auxiliares mais
graduados são suficientemente graves para preocupar todos os brasileiros que
têm responsabilidade. Cabe aos três Poderes do Brasil se unir e adotar todo
tipo de blindagem possível contra arbítrios que podem vir em qualquer área,
contra qualquer um.
Eduardo Bolsonaro não esconde o êxtase com
Trump conseguir levar adiante medidas que, no governo de seu pai, foram
contidas pelo Congresso e pelo Judiciário. Assim inebriado, se acha inatingível
a ponto de ameaçar nominalmente o presidente da Casa de que ainda faz parte,
Hugo Motta.
Qualquer condescendência com esse
comportamento inaceitável resultará na repetição, com frequência cada vez
maior, de cenas como a tomada da Mesa da Câmara pela bancada bolsonarista, e o
risco é a paralisia completa dos trabalhos do Legislativo justamente durante
uma emergência como o tarifaço.
Não há tempo a perder com esse tipo de
chicana e de chantagem quando as ações do governo dos Estados Unidos põem em
risco a economia e até a segurança nacional — uma vez que o governo Trump já
não esconde a disposição de tentar até incursões militares em nações soberanas,
sob pretextos os mais variados.
Paradoxalmente, o fato de nossa Constituição,
promulgada justamente depois de um longo período de ditadura, ser mais jovem
que a dos Estados Unidos nos dá mais instrumentos para proteger a democracia,
uma vez que os constituintes se preocuparam em colocar na Carta capítulos
assegurando os direitos em praticamente todas as áreas da vida nacional.
É com esse instrumento poderoso em mãos que
todos os que põem o senso de dever acima das bajulações ideológicas têm de
reagir de forma altiva, mas sem cair em provocações, à marcha da insensatez de
Trump contra o Brasil.
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