segunda-feira, 16 de maio de 2022

Luiz Werneck Vianna*: Lendo e interpretando os sinais

Os antigos acreditavam que as vísceras de animais sacrificados em rituais podiam decifrar acontecimentos futuros, já os navegadores observando em alto mar o voo dos pássaros podiam antever de que logo teriam a terra à vista, predições fazem parte do engenho humano para encontrar confiança nas iniciativas a que se dedicam. Nas circunstâncias brasileiras atuais poucas vezes foi tão fácil prever, os véus da incerteza foram descerrados e a transparência impera, um golpe militar se prepara à vista de todos, faltando a data se antes ou se no decurso do processo eleitoral.

Diante desse cenário aziago a sociedade prende a respiração e especula sobre qual forma conheceria esse infausto evento. Será a do modelo de 1964, com tanques na rua, prisões em massa de lideranças políticas, de movimentos sociais e personalidades selecionadas, com cassações de mandatos políticos; os grandes jornais serão submetidos à censura prévia nas suas edições, o STF será posto sob intervenção por um cabo e dois soldados?

Nesse ponto, o futuro escapa à previsão do observador limitado ao campo de visão das ações dotadas de racionalidade, fora delas, como na Alemanha dos anos 1930, reina o imprevisível em que uma vontade tirânica se impõe sem outro propósito que não a acumulação de poder político no exercício do seu poder coercitivo. É da lógica da situação que, caso vingue o golpe, seu desdobramento natural será a institucionalização do fascismo sempre latente entre nós desde o Estado Novo de 1937 a 1945.

Marcus André Melo*: Polarização e voto

Folha de S. Paulo

A economia afeta o voto, ou o voto afeta a percepção da economia?

A polarização política afeta a percepção sobre o desempenho do governo e da economia. Mas muitas análises tendem a focar a avaliação do governo ou dos governantes, obtidas em pesquisas, como determinantes cruciais do voto. As respostas às pesquisas são contaminadas por uma espécie de torcida partidária (no jargão, "partisan cheerleading"); elas são uma forma de comportamento expressivo: o(a)s eleitores querem comunicar emoções com suas respostas. Não analisar.

Em "A Política da Beleza: os Efeitos do Viés Partidário sobre Atratividade Física", Nicholson et al concluíram que a polarização atual nos EUA leva os indivíduos a acharem seus copartidários fisicamente mais atraentes que os do partido adversário. Sim, entre nós ela tem levado algumas pessoas a terem um "crush" nos candidatos do partido com o qual simpatizam.

Assim, a polarização política contamina a percepção das pessoas praticamente em todos os domínios da vida social. Não seria diferente no que se refere à economia e às políticas públicas. Mas aqui a forma convencional de pensar a causalidade entre economia e política é posta de ponta-cabeça: os analistas se perguntam como o comportamento da economia afeta o voto, e não o oposto, que é o foco.

Celso Rocha de Barros: Doria versus Tebet

Folha de S. Paulo

Seja lá quem vencer a disputa desta semana terá uma vida difícil

Nesta semana, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) tentará se consolidar como candidata da terceira via. No caso, terceira via na disputa altamente polarizada entre João Doria e o PSDB.

Na terça-feira haverá uma reunião em que o presidente do PSDB, Bruno Araújo, tentará convencer o partido a desistir da candidatura de Doria e apoiar Tebet. Os dois são os únicos candidatos da terceira via de pé no ringue. Na última pesquisa Ipespe eles tinham, respectivamente, 3% e 1% das intenções de voto.

Em abril, partidos de centro e centro-direita que se autodenominaram terceira via –PSDB, MDB, Cidadania, União Brasil– haviam combinado uma candidatura comum para 2022. Até agora, não deu muito certo.

Hamilton García de Lima*: Que frente democrática para o Brasil?

Folha de S. Paulo

Problema das frentes políticas remonta ao início do atual período democrático

O tema das frentes políticas voltou a estar no centro da discussão no Brasil e tem sido abordado de variadas maneiras desde que a democracia passou a ser ameaçada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Porém, o problema remonta ao início do atual período democrático, em particular ao processo constituinte dos anos 80. Um dos enfoques recentes aborda o problema na perspectiva das lideranças. O cientista político Sérgio Abranches, por exemplo, considera que há "lideranças que se consideram democráticas" mas, no fundo, são intolerantes frente a "grupos de campos ideológicos distintos".

Segundo este autor, as frentes políticas deveriam ser formadas com base numa "agenda mínima", deixando-se de lado diferenças específicas e ideológicas em prol da "contradição principal", que seria a disjuntiva "neofascismo versus democracia republicana".

Outra abordagem, proposta pelo ensaísta Luiz Sergio Henriques, invoca a ameaça protofascista como um processo de deterioração interno da democracia brasileira.

O remédio apresentado por este autor é o centro político como um espaço "para fazer mover o conjunto das forças políticas e a própria sociedade". A pedra no caminho desta alternativa seria, no dizer de Henriques, a "incerteza sobre o principal partido da esquerda, sua linha básica e a orientação dos seus simpatizantes, que não foram treinados na política de frentes". Porém, na sua perspectiva, parece bastar ao PT acenar simbolicamente ao centro, escolhendo um vice-presidente conservador, "para acalmar os mercados".

Os problemas e desafios que ambos autores colocam são reais e necessitam de solução, embora me pareça que o centro político esteja longe de poder oferecer qualquer alternativa no atual contexto brasileiro, perdido que está em sua ortodoxia programática e sua catatonia política.

Fernando Gabeira: O golpe nosso de cada dia

O Globo

Férias. Pensei em escrever artigos sobre novos temas. Mas como fugir da ameaça de golpe que domina o noticiário? O problema é que nem sobre isso posso escrever como queria.

A preparação para resistir a um golpe implica inúmeras iniciativas. Vivi dois, um no Brasil, outro no Chile, sem contar tentativas fracassadas.

Lembro-me de ter escrito em Santiago um artigo para a revista Punto Final sobre o golpe no Brasil e algumas lições sobre seu êxito. Escrever sobre resistência a um golpe num jornal nacional acabaria dando ao próprio golpe algumas ideias de como melhor se instalar no país, neutralizando a resistência.

Prefiro, no momento, outro caminho: escrever sobre as vantagens da democracia. Isso me dá a possibilidade de abordar alguns temas sepultados no Brasil de hoje.

Demétrio Magnoli: A farda e a toga

O Globo

A Constituição define as funções das Forças Armadas: “defesa da Pátria”, “garantia dos poderes constitucionais” e, por iniciativa de qualquer dos Poderes, “garantia da lei e da ordem”. Reunidos logo após o encerramento da ditadura militar, os constituintes pretendiam vincular os homens em armas à proteção do sistema democrático. Hoje, sob o comando de Bolsonaro, uma facção fardada flerta com o golpismo. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) colabora involuntariamente com os ensaios golpistas ao conduzir, à revelia do texto constitucional, um debate sobre a segurança das urnas com o Ministério da Defesa.

A articulação golpista de Bolsonaro ganhou forma operacional em março de 2021, com a ascensão de Walter Braga Netto ao cargo de ministro da Defesa e a simultânea substituição dos três altos comandantes militares. Edson Pujol, o comandante demitido do Exército, confrontara o presidente ao declarar que as Forças Armadas são instituição de Estado, não de governo ou de partidos. Depois da represália, os fardados aceitaram participar da retórica golpista emanada do Planalto.

Carlos Pereira: Servindo a dois senhores

O Estado de S. Paulo

Presidentes são agentes de eleitor e de legislador que nem sempre compartilham da mesma preferência

É muito difícil um presidente ser ao mesmo tempo popular e desfrutar de um bom relacionamento com o Legislativo. O presidencialismo multipartidário brasileiro, na realidade, carrega um paradoxo quase que inexorável entre popularidade e governabilidade.

As preferências do eleitor mediano, que elege o presidente pelo voto majoritário em dois turnos no território nacional, na grande maioria das vezes não são alinhadas com as preferências do legislador mediano, eleito pelo voto proporcional nos Estados.

Se o presidente priorizar os eleitores, muito provavelmente aumentará a sua popularidade. Por outro lado, se ignorar o legislador mediano, possivelmente enfrentará problemas de governabilidade, caracterizados por insucesso legislativo, alto custo de governabilidade e maior escrutínio e controle de suas atividades pelo Congresso, podendo levar, inclusive, à interrupção prematura de seu mandato.

É míope supor que, em eleições proporcionais para o Legislativo, o partido do presidente estaria competindo pelas preferências dos eleitores apenas contra partidos de ideologia oposta. Partidos que poderiam ser agrupados no mesmo espectro ideológico competem entre si para ganhar a representação de subgrupos específicos de eleitores. Como resultado, a preferência agregada do Legislativo pode ser muito distante da que elegeu o presidente.

Bruno Carazza*: O poder ultrajovem na disputa Lula x Bolsonaro

Valor Econômico

Geração Z chega às urnas no embalo do TikTok

 “Se você não é de esquerda aos 20 anos, não tem coração. Mas aquele que não é de direita aos 30, não tem nada na cabeça”. A frase provocativa é de autoria imprecisa. Ao longo da história, foi atribuída ao parlamentar inglês Edmund Burke (1729-1797), ao político francês François Guizot (1787-1874), ao rei sueco Oscar II (1829-1909) e até ao primeiro-ministro inglês Winston Churchill (1874-1965). Todos eles, claro, teriam utilizado a citação em sua fase madura e reacionária.

Independentemente de se concordar ou não com a afirmação (este colunista está do lado de quem diverge), ela expressa uma hipótese político-demográfica: o percentual de conservadores cresce à medida em que os eleitores envelhecem. E não faltam evidências anedóticas recentes para reforçar isso.

Segundo pesquisas realizadas à época da votação, os defensores do Brexit derrotaram quem queria permanecer na União Europeia por 60% a 40% na população acima de 65 anos; mas entre os britânicos de 18 a 24 anos, o Brexit levou uma goleada: 27% a 73%.

Sergio Lamucci: Atividade e inflação em 2022 e 2023

Valor Econômico

Se o primeiro trimestre mostrou uma atividade mais forte e o segundo trimestre ainda pode ter desempenho razoável, perspectiva é de uma situação bem mais difícil a partir da segunda metade do ano

A economia brasileira exibe uma combinação de mais crescimento e mais inflação neste semestre, o que tem levado a aumentos frequentes das estimativas para o PIB e para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2022. Há hoje várias projeções de uma expansão da economia na casa de 1% a 1,5% neste ano, enquanto diversas previsões para o IPCA estão em torno de 9%. Com um PIB um pouco melhor e em especial uma inflação resistente, os analistas passaram a apostar num nível mais alto para os juros - e por mais tempo. Por tabela, a expectativa crescente para 2023 é de uma atividade mais fraca, com crescimento de cerca de 1%.

O diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, elevou na sexta-feira a estimativa para a expansão do PIB de 2022 de 0,6% para 1,25%, ao mesmo tempo em que reduziu a previsão para 2023 de 1,2% para 0,9%, número com viés de baixa. Os indicadores do primeiro trimestre mostraram uma atividade mais forte do que se esperava, apesar da piora das condições financeiras e da aceleração da inflação, nota Ramos.

Em março, a produção industrial subiu 0,3% em relação a fevereiro, enquanto os serviços avançaram 1,7% e as vendas no varejo ampliado (que inclui veículos, autopeças e material de construção) cresceram 0,7%. Há sinais de que a expansão da economia continuou no segundo trimestre, aponta ele, mencionando sinais positivos como a melhora da confiança de empresários e consumidores em abril.

Luiz Fernando Janot*: Cidades sob ameaças

O Globo

As cidades brasileiras nunca foram tão ameaçadas como atualmente. Mudanças de comportamento contribuíram para que determinados espaços públicos perdessem sua vitalidade. A multiplicação de shoppings e condomínios fechados, de certa forma, reduziu a presença da população nas ruas e nos eixos estruturadores do comércio de bairro. As tecnologias de comunicação digital favoreceram o trabalho à distância.

A expansão desordenada das cidades também criou distâncias difíceis de superar a qualquer hora do dia, especialmente à noite. Seja pela má qualidade do transporte coletivo ou por questões associadas à violência urbana. Não se pode esquecer que a mistura das funções da cidade a torna mais dinâmica e atraente.

Se o planejamento urbano aliar as contingências empresariais aos interesses da coletividade, teremos uma cidade mais harmônica e mais justa. Transformar em oportunidade o imediatismo que predomina em nossa sociedade poderá contribuir para um futuro mais promissor. No quebra-cabeça urbano, há que estabelecer limites entre a informalidade e a permissividade.

Marcello Serpa: A nostalgia como ansiolítico

O Globo

Todo cheiro é uma ponte para o passado. Dos cinco sentidos, o olfato é o único com ligação direta com a parte do cérebro onde mora nossa memória afetiva. O cheiro de naftalina me transporta de volta às férias de verão no sítio da minha avó no interior do Rio. Um lugar mágico, onde o tempo não passava, e as bolinhas de naftalina, com seu cheiro de passado, conservavam tudo como deveria ser.

Mas o tempo não para, pelo contrário, só acelera, fazendo a vida passar numa velocidade difícil de acompanhar. Conceitos sendo revisados, ideologias, tecnologias morrendo e nascendo, crenças e valores escrutinados e questionados todos os dias numa revolução sem fim.

A cada tuíte ou post polêmico, cada novo livro de História, cada podcast histriônico, live de presidente, a cada barraco no “BBB”, somos obrigados a encarar nossos dilemas do passado. É preciso entender a história da nossa História, sempre contada pelo andar de cima, justificando preconceitos arraigados: racismo, misoginia, homofobia, xenofobia, gordofobia, chauvinismo... e tantas outras palavras para descrever nossa capacidade de odiar o que nos parece diferente. Vivemos num tempo em que nenhuma convicção fica na prateleira o tempo suficiente para justificar uma bolinha de naftalina.

Ruy Castro: Útil e inútil

Folha de S. Paulo

Segundo Cony, é impossível jogar a cultura fora. Ela boia

Fui checar uma informação sobre Louis Armstrong e li que ele se chamava, de verdade, Daniel Louis Armstrong. A princípio, levei um susto —escutando, estudando e amando Louis quase que desde o meu próprio parto, como podia não saber disso? Então me lembrei de que sabia, sim. Só tinha me esquecido. E por que esquecera? Porque talvez essa informação não tivesse importância. Fui ensinado a acreditar que não existe informação desimportante, mas esta devia ser uma exceção —nem a mãe do bebê Louis, em New Orleans, o chamava de Daniel.

Daí me ocorreu que várias pessoas são famosas por nomes que não constam do registro civil. A querida Fernanda Montenegro, por exemplo, se chama Arlete; Junior, ex-Flamengo, Leovigildo. Angela Maria era Abelim; Dolores Duran, Adiléa; Nora Ney, Iracema; Dick Farney, Farnésio; Tito Madi, Chauki; Cazuza, Agenor. Doris Monteiro é Adelina Doris. E Paulo Francis era Franz Paul; Vinicius de Moraes, Marcos Vinicius; Oswald de Andrade, José Oswald. Mas o que se ganha com saber isso?

Fernando Carvalho*: Propriedade privada a mãe de todos os problemas

Para o filósofo Jean-Jacques Rousseau a propriedade privada teve início quando um sujeito cercou um pedaço de terra, que não tinha dono e disse: "Isso aqui agora é meu" e encontrou gente ingênua o suficiente para acreditar naquilo.

A origem da propriedade privada foi uma das, se não a mais importante revolução por que passou a humanidade. Vamos tentar inferir aqui algumas consequências desse ato histórico fundamental. A mais imediata foi o surgimento do "outro" (o inferno são os outros segundo Sartre). Antes havia o "nós". Por exemplo: "Nós", dizia o troglodita, "precisamos de comida". E os homens se reuniam para caçar um mamute e distribuir a carne do bicho entre eles.

A solidariedade era natural entre os homens. A propriedade privada acabou com isso. Com o advento da propriedade e o consequente surgimento do cultivo de alimentos e a criação dos animais, os que ficaram sem terra naquele tempo passaram a ter que pagar pela carne e pelos grãos necessários à sua alimentação. Assim temos que a propriedade privada criou um problema novo para a humanidade, a fome. Antes a fome era um problema individual que um peixe assado resolvia. A propriedade privada engendrou a fome de coletividades inteiras. O dono de um terreno plantava e criava animais para ele e os seus comerem e o possível excedente era destinado ao escambo com outros proprietários de terras. Os "sem-terra" que não tinham sangue de barata para morrer de fome roubavam ou furtavam comida dos proprietários. Assim temos ainda que a propriedade privada deu origem ao roubo e ao ladrão.

Ao dividir a humanidade em duas partes, aquela que tem as coisas e a outra que nada tem, a propriedade privada deu também origem a duas coisas que a humanidade não conhecia: quem tem se acha melhor que quem nada tem. Aqui tiveram origem os sentimentos de superioridade e inferioridade nas pessoas e os corolários: a prepotência de um lado e a inveja do outro.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Na falta de reforma

Folha de S. Paulo

Sem mudanças administrativas, controle de despesa com servidor terá fôlego curto

A pressão da elite do serviço público federal por reajustes salariais cresceu desde o ano passado e desencadeia paralisações de categorias importantes, com impacto no funcionamento da máquina.

Evidência do grau de insatisfação é a minuta de uma medida provisória preparada por funcionários do Banco Central com a previsão de aumento de 22% —logo em seguida retirada com a explicação de que havia inconsistências no texto. No caso dos diretores e do presidente do BC, os índices seriam de 69,6% e 78,5%, respectivamente.

A pretensão é particularmente alarmante por se tratar da instituição que mais tem alertado para o risco de descontrole das finanças públicas e seu impacto na inflação.

Tais pleitos, assim como os de outras categorias, situam-se muito acima do que foi oferecido pelo governo Jair Bolsonaro (PL), isto é, uma alta linear de 5% para todo o funcionalismo. A medida terá custo de R$ 7,9 bilhões em 12 meses, o que exigirá cortes em outras áreas devido às restrições do Orçamento.

A proposta do Executivo desagradou a todos, como era esperado. Cumpre apontar que o presidente precipitou e acentuou as tensões quando inicialmente propôs reajustes apenas para a área de segurança pública, com impacto limitado em R$ 1,7 bilhão.

A tentativa de favorecer uma das bases de apoio ao bolsonarismo provocou uma previsível grita geral, que agora se tenta controlar.

Vinicius de Moraes*: Morte de um pássaro

(Réquiem para Federico García Lorca)

Ele estava pálido e suas mãos tremiam. Sim, ele estava com medo porque era tudo tão inesperado. Quis falar, e seus lábios frios mal puderam articular as palavras de pasmo que lhe causava a vista de todos aqueles homens preparados para matá-lo. Havia estrelas infantis a balbuciar preces matinais no céu deliquescente. Seu olhar elevou-se até elas e ele, menos que nunca, compreendeu a razão de ser de tudo aquilo. Ele era um pássaro, nascera para cantar. Aquela madrugada que raiava para presenciar sua morte, não tinha sido ela sempre a sua grande amiga? Não ficara ela tantas vezes a escutar suas canções de silêncio? Por que o haviam arrancado a seu sono povoado de aves brancas e feito marchar em meio a outros homens de barba rude e olhar escuro?

Pensou em fugir, em correr doidamente para a aurora, em bater asas inexistentes até voar. Escaparia assim à fria sanha daqueles caçadores maus que o confundiam com o milhafre, ele cuja única missão era cantar a beleza das coisas naturais e o amor dos homens; ele, um pássaro inocente, em cuja voz havia ritmos de dança.

Mercedes Sosa - Gracias a la vida

 

domingo, 15 de maio de 2022

Luiz Sérgio Henriques*: Esquerda e questão democrática

O Estado de S. Paulo

Desarmar as armadilhas do terreno novo em que pisamos, e pacificar o País, representará um feito histórico.

Vastas emoções e pensamentos imperfeitos certamente gostariam de nos conduzir para um cenário de duelo fatal entre direita e esquerda, ou entre o bem e o mal, na sucessão próxima, instalando um clima de roleta-russa e conflagrando ainda mais o País. Para tanto, teriam a seu favor a rarefação do centro político e a dificuldade de afirmação de um campo que se quer, por princípio, distante de polos extremos, seja lá o juízo que fizermos sobre a simetria, ou não, de tais polos.

Expulsa pela porta, a questão do centro costuma retornar pela janela, ainda mais num contexto desequilibrado por um governo de extrema-direita, com raso apreço pela institucionalidade. E retorna de variadas formas, traduzindo-se até de modo “filosófico”. O centro, como querem alguns, é menos “aristotélico” do que “hegeliano”, definindo-se antes como relação de forças em tensão do que como termo médio espacialmente definido. Nada muito distante do elo que políticos sagazes agarram e, a partir daí, controlam toda a corrente, por discernirem o problema decisivo de uma conjuntura. Ou, se quisermos, o centro desta mesma conjuntura.

O cerne das nossas atribulações é o perigo autoritário que põe em risco a convivência civil. Não se trata de perigo inédito na História recente. Sem nos alongarmos, há não mais do que uma ou duas gerações configurou-se, de fato, uma questão democrática de natureza que ao menos lembra a de agora. Tempos certamente mais sombrios, uma vez que a anarquia institucional, típica de todo regime de força, parecia requerer soluções radicais para sua superação: por exemplo, o voto nulo, a autodissolução do MDB e, consequentemente, a denúncia da via eleitoral.

Paulo Fábio Dantas Neto*: O fator Simone ajuda mais a Lula: quem tem medo de ser feliz?

A coluna de hoje é dedicada à memória de Eliana Kertész, artista essencial e política ocasional que nos deixou há 5 anos e que faria aniversário nesse sábado. Ela sempre quis muito, mesmo sendo modesta. Faz falta em tempos sombrios.

Até aqui, maio de 2022, a pré-campanha do ex-presidente de República, Luiz Ignácio Lula da Silva, resolveu emular duas das suas cinco campanhas presidenciais anteriores. A primeira, de 1989, desponta através do jingle da estrela, que emociona pessoas maduras e jovens em shows de MPB (e as reuniria também em comícios e atos de rua, se já estivessem ocorrendo ou se ainda puderem ocorrer) e através de clipes que circulam em redes e outros ambientes jovens e/ou “progressistas”, em universidades, no mundo da cultura e do trabalho tradicionalmente organizado.  A emulação da última, de 2006 - em que a esperança se reelegeu já como promessa oficial, livre do medo conservador ao PT, vencido em 2002 e durante o mandato cumpridor de contratos com o mundo da economia, embora não tão zeloso no trato com a República -, mira públicos mais populares e menos descolados. Enquanto o partido, animado, faz seu líder recordar a glória ideológica da derrota de 1989, seu atual vice recorda-lhe, em carne e osso, a vitória de 2006, obtida já no manejo da pequena política e do script do nós x eles.

Nesse tom, fica em boa hora esquecido o tempo das oposições ranzinzas de 1994 e 1998, mas, também, o da “Carta aos Brasileiros” de 2002, momento ímpar na trajetória do líder em que ele, de fato, se retratou na moldura plural do Brasil. Na feliz expressão da jornalista Dora Kramer, o centrismo fake de Lula é um dado concreto a ser considerado para se bem entender o atual contexto e não se viajar na maionese ou exagerar no alho, por mais que seja intragável o bugalho que a extrema-direita nos serve.

Nada a objetar quanto ao direito legítimo do PT e de Lula fazerem a escolha política que estão fazendo. A ampla e sustentada liderança nas pesquisas autoriza a ambição de vencer a eleição com uma frente de esquerda, que é o que até aqui existe. Para se viabilizar a chapa com uma piscada simbólica ao centro, Geraldo Alckmin precisou se filiar ao Partido Socialista. Basta olhar para o que está acontecendo, por exemplo, em Minas Gerais, com as tratativas entre PT e PSD, para se ter ideia do problema que haveria se Alckmin, ao escolher seu novo P, juntasse ao S um D, em vez do B.

O impasse não seria culpa de Alckmin, do PT ou do PSD. Nesses assuntos não cabe buscar culpados. Cabe, no caso, entender o fato de que, no momento, o PT e partidos fora da esquerda não estão se sentindo reciprocamente à vontade para celebrar alianças em prol da candidatura de Lula. Nenhuma tragédia há nisso (a eleição é em dois turnos) e o fato em si não merece censura alguma. O que se deve cobrar do líder das pesquisas não é que mude seu filme. É que não tente nos vender uma versão pirata.

Merval Pereira: Forças desarmadas

O Globo

As Forças Armadas andam muito suscetíveis às críticas que recebem das “forças desarmadas”, expressão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral(TSE) ministro Edson Fachin que provocou mais um impasse retórico entre os militares e o Judiciário. Quando disse que “quem trata das eleições são as forças desarmadas”, Fachin tinha um objetivo claro: advertir que não serão admitidas, dentro dos marcos legais, interferências  externas no sistema eleitoral das urnas eletrônicas.

Logo surgiram outros “recados” do lado militar, afirmando que se sentiram atacados pela frase do ministro do STF e presidente do TSE, assim como se sentiram “ofendidos” pelo comentário do ministro do STF Luis Roberto Barroso quando disse que os militares estavam sendo “orientados” para desacreditarem as urnas eletrônicas. Em nenhum dos casos houve ofensa, apenas reação a fatos concretos que estão à vista de todos.

Bernardo Mello Franco: O golpe de Bolsonaro já começou

O Globo

Jair Bolsonaro é um golpista. Nunca escondeu, nunca disfarçou, nunca se sentiu obrigado a mudar. O capitão ganhou fama como defensor da ditadura e da tortura. Eleito com votos de militares, passou 28 anos na Câmara como símbolo do extremismo de direita.

No terceiro mandato parlamentar, Bolsonaro ganhou as manchetes ao pregar o fechamento do Congresso e o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso. Questionado sobre o que faria se chegasse ao Planalto, abriu o jogo: “Daria golpe no mesmo dia”.

Na mesma entrevista, o então deputado disse que o Brasil precisava de uma guerra civil, mesmo que isso provocasse a morte de inocentes. Ele também escancarou seu desprezo pelas eleições. “Através do voto, você não vai mudar nada neste país. Nada, absolutamente nada”, decretou.

Vera Magalhães: PSDB define futuro da candidatura de Doria na terça

O Globo

Em novo capítulo de sua permanente crise interna, o PSDB convocou para terça-feira uma reunião ampliada da Executiva Nacional, com a participação de deputados federais e senadores, para definir o futuro da pré-candidatura de João Doria à Presidência.

A convocação foi feita pelo presidente da sigla, Bruno Araújo, neste sábado, e a data coincide com a véspera daquela em que o partido, o Cidadania e o MDB disseram que anunciariam um candidato único do chamado centro para concorrer ao Planalto.

O mote para a convocação da assembleia foi uma carta encaminhada por Doria ao dirigente, por meio de seu advogado, Arthur Rolo, também neste sábado, em que depois de um longo arrazoado sobre a realização das prévias e sua validade como instrumento de definição do caminho do partido, diz que usará de "todas as forças para fazer prevalecer a vontade democraticamente manifestada pela imensa maioria dos filiados do PSDB".

Na carta, Doria diz que continua "à disposição" de aliados para a formação de alianças, mas que não aceita abrir mão do protagonismo do PSDB no processo -- ou seja, só aceita aliança se for dele a cabeça de chapa.

Dorrit Harazim: Ignorância é estratégia de poder

O Globo

Pouco antes da eclosão pandêmica da Covid-19, a socióloga canadense Linsey McGoey lançou no mercado editorial de língua inglesa “The unknowers”, ampla exploração do recurso à ignorância como estratégia de poder. A obra da acadêmica chegou em boa hora. Ao focar na “ignorância estratégica” usada por pilantras e/ou donos do poder no curso da História, ela desemboca com força nas políticas populistas dos tempos atuais. E nos convida a compreender o conceito de “ignorância” não como contraponto a conhecimento ou interesse, mas como uma arena de disputa pelo poder social. McGoey demonstra quanto esse conceito floresceu como parte inerente do poder político e do big business em democracias capitalistas. A essência do trabalho está em apontar para o que a autora considera ser ainda o embate central nas sociedades industrializadas do Ocidente: o que não perguntar, o que precisa permanecer escondido.

No auge da pandemia, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conclamou seus seguidores, com todas as letras, a diminuir o ritmo de testes de Covid-19 porque a testagem em massa revelaria uma quantidade alarmante de casos. Caso clássico de poderoso que recorre a um deliberado não saber para apaziguar a opinião pública em momento vulnerável. Seguiu-o quem quis, segundo a hierarquia de acesso e interesse por conhecimento de cada um. Mas, como lembra McGoey, a opção individual pelo não saber nada tem de neutra — sempre foi condicionada pelo leque de vantagens/desvantagens sociais, raciais e econômicas de cada um. Foi Trump quem exerceu o privilégio de nada perguntar, para não ser responsabilizado pela rejeição ao uso de máscaras e a um mapeamento nacional de infectados. Nesta semana os EUA ultrapassaram a marca de 1 milhão de mortos sufocados pelo vírus. A opção de Trump pelo desconhecimento alheio deixou 1 milhão de famílias americanas em luto — todo um mundo sumiu, entre amigos e vizinhos, colegas e parceiros, companheiros no ser e no viver.

Luiz Carlos Azedo: A Ucrânia se tornou um novo Vietnã

Correio Braziliense / Estado de Minas

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, está ficando sem opções que não sejam humilhantes. A guerra pode lhe custar o poder, a grande aposta de Biden e dos líderes europeus

A guerra da Ucrânia está sendo para a Rússia de Vladimir Putin o que o Vietnã representou para os Estados Unidos. É uma guerra por procuração, na qual o que existe de mais moderno em termos de guerra híbrida está sendo empregado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), liderada pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, contra as tropas russas invasoras. Se havia alguma dúvida quanto a isso, dois vazamentos de informações foram esclarecedores:

No primeiro, o Times revelou que “os EUA forneceram informações de inteligência a respeito de unidades russas que permitiram aos ucranianos localizar e matar muitos dos generais russos que morreram em ação na guerra da Ucrânia, de acordo com graduadas autoridades americanas”. No segundo, após uma reportagem da NBC News, o Times noticiou que os EUA “forneceram informações de inteligência que ajudaram as forças ucranianas a localizar e atacar” o Moskva, o principal navio de guerra da esquadra russa no Mar Negro, que, depois, naufragou.

Na época da guerra fria, o equilíbrio estratégico militar entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética permitia que direita e esquerda disputassem o poder nos seus respectivos países, sobretudo na Europa, por uma via democrática, exceto nas áreas de influência das duas potências. Na zona do agrião, como diria o comentarista de futebol João Saldanha, as duas potências entravam de sola: foi assim na Hungria e antiga Checoslováquia, invadidas pelas tropas do Pacto de Varsóvia; e na América Latina, onde as intervenções diretas e os golpes militares apoiados pelos Estados Unidos barraram a ascensão da esquerda durante quase toda a guerra fria. A “crise dos mísseis” em Cuba, a exceção, em 1962, quase levou o mundo à guerra nuclear.

Eliane Cantanhêde: Do Brasil para o mundo

O Estado de S. Paulo

Desde a estreia em Davos, Bolsonaro coleciona fiascos internacionais. E tem mais!

Os norte-americanos não são a polícia do mundo e nem tudo o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, mas os sinais enviados de Washington devem ser levados a sério, até porque não são isolados, têm eco em países desenvolvidos e democráticos. O presidente Jair Bolsonaro está isolando, ou isolou, o Brasil no mundo.

Depois de a Reuters divulgar o recado do chefe da CIA, William Burns, para Bolsonaro parar de desmoralizar o processo eleitoral brasileiro, o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, e a subsecretária de Estado, Victoria Nuland, manifestaram confiança no Brasil e defenderam voto livre e democrático. Não foi por acaso.

Também Alemanha, França, Bélgica, Noruega e Argentina, entre outros, veem com apreensão a escalada de Bolsonaro e sua tropa, militar e civil, contra STF, TSE e urna eletrônica, além dos erros na pandemia e os retrocessos em costumes, Amazônia e tudo o mais. Só não vê quem não quer. Ou aprova.

Míriam Leitão: O contraditório efeito da inflação

O Globo

A economia tem razões que a política desconhece. A inflação tem impacto na eleição, porque o chefe do Executivo sempre será responsabilizado pelo desconforto econômico que ela provoca. A alta dos preços é um problema terrível, mas ajuda os governos, pelo menos no curto prazo, porque eleva a arrecadação e torna mais fácil arbitrar os conflitos. Para se ter uma ideia, se a inflação continuar em dois dígitos, como está agora, será fácil cumprir a regra do teto de gastos no ano que vem. Como nem todas as despesas são indexadas e as receitas crescem conforme a inflação, isso abre espaço no teto. O cálculo no mercado é de um espaço, por enquanto, de R$ 30 bilhões em 2023.

A inflação é o inimigo da economia e tem que ser combatida, porque seu efeito mais perverso é tirar renda dos mais pobres e vulneráveis. Mas tem efeitos aleatórios, como esse, de tornar mais fácil a redução da dívida pública.

Vinicius Torres Freire: A guerra dos dinheiros de 2023

Folha de S. Paulo

Disputa pelo gasto público vai se acirrar e pode afundar governo já no ano que vem

O gasto do governo federal com militares ficou estável em relação a 2019 ou 2017, se a despesa é calculada como proporção do PIB (da renda anual da economia).

A despesa com militares da ativa e seus aposentados e pensionistas cresceu, sim. Mas cresceu quase tanto quanto o PIB, quanto a economia.

A despesa com servidores civis diminuiu 0,46% do PIB desde 2019. Seus salários foram em geral congelados; os militares tiveram rearranjos na carreira e uma Previdência especial, cortesia de Jair Bolsonaro.

Mas o assunto aqui não é essa diferença de tratamento. A diferença entre civis e militares é apenas um exemplo da grande disputa por dinheiros públicos (e privados, via impostos), que vai se acirrar a partir de 2023.

Deixando de lado outras consequências sérias, por ora, para financiar a despesa extra haverá mais impostos ou mais dívida. Mesmo com a reformulação ou abandono do teto de gastos, haverá disputas graves.

Bruno Boghossian: O fôlego de Ciro Gomes

Folha de S. Paulo

Risco maior para pedetista não é abandono de candidatura, mas migração precoce de votos

Na eleição de 2018, Ciro Gomes sentiu um golpe quando o PSB desistiu de apoiar sua campanha. O pedetista enxergou as digitais do PT na articulação, que chamou de "desleal e traiçoeira". Agora, ele tenta reagir ao que considera um novo ataque especulativo atribuído aos petistas.

Lula procurou uma brecha para conseguir o apoio de setores do PDT ainda no primeiro turno da disputa. Pelas contas de alguns petistas, a eventual retirada da candidatura de Ciro provocaria uma migração de eleitores e daria ao ex-presidente a chance de vencer no primeiro turno. O pedetista não gostou.

Ciro aproveitou o episódio para reforçar sua contraposição a Lula e obteve um bônus de exposição para uma candidatura que parece estacionada na casa de um dígito nas pesquisas. Ele afirmou que vai continuar na corrida até o fim e vencer a eleição no segundo turno.

Ainda que o presidente do PDT, Carlos Lupi, classifique a candidatura de Ciro como irreversível, os números não favorecem o prognóstico otimista feito pelo candidato.

Janio de Freitas: Os passarinhos é que sabem

Folha de S. Paulo

Quadro de reação ao golpismo mudou, mas sem sugerir seus próximos aspectos

Nos últimos dias passaram-se meses. Bolsonaro sentiu a estocada. Acovardou-se, em sua reação típica quando enfrentado: "Não existe interferência, ninguém quer impor nada, atacar as urnas eletrônicas, atacar a democracia, nada disso". Cinismo e medo.

ministro Edson Fachin dispôs as coisas como o ministro Luís Roberto Barroso, mas com a energia do seu estilo e a extensão ao bolsonarismo fardado ou saudoso: "Ninguém vai interferir nas eleições. Quem trata de eleições são as forças desarmadas". Era o que os bolsonaristas, de um lado, e de outro os seus oponentes precisavam ouvir. Veio na veia.

E não foi tudo. Um jantar a mais, entre os exigidos em Brasília para o que se pretenda mais sério, resultou em novidade não mais esperada. A política descobriu o golpismo de Bolsonaro e a necessidade de defender a Constituição. Nesse hábito de Roma Antiga, entre delícias sólidas e líquidas na casa da senadora Kátia Abreu, senadores expressivos de diferentes partidos decidiram-se, diante de três ministros do Supremo, pela adesão ativa ao antigolpismo.

Cristovam Buarque*: O PT não deve condenar Lula e o Brasil

Blog do Noblat / Metrópoles

Se Lula perder eleição por seus discursos e posições, ele será acusado pela reeleição do Bolsonaro

O PT poderá fazer com Lula o que Moro não conseguiu. Este juiz condenou Lula, conseguiu colocá-lo na prisão, tentou carimbar nele a marca de corrupto. Não conseguiu, pelo menos na consciência de dezenas de milhões de eleitores que votarão nele no Brasil; seu prestígio no exterior é maior hoje do que antes graças inclusive à imagem de vítima por ter sido perseguido pelo juiz. Apesar disto, o PT pode condenar Lula de uma maneira ainda mais grave e permanente do que Moro.

O PT condenará Lula se afugentar os votos que ele precisa para tirar o Brasil do abismo Bolsonaro. Ao usar o Lula para ganhar a eleição para o partido, e não para salvar o Brasil, o PT pode condená-lo ao fracasso, ao levá-lo à derrota por falta dos votos de democratas antibolsonaro, mas são também antiPT. Discursos do PT e alguns do Lula passam a mensagem de que a eleição é entre PT e Bolsonaro e apenas entre os eleitores-raiz de cada lado. Apesar das pesquisas colocarem Lula na frente, os próximos meses podem aumentar os votos nulos e brancos, dependendo dos discursos do PT. Se na idade que tem, depois do bom presidente que foi, Lula perder eleição por seus discursos e posições, ele será acusado pela reeleição do Bolsonaro. Será uma marca grave na sua biografia. Alguns o acusarão de não ter ajudado a construir um nome de fora do PT com menos rejeição, e por ter desprezado votos fundamentais para sua eleição.

Alexandre de Moraes: defende urnas eletrônicas e diz que Judiciário não vai se acovardar com ataques de 'milícia digital'

O ministro do STF garantiu eleições limpas e transparentes, e que candidato mais votado em outubro será devidamente diplomado

O Globo

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as eleições, defendeu as urnas eletrônicas e garantiu que o candidato escolhido pela população em outubro será devidamente diplomado. Em seu discurso, durante o Congresso Brasileiro de Magistrados, neste sábado, em Salvador, o ministro afirmou que as eleições serão limpas e transparentes, apesar do desafio das "milícias digitais", criticadas por ele, que atacam os instrumentos garantidores da democracia.

— Vamos garantir a democracia no Brasil com eleições limpas, transparentes e por urnas eletrônicas. Em 19 de dezembro, quem ganhar vai ser diplomado nos termos constitucionais, e o Poder Judiciário vai continuar fiscalizando e garantindo a democracia — afirmou Alexandre de Moraes, durante um discurso de cerca de 30 minutos, publicado pelo g1. — Cada um de nós, isso não é só o Supremos Tribunal Federal, não são só os tribunais superiores, cada um de nós magistradas e magistrados, cada um de nós tem a sua responsabilidade para garantir que o país continue essa democracia.

A principal ameaça ao processo eleitoral, disse Moraes, são as "milícias digitais", que, com conteúdos falsos, tentam fazer com que a população duvide da mídia tradicional, um dos três sustentáculos da democracia, como descreveu.

Entrevista| Aécio Neves: PSDB foi egoísta, traiu Doria e implodiu terceira via

Tucano critica presidente do partido e Rodrigo Garcia e diz que 'perder unido nesta hora é uma grande coisa'

Julia Chaib / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Um dos principais nomes do PSDB, o deputado Aécio Neves (MG) tece duras críticas à conduta do presidente do partido, o ex-deputado Bruno Araújo (PE), no processo de construção da candidatura tucana ao Palácio do Planalto.

O parlamentar acusa Araújo de tirar protagonismo da sigla e argumenta que ele trabalha para que João Doria (SP), vencedor das prévias na legenda, não seja candidato à Presidência. Para Aécio, Araújo atua mais como "advogado" do governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, que busca a reeleição, do que como líder nacional do PSDB.

O caminho para rifar Doria seria um acerto pelo qual o PSDB apoiaria a candidatura de Simone Tebet (MDB-MS) à Presidência. Aécio refuta esse acordo.

"O Doria sempre foi o bode que precisava ser retirado da sala para viabilizar a candidatura de Rodrigo Garcia", afirma Aécio em entrevista à Folha.

O deputado defende que o PSDB tenha candidatura própria, mesmo que sem perspectivas de vitória; e avalia que o ex-governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) teria sido o melhor nome para liderar a terceira via no país.

O PSDB hoje está repleto de divergências internas. Qual deve ser o caminho do PSDB, na sua avaliação? 

Tudo que estamos vivendo hoje é consequência de equívocos que foram cometidos. A terceira via implodiu pelo pragmatismo de uns e pelo egoísmo do PSDB. Você não pode cobrar que um partido como o União Brasil, recém-fundado, lidere um projeto nacional. No futuro, talvez sim, mas hoje ele tem duas prioridades: recuperar a sua bancada para voltar a irrigar o duto dos financiamentos eleitorais e eleger governadores.

O MDB, por outro lado, é um partido que tem uma história gloriosa, mas está em busca de uma reconciliação com seu passado. Ainda mais depois de dez anos de sociedade com o desgoverno do PT.

Mas o PSDB não. Aí é que entra a minha crítica ao que ocorreu até aqui.

Qual é a crítica? 

O PSDB não se colocou à altura do papel que deveria estar desempenhando. O próprio presidente [do partido,] Bruno Araújo, optou por ser muito mais advogado dos interesses da candidatura de Rodrigo Garcia [para o Governo de São Paulo] do que presidente nacional do PSDB, um partido que poderia estar liderando a terceira via.

Diferentemente do União Brasil e do MDB, nós tivemos a oportunidade para isso. Nós tivemos a candidatura do Eduardo [Leite (PSDB-RS)], que poderia estar adiante [nas pesquisas].

Mas desde o início o objetivo foi criar as condições para que João Doria saísse do Governo de São Paulo e permitisse ao Rodrigo Garcia construir a sua candidatura. Não tenho nada contra [Garcia], a candidatura dele é bem-vinda, mas não ao custo da inviabilização do PSDB.

O Doria sempre foi o bode que precisava ser retirado da sala para viabilizar a candidatura do Rodrigo Garcia. Por isso que as prévias foram feitas completamente fora do tempo, sem que houvesse outra candidatura. O Leite só surge como candidato quatro meses depois de anunciadas as prévias.