Valor Econômico
Se o primeiro trimestre mostrou uma
atividade mais forte e o segundo trimestre ainda pode ter desempenho razoável,
perspectiva é de uma situação bem mais difícil a partir da segunda metade do
ano
A economia brasileira exibe uma combinação
de mais crescimento e mais inflação neste semestre, o que tem levado a aumentos
frequentes das estimativas para o PIB e para o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) de 2022. Há hoje várias projeções de uma expansão da
economia na casa de 1% a 1,5% neste ano, enquanto diversas previsões para o
IPCA estão em torno de 9%. Com um PIB um pouco melhor e em especial uma
inflação resistente, os analistas passaram a apostar num nível mais alto para
os juros - e por mais tempo. Por tabela, a expectativa crescente para 2023 é de
uma atividade mais fraca, com crescimento de cerca de 1%.
O diretor de pesquisa para a América Latina
do Goldman Sachs, Alberto Ramos, elevou na sexta-feira a estimativa para a
expansão do PIB de 2022 de 0,6% para 1,25%, ao mesmo tempo em que reduziu a
previsão para 2023 de 1,2% para 0,9%, número com viés de baixa. Os indicadores do
primeiro trimestre mostraram uma atividade mais forte do que se esperava,
apesar da piora das condições financeiras e da aceleração da inflação, nota
Ramos.
Em março, a produção industrial subiu 0,3% em relação a fevereiro, enquanto os serviços avançaram 1,7% e as vendas no varejo ampliado (que inclui veículos, autopeças e material de construção) cresceram 0,7%. Há sinais de que a expansão da economia continuou no segundo trimestre, aponta ele, mencionando sinais positivos como a melhora da confiança de empresários e consumidores em abril.
Em relatório, ele avalia que o resistência
da economia de janeiro a março se deveu ao renovado estímulo fiscal, a um
mercado de trabalho mais forte do que o esperado e também ao fato de que o
impacto da ômicron foi mais curto e mais fraco do que se projetava.
A A.C. Pastore & Associados também
ressalta o peso das medidas do governo no desempenho da atividade nos primeiros
meses do ano. “Para estimular a economia, foram implementadas medidas visando a
transferência de renda e a ampliação do crédito”, lembra a consultoria do
ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore.
No campo das transferências de renda,
enumera a A.C. Pastore, houve o Auxílio Brasil, com ampliação do público do
antigo Bolsa Família e um benefício de R$ 400; o adiantamento do 13º salário
aos beneficiários do INSS, o que representa uma injeção de R$ 57 bilhões no
primeiro e no segundo trimestres; os saques de R$ 1 mil do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS), que devem totalizar R$ 30 bilhões; e o pagamento do
abono salarial de 2020, adiado do fim de 2021 para o início de 2022, liberando
R$ 20 bilhões.
No crédito, houve a nova rodada do Pronampe
(o programa voltado para micro e pequenas empresas) e o aumento do limite de
renda para crédito consignado para aposentados, pensionistas e beneficiários de
programas sociais. “Além disso, o governo cortou o Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), o que representa uma renúncia fiscal de R$ 20 bilhões.
Finalmente, com seu caixa abastecido pelo forte aumento transitório das
receitas, os Estados anunciaram reajustes salariais aos servidores”, diz a
consultoria, em relatório. Ramos, por sua vez, cita a possibilidade de aumento
de 5% para os funcionários públicos federais e a chance de adiamento ou
moderação do reajuste de tarifas de eletricidade e transporte urbano. Ele não
descarta o anúncio de outras medidas pelo governo para atenuar o impacto da
inflação e estimular o consumo, com a aproximação das eleições de outubro.
A A.C. Pastore também aponta outro motivo
para o melhor desempenho da economia no primeiro trimestre: o aumento dos
preços das commodities. “Maiores taxas anuais de crescimento destes preços
levam a maiores taxas anuais de crescimento do PIB”, diz a consultoria. ‘Entre
o primeiro trimestre de 2021 e o primeiro de 2022 o índice CRB cresceu 26,6%.”
Cerca de 70% da pauta de exportação do Brasil é composta por produtos
primários, como soja, minério de ferro e petróleo.
Para a consultoria, o crescimento em 2022
deverá ficar em torno de 1%. No fim do ano passado, o consenso de mercado era
de uma expansão de 0,36%. Os economistas da A.C. Pastore, porém, relativizam a
projeção mais recente. “Se lembrarmos que ao fim de 2021 nossa renda per capita
ainda estava mais de 8% abaixo de onde se encontrava antes do início da
recessão de 2014/16 e que a população cresce perto de 0,8% ao ano, não há
razões para comemorar tal resultado”, escrevem eles.
As medidas do governo de estímulo à demanda
ocorrem num cenário de inflação alta e disseminada. Pesquisa do Valor realizada na semana
passada indicou que o consenso dos analistas para o IPCA é de 8,4% neste ano e
de 4,2% no ano que vem, acima das metas perseguidas pelo BC em 2022 e 2023, de
3,5% e 3,25%. Há pressões externas sobre os preços, causadas pela guerra entre
a Rússia e a Ucrânia, que elevam as cotações das commodities e afetam as
cadeias globais de suprimentos. A reabertura da economia por aqui, com o fim das
restrições à mobilidade devido à pandemia, pressiona os preços de serviços. O
resultado de tudo isso é uma inflação que desde setembro de 2021 está acima de
dois dígitos, corroendo o poder de compra da população. Mesmo contra esse pano
de fundo, o governo busca estimular a demanda, num momento em que o BC tenta
combater a inflação. A Selic subiu de 2% em março de 2021 para os atuais
12,75%, devendo atingir 13,25% em junho. Além disso, há uma ala dos economistas
que aposta em pelo menos mais uma alta de 0,5 ponto percentual em agosto. Na
virada do ano, a aposta era que os juros atingiriam 11,5% no fim do ciclo de
aperto monetário.
Se o primeiro trimestre em especial mostrou
uma atividade mais forte do que se previa e o segundo trimestre ainda pode ter
um desempenho razoável, a perspectiva é de uma situação bem mais difícil a
partir da segunda metade do ano. Ramos lembra que as condições financeiras
estarão muito apertadas, a inflação seguirá por um tempo acima de 10% no
acumulado em 12 meses e o endividamento das famílias se encontra em nível
recorde. Por fim, haverá ainda o “barulho e a incerteza” gerados pela eleição
polarizada de outubro, diz ele. O cenário externo tampouco será favorável. A
guerra entre Rússia e Ucrânia deve continuar, a economia chinesa perde força,
por causa da política de restrições rigorosas para combater a covid, e os juros
seguirão em alta nos EUA.
Os ventos contrários do segundo semestre
deste ano tendem a prejudicar também o cenário para 2023. No primeiro semestre
do ano que vem, a economia sofrerá os efeitos defasados de uma política
monetária e de condições financeiras muito restritivas, afirma Ramos. O que se
vislumbra para a segunda metade deste ano e para a primeira metade de 2023,
desse modo, é uma atividade doméstica bem mais fraca, ao mesmo tempo em que a
inflação deverá ceder aos poucos.
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