Socorro por tarifaço era necessário
O Globo
Programa do governo foi bem elaborado, mas
gastos não devem ser excluídos de cálculo da meta fiscal
O tarifaço de Donald Trump traz
um prejuízo imprevisto a empresas brasileiras cujo faturamento depende de
exportações ao mercado americano. Era, portanto, necessário adotar medidas de
socorro para elas superarem a dificuldade inicial, terem chance de buscar novos
mercados ou de ajustar a produção sem comprometer a sobrevivência do negócio.
Anunciado na quarta-feira, o pacote do governo federal se inspira na
experiência da ajuda ao Rio Grande do Sul: redestina dinheiro acumulado em
fundos para a concessão de crédito e prorroga prazos para pagamento de
impostos. Na tentativa de evitar que o provisório se torne permanente, cria um
sistema de ressarcimento de tributos com valor máximo e prazo definido. Ao
todo, o impacto fiscal é pequeno.
O maior problema é a intenção declarada do
governo de excluir do cálculo da meta fiscal os R$ 9,5 bilhões previstos no
auxílio. As regras do arcabouço aprovado em 2023 preveem que o objetivo será
cumprido se o resultado ficar dentro de uma faixa de até 0,25% do Produto
Interno Bruto (PIB) em torno do centro da meta. Essa banda foi adotada
justamente para o governo não ser penalizado por choques extraordinários. Mas
na prática, quando tem havido imprevistos, o governo corre ao Congresso para
obter uma exceção e excluir os novos gastos do cálculo da meta. É uma manobra
sem cabimento. Mesmo que o Congresso concorde com o drible, economistas de
instituições privadas incluirão o programa de socorro em seus cálculos. Se com
isso o déficit ficar além do permitido, haverá erosão ainda maior na
credibilidade das contas públicas.
Para o governo do presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva, o plano de socorro era a parte fácil. As decisões dependiam basicamente
de ouvir as demandas do setor produtivo. O maior desafio continua a ser abrir
um canal de negociação com a Casa Branca para reduzir a tarifa de 50% ou, no
mínimo, ampliar as exceções ao tarifaço. Num primeiro momento, Lula acertou ao
evitar falar em retaliações. Mas Trump continua irredutível, e as portas ao
diálogo estão fechadas. Só que isso não pode servir de desculpa. Uma aliança
com setores empresariais americanos afetados negativamente pode ser um caminho
promissor a explorar. Afinal, o tarifaço não é nocivo apenas para o Brasil, mas
também para os próprios americanos.
Outro imperativo é incentivar a abertura de
novos mercados para as exportações. Nesse ponto, é preciso cuidado para não
aumentar ainda mais a dependência brasileira da China, nosso principal parceiro
comercial. Seria um erro o Brasil abdicar da equidistância e ceder à tentação
dos apelos chineses. Assim como foi um erro a insistência em defender uma moeda
alternativa ao dólar e a iniciativa de investir no Brics como contraponto aos
Estados Unidos, deixando em segundo plano a relação bilateral com os
americanos.
O governo precisa reagir à crise com sabedoria e equilíbrio. Mas não foi Lula que a criou. A culpa inequívoca cabe à família Bolsonaro e a seus aliados. Eles pediram por sanções e, uma vez obtidas, celebraram as tarifas. Ante a gravidade da situação, a oposição — em especial os governadores que, mais uma vez, pouparam Bolsonaro de críticas diante de uma plateia de investidores — deveria ter mais responsabilidade e comprometimento com o interesse nacional. É hora de abandonar o confronto improdutivo da agenda bolsonarista e pensar no Brasil.
Parlamento despreza transparência com
aprovação-relâmpago de emendas
O Globo
Em menos de um minuto, verbas bilionárias
foram destinadas sem o nome dos responsáveis pelos repasses
Sai legislatura, entra legislatura, e os
parlamentares continuam ignorando a necessidade de transparência no repasse de
dinheiro público por meio das emendas parlamentares. Na quarta-feira, as
comissões da Câmara levaram menos de um minuto para aprovar a destinação de
verbas, sem deixar claro quem são os responsáveis pelas indicações,
contrariando determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na Comissão de Saúde, uma das mais bem
aquinhoadas, com R$ 3,8 bilhões para distribuir, as indicações foram aprovadas
em 20 segundos. Como não se tornaram públicas, o país ficou sem saber a que se
destinavam, quanto cada projeto receberia e quem o patrocinou, informações
fundamentais para a sociedade e para os órgãos de controle e fiscalização. Na
Comissão de Integração Nacional, bastaram oito segundos para a aprovação. Nem
deputados que participaram dos encontros sabiam se suas indicações haviam sido
contempladas, como revelou reportagem do GLOBO.
Antes das aprovações-relâmpago, o presidente
da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
se reuniu com presidentes das principais comissões permanentes para discutir um
plano de aceleração na destinação das emendas. O governo fixou em R$ 42,8
bilhões o limite de pagamento das emendas para este ano. Dos R$ 7,6 bilhões
previstos para as comissões da Câmara, nada havia sido ainda empenhado (o
pagamento não é obrigatório e costuma ser feito por meio de acordos políticos).
É legítimo querer destravar os repasses, mas não se pode perder de vista que se
trata de dinheiro público, por isso tudo precisa ser feito com transparência e
mediante justificativas razoáveis.
As emendas têm sido foco de embate intenso
entre Legislativo e Judiciário. Mesmo com o fim das emendas do relator,
julgadas inconstitucionais pelo Supremo, o “orçamento secreto” — indicações de
gastos sem identificar o autor — persiste por meio das emendas de comissão. No
fim do ano passado, o ministro Flávio Dino, do STF, mandou bloquear R$ 4,2
bilhões em pagamentos dessas emendas, gerando insatisfação no Congresso. Com
razão, ele exigiu a documentação de todo o processo orçamentário “para
atendimento das regras constitucionais de transparência e rastreabilidade”.
Já é questionável o sequestro de parcela tão grande do Orçamento pelo Congresso por meio das emendas parlamentares, cuja destinação segue critérios políticos, em vez de técnicos — os recursos são dirigidos a quem tem padrinhos poderosos, e não a quem precisa. A situação se agrava quando esses repasses são feitos de forma obscura, abrindo espaço a casos de corrupção nem sempre fáceis de detectar. Operações da Polícia Federal já flagraram valores desviados de emendas escondidos em sapatos, gavetas de armário, jogados pela janela ou em outras situações quem envergonham a classe política. O mínimo que se espera é saber quanto é destinado, a quem, para quê e por quem. Não é favor, mas obrigação.
Pacote de ajuda é positivo, mas peca pelo
lado fiscal
Valor Econômico
Ao não incluir R$ 9,5 bilhões no esforço
fiscal, o governo deu mais um sinal de que daqui para frente, durante um ano
eleitoral, usará mão do mesmo expediente toda vez que precisar incorrer em
gastos extraordinários
O choque tarifário imposto pelo presidente
Donald Trump a 42% da pauta de exportações do Brasil fechou imediatamente o
mercado dos Estados Unidos para elas. De última hora, por motivos que nada têm
a ver com comércio, o Brasil passou a pagar a maior tarifa entre todos os
países do mundo, ao lado da Índia. Há uma situação de emergência clara que
atinge a indústria de transformação, partes significativas do agronegócio e, de
maneira geral, pequenas e médias empresas exportadoras. O programa anunciado na
quarta-feira pelo governo federal traz algum alívio aos setores prejudicados, a
um custo inicialmente pequeno. Gastos de R$ 9,5 bilhões com o Brasil Soberano,
nome de batismo com pegada eleitoral, ficarão fora da meta fiscal e são o ponto
indesejável das medidas.
Em relação ao tamanho da dívida bruta e mesmo
dos demais rubricas que não contam para a meta primária - como os R$ 48,3
bilhões de precatórios -, a quantia é modesta. Ao não incluí-la no esforço
fiscal, porém, o governo deu mais um sinal de que daqui para frente, durante um
ano eleitoral, usará mão do mesmo expediente toda vez que precisar incorrer em
gastos extraordinários. Oportunidades podem não faltar.
Dado o histórico dos programas de socorro
oficiais, que tendem a sobreviver por muito mais tempo do que os efeitos das
emergências que os criaram, é importante que tenham data certa para acabar,
regras claras de acesso, foco nos ramos mais prejudicados das exportações e
transparência. As regulamentações por vir dirão se essas preocupações básicas
foram ou não contempladas.
A principal via de socorro para minorar a
falta de capital de giro, cujo fluxo cessou pela interrupção súbita das vendas,
são os R$ 30 bilhões do Fundo de Garantia de Exportação (FGE), para o qual o
governo não terá de fazer aportes. O fundo conta com superávit de R$ 50 bilhões
e patrimônio líquido de R$ 51,4 bilhões, e a parcela alocada fornecerá crédito
com juros subsidiados para as empresas atingidas pelo tarifaço. Não há taxas de
juros definidas ainda, nem prazos e condições de amortização, que serão
definidas pelo Conselho Monetário Nacional. Até hoje, o FGE tem servido para
compensar o BNDES por calotes tomados em projetos financiados pelo Brasil a
empresas brasileiras em projetos na Venezuela e em Cuba.
Analistas fazem dois reparos à forma e a
finalidades do crédito do FGE. Para Ricardo Ramos, consultor e ex-diretor do
BNDES, os recursos do fundo seriam melhor aproveitados se, em vez do crédito
direto, fosse usado para bancar garantias aos empréstimos, o que permitiria
maior alavancagem (Valor,
ontem). Um problema relevante é a permissão do uso de recursos que são
claramente emergenciais para outras finalidades, como inovação tecnológica.
Ainda que inovação seja crucial para o futuro, não apenas das empresas agora
afetadas, a linha de crédito foi instituída com o fim claro de manter os
negócios à tona diante de uma ameaça fatal.
Isso influi na avaliação sobre se os recursos
são ou não suficientes para seu objetivo. Com a inclusão de inovação
tecnológica, não devem ser e poderá faltar dinheiro para as companhias que
procuram, em primeiro lugar, sobreviver. O FGE terá a grosso modo cerca de US$
5 bilhões para “cobrir” tarifas predatórias sobre aproximadamente US$ 17,5
bilhões de vendas aos EUA, tarefa na qual será auxiliada com outras medidas, como
o diferimento de impostos por dois meses. Em princípio, parece um bom montante
inicial, se não for dispersado em objetivos paralelos e não imediatos. Esses,
por sinal, podem servir de pretexto para novos aportes e manutenção, além do
tempo necessário, de crédito subsidiado no futuro, uma praga constante de
programas de auxílio oficiais.
As demais ações do programa oferecem apoios
importantes. O Reintegra, para ressarcir o exportador por eventuais tributos
pagos ao longo da cadeia de produção dos bens, subirá de alíquota de 0,1% para
3,1% para as grandes empresas e 6,1% para pequenas e médias. É uma renúncia
fiscal de R$ 5 bilhões, que, somada aos R$ 4,5 bilhões de ampliação da proteção
a riscos de calote e cancelamento de contratos, soma os R$ 9,5 bilhões para os
quais a União pediu dispensa de inclusão na meta fiscal. O Congresso precisa
aprová-la. É de eficácia duvidosa, porém, a compra pelos governos dos bens
perecíveis que deixarão de ser vendidos aos EUA por 180 dias, que serão
incluídos nos programas de alimentação. A máquina estatal tem pouca agilidade e
eficiência para promover distribuição adequada e de baixo custo.
As ações corretas tomadas pelo governo não visam a resolver todos os problemas. A redução das tarifas seria uma solução, mas ela não está à mesa. Trump se recusa a discutir qualquer coisa com o Brasil e faz exigências inegociáveis, que ferem a soberania brasileira. Outra solução é buscar novos mercados, o que exige, além de tempo, políticas perenes, e não emergenciais, de aumento de produtividade, redução de custos, melhoria tecnológica, custo de capital compatível, melhor infraestrutura exportadora e, parte vital de tudo isso, equilíbrio nas contas públicas.
Paliativo pós-tarifaço embute riscos
Folha de S. Paulo
Plano de Lula para socorrer empresas
constitui nova violação das regras orçamentárias e pode ser aviltado por
lobbies no Congresso
Não há objetivo de modificar a política protecionista, que dificulta a reorientação de exportadores afetados pela guerra comercial
As providências
anunciadas pela administração petista a fim de atenuar os
efeitos do tarifaço de Donald Trump parecem
comedidas e devem auxiliar algumas empresas na transição de seus negócios. Mais
uma vez, no entanto, desprezam as regras orçamentárias —e ainda podem ser
objeto de lobbies daninhos no Congresso
Nacional.
Em última análise, cabe acrescentar, mesmo
o futuro mais
próximo das empresas exportadoras, em particular das que têm
os Estados
Unidos como destino de seus produtos, dependerá de mudanças na
política comercial.
De mais importante, o plano do governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT), batizado politicamente como "Brasil Soberano",
prevê linha de
crédito de R$ 30 bilhões e benefícios fiscais para empresas que
vendem para os EUA, em montante limitado a R$ 5 bilhões.
Fundos de garantias de crédito receberão
novos recursos, no total de R$ 4,5 bilhões, o que constitui despesa primária,
ou seja, não financeira —que, portanto, deveria estar enquadrada nos limites
das normas fiscais.
Ainda que o valor não seja expressivo para as
dimensões do Orçamento, trata-se de mais uma exceção aberta no chamado
arcabouço, assim como gastos com precatórios, emergências climáticas e
devolução de valores cobrados de modo fraudulento de beneficiários do INSS.
Desse modo, o plano para o controle da dívida pública perde mais credibilidade.
Os empréstimos virão do Fundo de Garantia de
Exportação, que ora dispõe de mais de R$ 50 bilhões. Como, ao menos por ora,
não haverá aporte novo do governo ao FGE, não haverá despesa aí.
O plano declarado é financiar em especial
pequenas e médias empresas mais prejudicadas pela tarifa americana de 50%,
embora o dinheiro possa ser emprestado a outros tomadores. Ainda não há
definição de taxas de juros, inferiores às de mercado, prazos e critérios de
seleção.
O benefício fiscal maior virá da ampliação do
programa Reintegra, que em teoria devolve a exportadores impostos
domésticos que foram pagos e, pois, incorporados ao custo dos produtos vendidos
no exterior.
Na prática, o Reintegra funciona com subsídio
genérico, calculado com base em uma porcentagem do valor exportado, a ser
elevada. Prevê-se que o benefício se limite a firmas que vendem para os EUA. O
risco é de que, no Congresso, a isenção seja concedida a qualquer exportador.
Será permitida ainda a postergação do
pagamento de impostos e dívidas com o governo por dois meses. O prazo para ter
direito à isenção tributária para insumos de exportação foi estendido.
Os problemas do "Brasil Soberano",
além do desrespeito às regras fiscais, são os costumeiros. Cria-se um sistema
de empréstimos subsidiados, porta aberta para mais crédito direcionado. Não há
planos de modificar uma política de cunho protecionista, que dificulta a
inescapável reorientação de exportadores afetados pela guerra
comercial.
Mais remédios contra as fraudes fiscais
Folha de S. Paulo
Caso que envolve Fazenda de SP e varejistas
Ultrafarma e Fast Shop é oportunidade para ampliar mecanismos de controle
Em tempos de debates sobre a redistribuição da carga tributária, é premente, também, que as regras legais estabelecidas sejam rigorosamente cumpridas
Deflagrada pelo Ministério
Público de São Paulo,
a Operação
Ícaro dá seus passos iniciais para desvendar um suposto e intrincado esquema
de pagamento de propinas para antecipar e garantir a liberação de créditos de
ICMS.
Se não há dúvida de que o caso ainda demanda
investigações mais aprofundadas, causa espécie que as suspeitas
envolvam grandes varejistas, um alto servidor da Fazenda paulista e, sobretudo,
uma soma bilionária.
Foram presos na terça (12) Sidney
Oliveira, figura conhecida por estrelar vídeos publicitários da sua
rede Ultrafarma; Mario Otávio Gomes, diretor estatutário das lojas Fast Shop;
e Artur Gomes
da Silva Neto, supervisor da diretoria de fiscalização da Secretaria
da Fazenda do governo Tarcísio de
Freitas (Republicanos).
Segundo a Promotoria, a fraude teria
movimentado mais de R$ 1 bilhão. O ponto de partida para o inquérito foi a
fabulosa evolução patrimonial de uma empresa registrada em nome da mãe
do auditor fiscal, uma professora aposentada da rede pública.
Relatório aponta que a mulher declarou
patrimônio de R$ 411 mil no Imposto de Renda em 2021, R$ 46 milhões no ano
seguinte e, em 2023, nada menos que R$ 2 bilhões. A suspeita é que seja uma
"laranja" do esquema.
Processos administrativos, dizem os
promotores, eram manipulados para permitir que as duas empresas abatessem o
imposto pago na compra de mercadorias, evitando a cobrança em cascata. Em
troca, o auditor e outros funcionários da secretaria, também sob investigação,
teriam recebido propina em dinheiro.
O escândalo pode ir além, já que outras
notáveis do varejo também
são investigadas, suspeitas do mesmo expediente. Uma possível
delação premiada pode auxiliar nesse processo.
A Ícaro é mais uma da
série de operações realizadas desde 2015 que tentam elucidar possíveis atos
de corrupção ligados
a fiscais da Fazenda de São Paulo. Alvos das blitze, inclusive, aparecem em
mais de uma investigação.
O governo paulista diz que atua contra
eventuais desvios, mas é dever das autoridades ampliar mecanismos de controle
internos e externos, com cruzamento eletrônico de dados; rastrear patrimônio e
conflito de interesses de agentes do Estado; monitorar eventual enriquecimento
ilícito; punir com rapidez e visibilidade, a bem do serviço público.
Em tempos de debates acalorados sobre a legítima redistribuição da pesada carga tributária no país, é premente, também, que as regras legais estabelecidas sejam rigorosamente cumpridas.
Da mão para a boca
O Estado de S. Paulo
Pacote para ajudar setores afetados pelo
tarifaço de Trump é insuficiente. Mais uma vez, driblam-se limites fiscais e
adiam-se reformas que tornariam o Brasil menos sujeito a esses
Demorou, mas o socorro aos setores
prejudicados pelo tarifaço de 50% dos EUA foi finalmente anunciado nesta
semana. O governo abrirá uma linha de crédito de R$ 30 bilhões aos exportadores
com juros mais baixos, aportará recursos em fundos para garantir o acesso a
financiamentos e seguros por pequenas e médias empresas, adiará o recolhimento
de tributos e devolverá parte dos impostos pagos pelo setor privado ao longo da
cadeia produtiva. Além disso, produtos perecíveis que seriam enviados aos EUA e
que estão parados nos portos poderão ser adquiridos pela União, Estados e
municípios para aproveitamento na merenda escolar.
De forma geral, as medidas são essencialmente
corretas, e espera-se que o Congresso as aprove com celeridade para minimizar o
impacto do tarifaço na economia brasileira. Mas a imprevisibilidade que
caracteriza as decisões do presidente dos EUA, Donald Trump, sugere que essas
sanções não serão as últimas. Como já ficou claro, ao menos no caso brasileiro,
elas nunca tiveram nada a ver com negócios, tendo em vista que o saldo da
balança comercial entre EUA e Brasil é clara e consistentemente favorável aos
americanos há anos.
Como reconheceu o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, novas ações de caráter emergencial ainda poderão ser
necessárias, situação complexa para um país em desequilíbrio orçamentário. Não
foi por outra razão que R$ 9,5 bilhões que integram o pacote – R$ 5 bilhões em
renúncias fiscais e R$ 4,5 bilhões em aporte do Tesouro a fundos para subsidiar
as exportações – ficarão fora da meta fiscal. Simplesmente não há espaço para
acomodar esses gastos sem comprometer o objetivo de zerar o déficit, e o
governo, de sua parte, não tem a menor pretensão de admitir que atingi-lo é uma
tarefa impossível.
Iniciativas como essas embutem custos fiscais
explícitos ou implícitos que resultam, em última instância, em taxas de juros
mais elevadas para toda a economia. É, afinal, o déficit estrutural entre
receitas e despesas da União que eleva a dívida pública e a taxa básica de
juros necessária para financiá-la, e enquanto não houver sinais de reversão
dessa curva, o ciclo somente se retroalimentará, de forma a elevar o custo do
socorro ao setor privado.
Nesse sentido, os poucos segmentos que ainda
tinham condições de inserir seus produtos no disputado mercado americano e que
foram alvo do tarifaço estão longe de ser o maior problema. Seja por iniciativa
própria, seja pelo apoio da diplomacia brasileira, será apenas questão de tempo
até que eles encontrem novos clientes dispostos a adquirir seus produtos mundo
afora.
Difícil mesmo será resolver questões
anteriores ao tarifaço, que impedem a inserção do País nas cadeias produtivas
globais e reduzem a competitividade de nossa economia há décadas. Esse é o caso
da maioria da indústria brasileira, para a qual nem mesmo o maior dos pacotes
proporcionaria a competitividade necessária para exportar parte de sua
produção.
Impostos mais baixos, juros subsidiados e
infraestrutura em bom estado não compensam a falta de investimentos em
tecnologia. Taxas de importação elevadas podem até garantir a sobrevivência de
algumas empresas e preservar empregos, mas aumentam o custo de produção e
corroem a produtividade do País.
Propostas que reduzam o custo do Estado são a
única forma de quebrar esse círculo vicioso. Ainda que haja espaço para
corrigir distorções e torná-la mais justa e progressiva, a carga tributária
brasileira já é bem mais elevada que a de países emergentes. Como as despesas
têm crescido continuamente acima das receitas e da inflação nos últimos anos,
não será pelo aumento da arrecadação que o desequilíbrio das contas públicas
será resolvido.
Esse debate, no entanto, está interditado até
as eleições. Até lá, permanecem muitas dúvidas sobre como essas iniciativas
serão postas em prática, e o Congresso ainda poderá aumentar o custo e a
duração desse apoio, tendo em vista os setores atingidos. De emergência em
emergência, o País adia esse debate e retroalimenta esse círculo vicioso em um
mundo cada vez mais instável.
Trump desmoraliza direitos humanos
O Estado de S. Paulo
Ao caracterizar o Brasil como uma ditadura,
enquanto poupa regimes violadores de direitos humanos, relatório dos EUA mostra
como Trump desvirtua os valores que seu país ajudou a
O mais recente relatório de direitos humanos
do Departamento de Estado dos EUA revela mais sobre a política externa do
presidente Donald Trump do que sobre as realidades que alega documentar. Ao
inverter prioridades, encurtar investigações e hipertrofiar recortes
convenientes, o texto se transforma num instrumento de retaliação política – e
não numa avaliação séria e universal dos direitos humanos. É um manual de como
subverter valores que, por décadas, definiram a imagem internacional dos EUA: a
defesa da liberdade, do Estado de Direito e da democracia.
O caso do Brasil é exemplar. O documento
concentra críticas nas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) contra
apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusando repressão à liberdade de
expressão e perseguição política. Há abusos reais – decisões monocráticas sem
devido processo, censura seletiva nas redes sociais, prisões preventivas
prolongadas – que exigem correção. Mas o relatório falseia a escala desses
problemas no caso brasileiro e contemporiza outros regimes que violam
flagrantemente os direitos humanos, como El Salvador, Israel, Hungria,
Filipinas e Arábia Saudita – cujos governos são todos alinhados a Trump
Pelo cotejamento de monitores respeitados,
como os da Freedom House, V-Dem, Human Rights Watch ou World Justice Project, o
Brasil está longe da repressão típica de autocracias. Mantém eleições
competitivas, imprensa livre e um Judiciário – em que pesem todos os seus
desvios – relativamente funcional. O relatório distorce essa realidade para
emoldurar o País como caso extremado, justificando sanções comerciais ilegais e
medidas de intimidação contra magistrados.
Trump instrumentaliza a pauta de direitos
humanos como já fez com o comércio internacional, a política externa e a defesa
da democracia: armas seletivas contra adversários e blindagem para aliados. Sob
sua lógica transacional, regimes ideologicamente alinhados ou úteis a seus
interesses escapam de reprimendas; governos adversos à agenda Maga são expostos
a recriminações e sanções exorbitantes. É a mesma mentalidade que o leva a
bajular autocratas, minimizar atrocidades de aliados e atacar a imprensa,
universidades e agências científicas quando seus dados ou análises contrariam a
narrativa oficial.
A hipocrisia é gritante. Como Trump cobra de
outros países respeito à liberdade de expressão quando manda universidades
cercearem discursos, ordena que museus retratem a história americana segundo o
seu ponto de vista, intimida jornalistas e processa veículos que ousam contrariá-lo?
Como posar de guardião do Estado de Direito enquanto pressiona tribunais para
obter decisões políticas ou dissemina teorias conspiratórias que corroem a
confiança nas eleições? A mendacidade de Trump e seus abusos contra direitos e
liberdades fundamentais – de deportações em massa à repressão de protestos –
minam qualquer autoridade moral de sua diplomacia.
No Brasil, a escalada recente – tarifas
punitivas, sanções pessoais e retórica truculenta – é desproporcional, ilegal e
extorsiva. Serve menos à proteção de direitos humanos e mais a uma tentativa de
influenciar processos judiciais e o cenário eleitoral. O País, com todas as
suas mazelas, não pode ser equiparado a regimes que criminalizam a dissidência,
fecham Parlamentos ou fraudam eleições. E muito menos pode aceitar que seus
Poderes sejam chantageados para anistiar um notório golpista.
Não se trata de absolver nossas autoridades
de críticas: o STF, o Executivo e governos estaduais têm cometido abusos contra
liberdades fundamentais. Mas aceitar que a pauta de direitos humanos seja usada
como pretexto para sanções e ingerências é abrir a porta para que qualquer
dissenso interno seja explorado por interesses externos.
O relatório, nesta versão trumpista, é um
retrato de como valores historicamente americanos podem ser distorcidos até a
desfiguração total, convertendo-se em instrumentos de coerção seletiva. É mais
um passo firme rumo a um mundo menos regido por regras e mais confortável para
os fortes – e, paradoxalmente, mais hostil para as próprias democracias que os
EUA um dia ajudaram a proteger.
Enfim, o teste na Margem Equatorial
O Estado de S. Paulo
Após muita delonga, avaliação decisiva na Foz
do Amazonas está prestes a acontecer
Petrobras e Ibama finalmente chegaram a um
acordo para a avaliação pré-operacional (APO), último teste a ser realizado
antes da concessão de licença para a perfuração de um poço na Bacia da Foz do
Amazonas, no Amapá, parte da chamada Margem Equatorial.
Tanto a Petrobras quanto a autarquia
ambiental ajustam agora os detalhes sobre esse importante e aguardado teste,
com duração prevista entre três e quatro dias. A simulação deve ocorrer na
semana de 24 de agosto.
O essencial é que o impasse em torno da
autorização da APO parece finalmente superado, e que, tão logo estejam
garantidas todas as condições necessárias, o teste ocorra.
No final de julho, a Federação Única dos
Petroleiros (FUP) afirmou que, parada, a sonda de perfuração a ser utilizada no
teste custa ao País mais de R$ 4 milhões por dia, o que apenas reforça a
necessidade de que a avaliação seja prontamente efetuada.
Caso o resultado da APO seja considerado
positivo, e o Ibama emita a licença de exploração, a Petrobras tem condições de
iniciar imediatamente a perfuração do bloco FZA-M-59, com capacidade estimada
de 5,6 bilhões de barris de petróleo.
Ambos do Amapá, tanto o presidente do Senado,
Davi Alcolumbre (União Brasil), quanto o líder do governo no Congresso, senador
Randolfe Rodrigues (PT), obviamente celebraram o acordo para a realização do
teste. Políticos da região, independentemente do verniz ideológico, defendem a
exploração de petróleo na Margem Equatorial por entenderem ser uma oportunidade
única de desenvolvimento para os empobrecidos Estados amazônicos.
Nos últimos anos, o sucesso econômico da
Guiana, país sul-americano que graças à exploração de petróleo deve crescer
invejáveis 10,3% neste ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), não
só alimentou a esperança de que o Amapá pode ter a mesma sorte, como apoia o
argumento de que o Brasil, por purismo ambiental, não pode deixar submerso um
tesouro já explorado por países vizinhos.
Já os opositores da exploração na Margem
Equatorial temem impactos ambientais na região amazônica, além de acreditarem
que o Brasil já tem reservas fósseis o suficiente e que, por isso mesmo,
deveria ocupar-se apenas do desenvolvimento de fontes alternativas.
Obviamente legítima, a preocupação dos
ambientalistas em nada justifica o atraso, já descrito como “lenga-lenga” pelo
presidente Lula da Silva, na realização de um teste fundamental para determinar
se a exploração na Foz do Amazonas é realmente viável. Vale ressaltar ainda que
a Petrobras não apenas é uma das principais produtoras globais de petróleo em
águas profundas, como é reconhecida internacionalmente pela expertise nessa
área.
A realização da APO é um imperativo e deveria
ser defendida até por quem é contra a exploração na Foz do Amazonas, uma vez
que esse é o teste que determinará se a produção de petróleo na região pode
ocorrer de forma segura.
Se a exploração for autorizada, roga-se que as forças políticas da região, useiras e vezeiras em trabalhar apenas para seus interesses pessoais em detrimento de seus pobres representados, aproveitem a prometida bonança para melhorar efetivamente a vida da população local.
Licenciamento ambiental: crise e vetos exigem
diálogo
Correio Braziliense
A ministra Marina Silva reforçou a abertura
do governo federal para debater com os parlamentares e evitar que as leis de
licenciamento ambiental sejam violadas. Há mesmo de se ter diálogo
O Projeto de Lei 2.159/2021, que
institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, recebeu, no último dia 8, 63
vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de um total de 400 dispositivos
que haviam sido aprovados pelo Congresso Nacional, o que desagradou a segmentos
como o do agronegócio e parte dos setores empresariais. Entidades como
Greenpeace Brasil e SOS Mata Atlântica, por sua vez, comemoraram os vetos, já
que a maior parte deles enfraqueceria as regras de licenciamento ambiental, a
proteção da Mata Atlântica, as unidades de conservação e os direitos dos povos
originários.
A medida provisória e outro projeto de
lei foram assinados, com urgência constitucional, na tentativa de recompor em parte
os dispositivos vetados. A MP 1.308 trata exclusivamente da regulamentação do
chamado Licenciamento Ambiental Especial (LAE), que ainda será discutido. Serão
revistos, portanto, pontos problemáticos, além do veto à possibilidade de ser
realizado em fase única, como defendida por segmentos que exigem a celeridade
dos processos ambientais. Essa modalidade de licenciamento poderá ser acionada
apenas para projetos prioritários, que terão equipes focadas em agilizar os
processos.
Em entrevista, ontem, ao Canal Gov, a
ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, reforçou a abertura
do governo federal para debater com os parlamentares e evitar que as leis
de licenciamento ambiental sejam violadas. Há mesmo de se ter diálogo. As mudanças
climáticas são uma realidade presente, com prognósticos críticos.
Desconsiderá-los ou tomar decisões sem suporte técnico só vai piorar o cenário
de crise.
A Agenda 2030, criada em 2015, teve
recentemente um retrocesso em 40 das 69 metas apresentadas pela Organização das
Nações Unidas (ONU). Além disso, o relatório evidenciou a baixa progressão na
maioria das metas, que estão muito distantes de serem cumpridas num prazo
exíguo, como zerar o desmatamento ilegal, adotar medidas de mitigação dos
efeitos climáticos, substituir combustíveis fósseis e proibir o fogo como
instrumento agrário.
Nos últimos anos, o Brasil tem registrado
incêndios de proporções similares aos de países como Estados Unidos, Canadá e
Portugal, que pagam um preço alto por esses fenômenos extremos, com prejuízos
diretos ao meio ambiente. Segundo o MapBiomas, três em cada quatro hectares
queimados (73%) foram de vegetação nativa, principalmente em formações
florestais, que totalizaram 25% da área total queimada no país. Mais de 30,8
milhões de hectares foram queimados no país entre janeiro e dezembro de 2024,
uma área maior que todo o território da Itália.
Estamos a menos de três meses da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, maior encontro sobre o tema do mundo, em novembro, no Pará. Não podemos perder a oportunidade de discutir caminhos e buscar soluções para um futuro melhor do planeta, ainda que não tenhamos muito a nos orgulhar como anfitriões. Antes, há um dever de casa: chegar a um consenso em direção a regras maduras e sustentáveis para os licenciamentos ambientais.
Pacote do tarifaço é lançado em clima de
tensão
O Povo (CE)
O ponto positivo é que, mesmo com algumas
ressalvas, as proposições foram bem recebidas pelo empresariado, recolhendo
ainda aprovação de analistas econômicos
Sob a pressão dos Estados Unidos, que
aumentam as sanções econômicas e políticas contra o Brasil, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva anunciou na quarta-feira o pacote de medidas para amenizar
a crise instalada a partir do tarifaço imposto pelo presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump.
Na mesma semana em que Lula anunciava as
providências tomadas pelo governo brasileiro para socorrer os exportadores,
Donald Trump lançou mais dois petardos contra o Brasil.
O primeiro foi o relatório do Escritório do
Departamento de Estado dos EUA, afirmando ter havido retrocesso nos direitos
humanos no governo Lula e atacando o Supremo Tribunal Federal (STF) por,
supostamente, cercear o direito à livre expressão, especialmente do
ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados.
A outra medida, também no âmbito do
Departamento de Estado, foi a revogação de visto de Mozart Júlio Tabosa Sales,
secretário do Ministério da Saúde do Brasil e de Alberto Kleiman,
ex-funcionário do governo brasileiro, que seriam "cúmplices de um esquema
de trabalho forçado", referência ao programa Mais Médicos. Rubio
considerou "um golpe diplomático inconcebível" a atuação dos médicos
cubanos no Brasil. Ex-funcionários da Organização Pan-Americana da Saúde
(Opas), com a qual o Brasil mantinha convênio para intermediar o trabalho dos médicos
cubanos, também foram atingidos.
Foi em um clima tensionado que o presidente
Lula apresentou as propostas para socorrer as empresas atingidas pelo tarifaço.
Em uma demonstração de unidade em torno das medidas, estiveram na solenidade de
lançamento do pacote o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do
Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). A presença de ambos demonstra que foi
possível um alinhamento de propostas, o que facilitará a aprovação da medida
provisória que será enviada ao Congresso.
A providência mais destacada foi a destinação
de R$ 30 bilhões para apoiar empresas impactadas pela tarifa de 50%. Recurso
que propiciará a abertura de linhas de crédito com condições facilitadas.
Em seu discurso, Lula reafirmou sua
disposição de negociar, mas ressalvou que o debate não é econômico, mas
"político e com teor ideológico". O fato é que uma solução negociada
parece cada vez mais distante, pelo menos a curto prazo. Portanto, o Brasil
precisa preparar-se, caso o conflito permaneça, mas sem deixar de insistir nas
negociações.
O ponto positivo é que, de modo geral, mesmo
com algumas ressalvas, as proposições foram bem recebidas pelo empresariado,
recolhendo ainda aprovação de analistas econômicos. A aceitação do pacote é um
bom sinal, pois a tramitação das propostas tende a ser mais rápida.
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