Folha de S. Paulo
Segundo Cony, é impossível jogar a cultura
fora. Ela boia
Fui checar uma informação sobre Louis Armstrong e li que ele se chamava, de verdade, Daniel Louis Armstrong. A princípio, levei um susto —escutando, estudando e amando Louis quase que desde o meu próprio parto, como podia não saber disso? Então me lembrei de que sabia, sim. Só tinha me esquecido. E por que esquecera? Porque talvez essa informação não tivesse importância. Fui ensinado a acreditar que não existe informação desimportante, mas esta devia ser uma exceção —nem a mãe do bebê Louis, em New Orleans, o chamava de Daniel.
Daí me ocorreu que várias pessoas são famosas por nomes que não constam do registro civil. A querida Fernanda Montenegro, por exemplo, se chama Arlete; Junior, ex-Flamengo, Leovigildo. Angela Maria era Abelim; Dolores Duran, Adiléa; Nora Ney, Iracema; Dick Farney, Farnésio; Tito Madi, Chauki; Cazuza, Agenor. Doris Monteiro é Adelina Doris. E Paulo Francis era Franz Paul; Vinicius de Moraes, Marcos Vinicius; Oswald de Andrade, José Oswald. Mas o que se ganha com saber isso?
Conan Doyle, cujo imortal Sherlock Holmes era a lógica e a razão em pessoa, seguia qualquer charlatão que o convidasse a falar com os mortos. Franz Kafka, autor de "O Processo", dava gargalhadas ao ler o que escrevia. Dorival Caymmi, o poeta do mar e dos pescadores, não sabia nadar e nunca pescou na vida. Nelson Rodrigues, o anjo pornográfico, não dizia palavrões. Edgard Rice Burroughs, o criador de Tarzan, nunca foi à África. E Guimarães Rosa, autor de "Grande Sertão: Veredas", só foi ao sertão uma vez e, mesmo assim, por 15 dias e montado num burrico. Você sabia?
Tudo isso é cultura inútil e pode-se encher enciclopédias com ela. O problema é: para quê?
Carlos Heitor Cony, sempre cético, fazia-se essa exata pergunta, só que a respeito de qualquer cultura, útil ou inútil. E não tinha ilusões: "Ruy, já tentei jogar a cultura fora. Mas é impossível. Ela boia".
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