Diante desse cenário aziago a sociedade
prende a respiração e especula sobre qual forma conheceria esse infausto
evento. Será a do modelo de 1964, com tanques na rua, prisões em massa de
lideranças políticas, de movimentos sociais e personalidades selecionadas, com cassações
de mandatos políticos; os grandes jornais serão submetidos à censura prévia nas
suas edições, o STF será posto sob intervenção por um cabo e dois soldados?
Nesse ponto, o futuro escapa à previsão do observador limitado ao campo de visão das ações dotadas de racionalidade, fora delas, como na Alemanha dos anos 1930, reina o imprevisível em que uma vontade tirânica se impõe sem outro propósito que não a acumulação de poder político no exercício do seu poder coercitivo. É da lógica da situação que, caso vingue o golpe, seu desdobramento natural será a institucionalização do fascismo sempre latente entre nós desde o Estado Novo de 1937 a 1945.
No caso, é preciso descortinar o panorama
visto da perspectiva dos golpistas que, embora contem com trunfos importantes
para atingir seus desígnios imediatos, é de alto risco não só para sua execução
como sobretudo após seu eventual êxito, uma vez que não dispõe de um projeto de
governo e tem entre seus suportes forças de sustentação pouco afeitas a
soluções tecnocráticas refratárias à política e aos partidos como o Centrão.
De alto risco também por que a inscrição do
país na cena internacional, particularmente nas Américas, onde reina inconteste
a hegemonia dos EUA, em que se manifesta, nas condições atuais, forte rejeição
a regimes políticos autocráticos, como prevalece na Rússia que assim poderia
estabelecer uma segura cabeça de ponte num vizinho próximo ao seu maior rival
no mundo de hoje. Sanções econômicas que viessem a incidir sobre o nosso país impostas
pelo governo Biden teriam efeitos devastadores numa situação já crítica do
nosso sistema produtivo com óbvias repercussões no campo de política.
No que se refere ao tema ambiental, hoje
objeto preferencial das políticas públicas no mundo ocidental, a confirmação por
parte de um governo Bolsonaro, revigorado pelo golpe, de suas práticas
predatórias quanto ao meio ambiente, em particular na questão altamente
sensível da Amazônia, tem o condão de produzir uma reação que institua um
cordão sanitário em torno do país, asfixiando sua economia, inclusive a do
agronegócio.
Dado que a política não resulta apenas dos
fatos imediatamente contingentes, na aparência favoráveis a uma solução
golpista, mas também do que se manifesta nos processos latentes que atuam sobre
a sociedade que podem aflorar por imperícia dos eventuais operadores no terreno
da política, o cenário pode ser revertido no sentido de barrar os seus caminhos
em razão dos altíssimos riscos que tem pela frente.
Face à complexidade da atual conjuntura,
nacional e internacional, todo e qualquer passo deve ser sopesado sobre suas
possíveis consequências. Do ângulo das oposições democráticas, impedir as
soluções golpistas reclama uma ação desassombrada na ampliação de suas alianças
sem ignorar os apenas descontentes com o regime atual. Os fatos falam, é
preciso interpretar sua linguagem que se bem feita pode bafejar a sorte dos que
forem capazes disso.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio
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