segunda-feira, 16 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Na falta de reforma

Folha de S. Paulo

Sem mudanças administrativas, controle de despesa com servidor terá fôlego curto

A pressão da elite do serviço público federal por reajustes salariais cresceu desde o ano passado e desencadeia paralisações de categorias importantes, com impacto no funcionamento da máquina.

Evidência do grau de insatisfação é a minuta de uma medida provisória preparada por funcionários do Banco Central com a previsão de aumento de 22% —logo em seguida retirada com a explicação de que havia inconsistências no texto. No caso dos diretores e do presidente do BC, os índices seriam de 69,6% e 78,5%, respectivamente.

A pretensão é particularmente alarmante por se tratar da instituição que mais tem alertado para o risco de descontrole das finanças públicas e seu impacto na inflação.

Tais pleitos, assim como os de outras categorias, situam-se muito acima do que foi oferecido pelo governo Jair Bolsonaro (PL), isto é, uma alta linear de 5% para todo o funcionalismo. A medida terá custo de R$ 7,9 bilhões em 12 meses, o que exigirá cortes em outras áreas devido às restrições do Orçamento.

A proposta do Executivo desagradou a todos, como era esperado. Cumpre apontar que o presidente precipitou e acentuou as tensões quando inicialmente propôs reajustes apenas para a área de segurança pública, com impacto limitado em R$ 1,7 bilhão.

A tentativa de favorecer uma das bases de apoio ao bolsonarismo provocou uma previsível grita geral, que agora se tenta controlar.

É muito difícil, no entanto, conter as pressões corporativistas de carreiras de elite. A esta altura, policiais, auditores fiscal, técnicos do BC, juízes e procuradores, entre outros, aguardam melhoras salariais.

Também é fato que o congelamento, corretamente adotado durante a pandemia, tem propiciado redução do peso das despesas com pessoal —do equivalente a 4,3% do PIB, em 2018, para 3,8% em 2021.

Ajustado pela inflação, o gasto anual caiu 2,9% no governo Bolsonaro, também em razão da queda do número de funcionários ativos, de 635,7 mil em abril de 2018 para 574,6 mil em março deste ano.

O governo afirma que fez uma reforma administrativa silenciosa, o que é falso. Segurar dispêndios, apesar de importante, não basta —e não se sustenta por tempo indeterminado, como se nota hoje.

O processo de redesenho do Estado demanda medidas mais profundas, incluindo o enxugamento do número de carreiras, a redução dos salários de ingresso e a revisão do alcance da estabilidade no emprego, hoje exagerado. Assim haverá maior espaço para a valorização dos servidores mais dedicados e longevos na administração.

O estrangulamento orçamentário não permite adiar o enfrentamento das mazelas da gestão pública. O problema estará colocado para o próximo governo, qualquer que seja o vencedor das eleições.

Precedente perigoso

Folha de S. Paulo

Jornalista é condenado a pagar indenização despropositada a ministro do STF

O jornalista Rubens Valente foi condenado a pagar um valor exorbitante a título de ressarcimento por danos morais ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O magistrado iniciou processo contra Valente em 2014, por ter sido um dos personagens do livro "Operação Banqueiro".

O jornalista, que chegou a ser absolvido na primeira instância, já pagou R$ 143 mil a Mendes em fevereiro e deverá arcar com mais de R$ 175 mil caso a Geração Editorial, responsável pela livro, não o faça.

O despropósito não é compatível com a jurisprudência do próprio Supremo, que confirmou a decisão favorável ao ministro. Em outros casos envolvendo indenização por danos morais e materiais, a corte tem aplicado a chamada "cláusula de modicidade" —que prevê montantes proporcionais ao dano sofrido por alguém.

Tratando-se de material jornalístico, deve-se considerar também que "todo agente público está sob permanente vigília da cidadania", como o STF entendeu ao julgar a Lei de Imprensa, em 2009.

Causa estranheza que o tribunal deixe a modicidade de lado justamente quando um de seus ministros está no centro da querela jurídica. Gilmar Mendes, deve-se destacar, nem sequer é figura central do livro do jornalista, que trata de investigação envolvendo negócios do banqueiro Daniel Dantas.

Procurado pela Folha, o magistrado não quis apontar quais seriam os erros referentes a sua pessoa na obra, nem as razões pelas quais recusou uma entrevista a Valente, ex-profissional deste jornal.

Obviamente, todos os cidadãos têm direito a serem compensados em caso de danos a suas imagem e honra. Entretanto autoridades públicas não podem empregar tal argumento para requerer indenizações além do razoável sem explicações convincentes.

Em nota, o Supremo afirmou que não fez "análise sobre o valor da indenização ou o conteúdo do livro" —estando estes a cargo do tribunal de origem. Na condição de corte de cunho constitucional, admira que não tenha considerado as implicações do caso para o exercício da liberdade de imprensa.

Não por acaso, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) expressaram preocupação com a decisão. Abriu-se um precedente perigoso de intimidação ao jornalismo profissional.

O ‘Centrãoduto’ e as mazelas do Brasil

O Estado de S. Paulo

Em vez da prometida modernização, Bolsonaro franqueou o poder ao atraso, cujos representantes no Congresso são criativos na hora de se apropriar de dinheiro público

Quem elegeu Jair Bolsonaro em 2018 tinha lá seus motivos. Um deles, por certo, a expectativa de que o futuro presidente daria um passo à frente na tão sonhada modernização do País. Nem poderia ser diferente: durante toda a campanha, Bolsonaro vestiu o figurino liberal de alguém que faria não só as reformas de que o Brasil tanto precisava, mas também oxigenaria as relações políticas e a máquina pública, rompendo com os vícios do passado, especialmente a trevosa era lulopetista.

Modernizar o Brasil, reduzir o tamanho do Estado e abrir o País para o mercado mundial foram promessas de Bolsonaro nas eleições de 2018 − e, por serem o exato contraponto à terrível perspectiva da volta do PT ao poder, lhe renderam a vitória, com mais de 57 milhões de votos. Promessas embaladas no discurso de acabar com o pernicioso toma lá dá cá tão característico da política brasileira.

Resgatar esse enredo se faz necessário diante da notícia, publicada no Estadão, de que parlamentares do Centrão, hoje a força política reinante sob Bolsonaro, articulam a aprovação de um projeto bilionário para construir gasodutos no País. Chamada de Brasduto, a iniciativa vem sendo tentada desde 2015 e já ganhou até apelido: “Centrãoduto”.

A proposta consiste em destinar recursos dos lucros do pré-sal para financiar gasodutos capazes de viabilizar a instalação de usinas termoelétricas nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste − em locais onde não há usinas justamente porque não há gás por lá. O investimento chegaria a R$ 100 bilhões.

Do ponto de vista da matriz energética brasileira, o projeto não se sustenta. Primeiro, porque o País precisa gerar energia onde os consumidores estão ou, no mínimo, onde haja linhas de transmissão para levar a energia até quem vai utilizá-la. No caso das termoelétricas alimentadas por gás natural, por causa do seu custo mais alto, o investimento só faria sentido para atender fábricas e polos industriais. Segundo, porque usinas termoelétricas a gás, embora menos poluentes do que as usinas a carvão, estão longe de ser a solução em termos ambientais. Qual seria, então, o motivo para priorizar um projeto energético que não atende a requisitos técnicos, econômicos nem ambientais?

Coincidentemente, a rede de gasodutos atende aos interesses do empresário Carlos Suarez, conhecido por ser o “S” da empreiteira OAS, da qual ele se desligou em 1996 para fundar um império de distribuição de gás, detendo participação em distribuidoras de gás canalizado. Suarez e seus sócios, conforme a reportagem, são os únicos detentores de autorizações para fazer a distribuição de gás no Distrito Federal e em sete Estados do Centro-Oeste, Nordeste e Norte. À falta de gás natural para ser explorado nessas regiões, a resposta seria o “Centrãoduto”.

Infelizmente, a falta de princípios republicanos e modernizadores parece não ter fim. A estratégia pensada para aprovar tamanho disparate no Congresso seria recorrer aos conhecidos “jabutis”, isto é, incluir dispositivos alheios ao projeto original, no caso, ao PL 414, que trata da modernização do setor elétrico − algo feito despudoradamente também na votação da Lei de Capitalização da Eletrobras, quando os parlamentares, com os votos do Centrão, aprovaram a construção de usinas a gás em Estados onde o conglomerado de Suarez atua, além do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Assim, viabilizar o “Centrãoduto” seria o próximo passo.

Como tudo o que é ruim pode piorar, a estratégia de votação iria além do tradicional “jabuti”. É isso mesmo: sob Bolsonaro, o Centrão acrescenta mais um termo à semântica política nacional: o “jabuti-surpresa”, emenda a ser proposta em plenário, no momento de votação da urgência do projeto de lei. Na prática, mais uma forma de levar parlamentares a votar − e aprovar − leis com trechos desconhecidos.

Por sorte, a proposta já recebeu críticas da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), assim como do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), embora não se saiba se seus argumentos serão ouvidos. São vozes que ecoam a generalizada constatação de que Bolsonaro não somente não entregou a modernidade prometida em 2018, como franqueou o poder ao que há de mais atrasado no País. Para a decepção de seus eleitores e prejuízo de toda a Nação.

Uma usina de ideias velhas e ruins

O Estado de S. Paulo

Em vez de resgatar a credibilidade fiscal, o governo e seus aliados no Congresso cogitam retomar ideias populistas e inúteis para conter preços de energia e de combustíveis

De tempos em tempos, discussões que pareciam vencidas no debate público voltam das cinzas para assombrar a sociedade. Um dos terrenos mais férteis para o nascedouro de ideias ruins está no setor elétrico e no mercado de combustíveis. Não é por acaso. Quanto mais complexo o problema, mais difícil é propor alternativas corretas para resolvê-lo, e quase sempre a solução mais fácil figura entre as piores. É nesse ambiente longe de ser simplório e contaminado por uma disputa eleitoral que o governo Jair Bolsonaro quer retomar medidas para segurar o reajuste do diesel e da conta de luz. A estratégia é mais do que conhecida, bem como seus efeitos ineficazes e perversos sobre os segmentos diretamente afetados e a economia como um todo.

Como revelou o Estadão, em aceno aos caminhoneiros, base de apoio do presidente, a ala política do governo quer resgatar o subsídio para o diesel. A Câmara dos Deputados, por sua vez, trabalha para emplacar um projeto de lei que susta os reajustes nas tarifas de energia neste ano. Já a equipe econômica estuda uma forma de conter o aumento da conta de luz ao antecipar, de uma só vez, as receitas que a Eletrobras pagaria ao longo de 25 anos, de R$ 32 bilhões, para pagar descontos a grupos de interesse. As três iniciativas embutem a intenção de frear o avanço dos preços, fenômeno visto como uma pá de cal nas pretensões eleitorais de Bolsonaro. Em comum aos três casos está o fato de que são soluções velhas, caras, já testadas e que não vão resolver os problemas a que se destinam de forma definitiva.

O diesel talvez seja o exemplo mais evidente do equívoco que o governo pode estar prestes a cometer: resgatar um subsídio bilionário em troca de centavos a uma categoria composta por 750 mil profissionais à custa dos dividendos da Petrobras. A última vez em que a medida foi adotada foi na greve dos caminhoneiros de 2018. Como balanço final da política pública, pode-se dizer que foi parcialmente bem-sucedida. Embora tenha consumido R$ 9,5 bilhões em sete meses, o objetivo principal do plano foi atingido: acabou com o movimento que levou caos ao País por semanas. Os caminhoneiros certamente têm outra avaliação, já que o programa, criado para reduzir o valor do diesel em R$ 0,46, proporcionou uma queda bem inferior e metade do desconto se perdeu ao longo da cadeia.

Já a proposta que o governo Bolsonaro prepara para o setor elétrico é praticamente um tributo à ex-presidente Dilma Rousseff. Antecipar receitas que viriam ao longo de anos para reduzir a conta de luz foi a essência da Medida Provisória 579 e quase quebrou a Eletrobras. Depois de uma queda de 20% nas tarifas em 2013, o resultado final foi um aumento médio de 50%, anunciado assim que a reeleição foi garantida. A homenagem bolsonarista à ex-presidente ainda pode dar força ao discurso lulopetista contrário às privatizações e que encontra eco em parte do Tribunal de Contas da União (TCU): o dinheiro a ser levantado na privatização da Eletrobras renderá aos consumidores o suficiente para bancar o buraco negro dos subsídios por apenas um ano. Nesse sentido, um tarifaço em 2023 não é uma possibilidade, mas uma certeza, reforçada por articulações em torno do projeto da Câmara que têm deixado implícita a intenção de não romper contratos nem cancelar os reajustes das distribuidoras, mas somente congelá-los temporariamente, autorizando sua vigência logo depois da apuração das urnas.

É impressionante o vazio de ideias e o elogio ao erro que marcam o casamento entre o bolsonarismo e o Centrão. O remédio mais eficaz para conter os preços como um todo seria resgatar a credibilidade da política fiscal, maior vítima dessa estratégia eleitoral suicida. É esse o papel que cabe ao Executivo. Remando sozinho contra a maré, o Banco Central (BC) é a única instituição verdadeiramente preocupada em impedir a escalada da inflação. Enquanto o BC sobe os juros, o governo boicota a autoridade monetária ao aumentar as incertezas com um arsenal de medidas populistas, onerosas e, pior, inúteis.

Agricultura desafia o pessimismo

O Estado de S. Paulo

A safra agrícola brasileira é um dado animador numa economia que não cresce e num mercado mundial em alvoroço

Num mercado mundial de alimentos conturbado pelos efeitos da guerra na Ucrânia, com a interrupção de fornecimento de alguns dos principais itens do setor agropecuário e a alta explosiva dos preços, a agricultura brasileira continua a dar sinais muito positivos. Na economia brasileira, é o segmento em que há tempos evita que o resultado geral seja ainda pior do que aquele que se observa e, ao mesmo tempo, assegura, junto com os produtos minerais, os bons resultados da balança comercial.

A mais recente estimativa da produção de grãos feita pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de colheita de 271,8 milhões de toneladas na safra 2021/2022, volume 6,4% maior do que o colhido na safra anterior (255,5 milhões de toneladas). O resultado deste oitavo levantamento é menor do que o da primeira estimativa, mas é superior ao do levantamento anterior. Na comparação com o sétimo levantamento, o ganho de 0,9% (ou 2,5 milhões de toneladas) é explicado pelo aumento da área de milho da segunda safra e do melhor desenvolvimento no final do ciclo das lavouras de arroz, milho e soja, segundo a Conab.

No final de abril, as culturas de primeira safra estavam com a colheita praticamente finalizada, as de segunda safra estavam entre a fase de crescimento e de colheita e as de terceira em fase inicial de plantio. Esta última inclui aveia, centeio, cevada e trigo. Assim, as projeções para a colheita total ainda podem ser corrigidas.

A produção de arroz poderá diminuir 9,1% em relação à safra anterior e a de feijão deve ser 8,4% maior. Mas não haverá problema de suprimento. A oferta (estoque inicial, produção e importação) desses dois itens essenciais na mesa do brasileiro deverá ser maior do que a demanda (consumo interno e exportações).

Os resultados da agricultura têm sido animadores numa economia que continua com grandes dificuldades para retomar o ritmo adequado de crescimento e é pressionada pela inflação. No plano mundial, o corte das exportações de fertilizantes, trigo e milho da Ucrânia e da Rússia por causa da guerra afetou duramente o mercado. A provável quebra da produção chinesa de trigo colocará ainda mais pressão nos preços desse item, que, segundo algumas estimativas, em julho poderá estar custando até 80% mais do que custava no início do ano.

Nesse mercado já abalado, vários governos têm imposto restrições às exportações de vários alimentos básicos, como grãos, óleos comestíveis e leguminosas. Medidas protecionistas como essas devem exacerbar as dificuldades nos países consumidores. Os preços poderão subir ainda mais. Problemas de suprimento de itens básicos, sobretudo nos países de menor renda, podem levar a crises políticas e a riscos de endurecimento de regimes que já demonstram pouco apreço por regras democráticas.

A agricultura nacional, eficiente num país que carece de eficiência na administração pública federal, vem tendo papel indispensável para manter o Brasil relativamente imune às dificuldades que assolam ou ameaçam o resto do mundo.

Congresso deveria apoiar iniciativa em prol da Amazônia

O Globo

Numa iniciativa rara, 23 empresas e organizações da agroindústria e agropecuária, representando mais de 300 entidades, remeteram carta ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com o pedido de acesso ao fundo Amazon21, de US$ 9 bilhões, criado pelo Legislativo americano para projetos de preservação de florestas tropicais. Também enviada à presidente da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, a iniciativa é a prova do isolamento do governo Bolsonaro em sua desastrosa política ambiental, que se resume a franquear o acesso de madeireiros e garimpeiros ilegais à Amazônia.

Empresas e entidades empresariais já haviam formalizado um pedido ao governo Bolsonaro para recuperar seu protagonismo na questão ambiental, antes da COP26, em Glasgow, na Escócia. A iniciativa foi em vão. Restou o apelo direto ao governo americano para obter recursos destinados a projetos para conter o desmatamento, com a participação de comunidades indígenas, pressionadas pelo avanço ilegal do garimpo em suas reservas sem nenhuma punição por parte do governo.

A iniciativa de enviar a carta a Biden e Pelosi é a demonstração concreta de que a antipolítica ambiental do governo prejudica os interesses de grandes empresas nacionais e globais exportadoras de alimentos. Dará trabalho ao Itamaraty e aos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente desfazer a imagem de inimigo do planeta que Bolsonaro construiu com afinco durante quatro anos. Ainda mais se o segundo semestre na Amazônia for mesmo o que as piores previsões esperam.

O mais novo avanço do projeto bolsonarista de liberar a floresta para madeireiros e garimpeiros ilegais gerou no mês passado um desmatamento de 1.012 quilômetros quadrados, esquadrinhados por satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), equivalente a dois terços da área da cidade de São Paulo. Foi uma destruição recorde para um mês de abril, quando ainda chove na região. O pior pode estar por vir.

Com a chegada do verão amazônico a partir de julho e o fim da temporada de chuvas, madeireiros e garimpeiros poderão ampliar a devastação com menos dificuldade. Como pode ser o último ano do governo Bolsonaro, e as pesquisas não se mostram favoráveis ao projeto continuista do presidente, a conjuntura é um estímulo a quem vive da exploração predatória da Amazônia. Os desmatadores tentarão destruir (e faturar) o máximo que puderem, antes da chegada de um novo governo.

Se sair vitorioso nas eleições de outubro, Bolsonaro encontrará um ambiente internacional ainda mais inóspito para prosseguir com sua política de devastação. Mantido o ritmo do desmatamento, novas marcas serão alcançadas, com novas e inevitáveis reações nos Estados Unidos e na Europa, e o consequente fortalecimento de propostas de boicote a produtos brasileiros oriundos de áreas de desmatamento.

Um novo governo, em contrapartida, terá um enorme e decisivo trabalho para remontar as estruturas de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), de modo a reduzir da maneira mais rápida possível os danos da gestão Bolsonaro, e não apenas na Amazônia. Por tudo isso, o apelo a Biden e Pelosi precisa ser apoiado no Congresso brasileiro.

Governos precisam resolver problemas de logística na vacinação das crianças

O Globo

É notório que os índices de cobertura vacinal no Brasil têm despencado nos últimos anos, expondo a população — especialmente as crianças — a doenças já controladas. Mas os motivos desse retrocesso, num país que se tornou referência em imunização, nunca estiveram suficientemente claros, devido à profusão de fatores que podem influenciar a decisão de ir ou não aos postos. Um novo estudo, feito por pesquisadores de São Paulo, Distrito Federal e Bahia com 31 mil famílias nas 27 capitais e noutras 11 cidades do país, a pedido do Ministério da Saúde, começa a jogar luz sobre a questão. Os resultados surpreendem.

Como mostrou reportagem do Jornal Nacional, 28% dos entrevistados disseram que o principal obstáculo para manter a caderneta em dia é a dificuldade para vacinar as crianças. Desses, 44,1% afirmaram que faltavam vacinas; 10,8% encontraram a sala fechada; 7,6% relataram que não havia profissionais para aplicar as doses; 7,1% compareceram ao posto no dia errado; e 6,8% culparam o tamanho das filas.

A influência nefasta das campanhas de desinformação e a falta de ações para esclarecer os cidadãos também ficam patentes na pesquisa. Entre os entrevistados, 18,2% alegaram medo de reação para não vacinar os filhos, e 14% disseram achar desnecessária a ida aos postos para vacinar contra doenças que não existem mais. Dois absurdos que o epidemiologista José Cássio de Moraes, coordenador do estudo, atribui à disseminação de desinformação.

Embora não tenham afetado a imunização contra a Covid-19 na população adulta, essas campanhas têm causado estrago na vacinação infantil. Menos de 60% das crianças de 5 a 11 anos receberam a primeira dose. As que tomaram a segunda não chegam a 30%. Desde o início, a vacinação enfrenta ataques do presidente Jair Bolsonaro e a leniência do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

Os patamares baixos de vacinação se tornaram uma preocupação para as autoridades sanitárias. A cobertura vacinal de crianças de até 2 anos está em 67%, quando deveria ficar entre 90% e 95%. No início do mês, pesquisadores da Fiocruz alertaram sobre o risco de volta da poliomielite, cujo último registro no país ocorreu em 1989. A preocupação faz sentido diante do aparecimento de casos noutros países e da cobertura de apenas 83%.

Fica claro que a queda nos índices de vacinação não pode ser atribuída apenas à epidemia de mentiras que contamina as redes ou à falsa impressão de que antigas doenças não ameaçam mais — ambas podem ser combatidas com campanhas de esclarecimento. É evidente que existe um problema de logística para o qual não se tem dado a devida importância. Não é admissível que faltem doses ou profissionais para aplicá-las nos postos. E que o horário de funcionamento das salas não seja compatível com a rotina de pais e mães. O Ministério da Saúde, responsável pela compra das vacinas, tem obrigação de desatar esses nós com estados e municípios. Que tal repetir o modelo que vem dando certo na vacinação contra a Covid-19?

Interesses eleitorais devem passar longe da Petrobras

Valor Econômico

Objetivo primordial do presidente parece ser evitar que a insatisfação popular com a alta dos combustíveis prejudique a campanha à reeleição

Preocupado em recuperar sua popularidade a poucos meses das eleições, o presidente Jair Bolsonaro insiste em adotar um comportamento bem distante daquilo do que se espera de um líder comprometido com a previsibilidade do ambiente econômico. Bolsonaro fomenta incertezas em relação ao destino da Petrobras a cada semana. E tudo indica que não irá ficar satisfeito até encontrar quem esteja disposto a trabalhar por uma redução artificial dos preços dos combustíveis, ignorando as regras que tratam do assunto, em prol do seu projeto de poder.

A demissão do almirante Bento Albuquerque do Ministério de Minas e Energia não surpreendeu apenas seus auxiliares diretos e companheiros de farda. O mercado e agentes do setor tampouco a esperavam, embora fosse clara a crescente insatisfação do presidente com a autonomia da Petrobras.

Dias antes, em sua “live” semanal, Bolsonaro deu um ultimato ao então ministro e ao presidente da Petrobras, José Mauro Ferreira Coelho. “Ministro Bento Albuquerque e senhor José Mauro, presidente da Petrobras, diretores da Petrobras, vocês não podem aumentar o preço do diesel. Não estou apelando. Estou fazendo uma constatação levando-se em conta o lucro abusivo que vocês têm. Vocês não podem quebrar o Brasil. É uma pena agora. Petrobras, não quebre o Brasil”, berrou o presidente na transmissão feita pelas redes sociais. Visivelmente irritado, acrescentou: “Eu não posso intervir. Vocês têm lucro, têm gordura e tem o papel social da Petrobras definido na Constituição. Estamos em guerra. Petrobras, não aumente o preço do diesel”.

Disse que não poderia intervir. Mas, na prática, é o que está tentando fazer.

Bento Albuquerque não foi o primeiro a cair por defender a política de preços da Petrobras alinhada com as cotações internacionais. Antes dele, dois ex-presidentes da estatal, Roberto Castello Branco e Joaquim Silva e Luna, sucumbiram.

Nome de confiança do ex-ministro de Minas e Energia, José Mauro Ferreira Coelho assumiu o cargo há cerca de um mês e não se desviou da trilha demarcada tanto pelo próprio estatuto da empresa como pela Lei das Estatais, a qual estabeleceu normas rígidas de governança e transparência em 2016.

Já sob sua gestão, a Petrobras novamente aumentou o diesel, desta vez em 8,87%. O terceiro reajuste no ano, acumulando uma alta de 47% e mais uma leva de críticas vindas do Palácio do Planalto e de aliados de Bolsonaro no Congresso. Pouco tempo passou entre o anúncio de reajuste e a queda de Albuquerque.

Ainda que especialistas alertem para a ausência de relação direta entre a eventual privatização da Petrobras e a queda dos preços dos combustíveis, José Mauro Ferreira Coelho trabalhará sob pressão. Em seu primeiro pronunciamento, o novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, anunciou suas prioridades. E, entre elas, logo citou o início dos estudos para viabilizar a privatização da Petrobras.

É mais provável, contudo, que a base aliada gaste energia tentando alterar a Lei das Estatais para facilitar justamente uma maior intervenção do governo na estatal. Essa lei, é preciso lembrar, foi aprovada na esteira da Operação Lava-Jato para dificultar a montagem de esquemas de corrupção nas empresas públicas e de economia mista.

Além disso, embora seja legítima a preocupação das autoridades com o ambiente concorrencial nos setores de petróleo e combustíveis, no Congresso são reduzidas as chances de avançar uma proposta de privatização da Petrobras.

A ideia enfrenta resistências até mesmo entre integrantes da ala governista no Parlamento. Muitos apostam que o movimento seja apenas um aceno ao eleitorado liberal que, num eventual segundo mandato, seria deixado de lado como foi feito com a reforma administrativa.

O objetivo primordial do presidente não parece ser tentar resolver os gargalos do setor, mas sim evitar que a insatisfação popular com a alta dos preços dos combustíveis prejudique a campanha à reeleição. Ele parece disposto a continuar responsabilizando a Petrobras por algo que depende do preço do petróleo nos mercados internacionais, das margens de refino e do câmbio.

A área econômica do governo deveria lembrá-lo que o desabastecimento é um dos riscos relacionados à intervenção e ao congelamento de preços. Interesses eleitorais devem passar longe da Petrobras e de qualquer outra estatal.

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