segunda-feira, 16 de maio de 2022

Carlos Pereira: Servindo a dois senhores

O Estado de S. Paulo

Presidentes são agentes de eleitor e de legislador que nem sempre compartilham da mesma preferência

É muito difícil um presidente ser ao mesmo tempo popular e desfrutar de um bom relacionamento com o Legislativo. O presidencialismo multipartidário brasileiro, na realidade, carrega um paradoxo quase que inexorável entre popularidade e governabilidade.

As preferências do eleitor mediano, que elege o presidente pelo voto majoritário em dois turnos no território nacional, na grande maioria das vezes não são alinhadas com as preferências do legislador mediano, eleito pelo voto proporcional nos Estados.

Se o presidente priorizar os eleitores, muito provavelmente aumentará a sua popularidade. Por outro lado, se ignorar o legislador mediano, possivelmente enfrentará problemas de governabilidade, caracterizados por insucesso legislativo, alto custo de governabilidade e maior escrutínio e controle de suas atividades pelo Congresso, podendo levar, inclusive, à interrupção prematura de seu mandato.

É míope supor que, em eleições proporcionais para o Legislativo, o partido do presidente estaria competindo pelas preferências dos eleitores apenas contra partidos de ideologia oposta. Partidos que poderiam ser agrupados no mesmo espectro ideológico competem entre si para ganhar a representação de subgrupos específicos de eleitores. Como resultado, a preferência agregada do Legislativo pode ser muito distante da que elegeu o presidente.

Esse paradoxo está normalmente ausente em regimes presidencialistas majoritários bipartidários, como nos EUA, pois as preferências tanto do Executivo como do legislador mediano tenderiam a coincidir, especialmente se o partido do presidente tiver maioria no Congresso.

Já em presidencialismos multipartidários, os legisladores, por representarem preferências de subgrupos específicos na sociedade, podem não ter interesse em apoiar o presidente, mesmo que este seja popular. Esse apoio dependerá fundamentalmente dos incentivos ofertados pelo presidente aos partidos e da congruência da sua coalizão com a preferência mediana do Legislativo.

Temer, por exemplo, governou eficientemente servindo ao legislador mediano por meio de uma coalizão congruente, mas negligenciou o eleitor mediano e terminou com baixíssima popularidade. Lula, por outro lado, priorizou sua conexão com os eleitores, mas montou coalizões distantes da mediana do Congresso, sucumbindo a pressões crescentes de recompensas paralelas e ilegais. Já Bolsonaro ignorou tanto o legislador como o eleitor mediano, acumulando insucessos no Congresso, alto custo de governabilidade e baixa popularidade.

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