Rubens Glezer, Eloísa Machado | Folha de S. Paulo
O sistema de investigação e acusação do presidente da República é estruturado em uma lógica de freios e contrapesos, ou seja, é um processo no qual diversas instituições são envolvidas para controlar eventuais abusos das demais.
Em relação à segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, o STF (Supremo Tribunal Federal) tem tentado preservar a integridade desse sistema em meio a uma série de questionamentos que decorrem do ineditismo dessa situação; em certos âmbitos com mais sucesso do que em outros.
A maioria do Supremo determinou que não é seu papel realizar qualquer avaliação sobre a qualidade jurídica da denúncia antes que a Câmara dos Deputados se manifeste. Com isso, respeitou-se a responsabilidade institucional da Procuradoria-Geral da República em oferecer sua denúncia, bem como da Câmara em autorizar ou não que o presidente seja processado durante o seu mandato.
Poderia ter sido diferente, com avaliações robustas que fortaleceriam a defesa ou a acusação política do presidente na Câmara dos Deputados. Porém, apesar dessa postura geral salutar na decisão final, alguns ministros fizeram questão de pontuar suas posições individuais durante o julgamento.
Como esperado, o ministro Gilmar Mendes corroborou o que já vinha afirmando à mídia, mantendo os ataques ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, o ex-procurador Marcello Miller e aos delatores.
Mas, diferentemente de outras situações, não falou sozinho. Os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux pontuaram os vários indícios na denúncia, que dariam espaço para seu prosseguimento mesmo sem a delação de Joesley Batista.
Além disso, alguns ministros testaram no ambiente a viabilidade de algumas teses, como a possibilidade de anular as provas de delações obtidas a partir de fato criminoso/irregularidade, ou se o presidente poderia ser denunciado com referência a atos anteriores à denúncia, mesmo que tenham continuado durante o mandato presidencial.
Debates que serviram para indicar que a disposição contra os esforços do Ministério Público e a utilização da delação premiada é vocalizada por uma minoria isolada do Supremo.
Com a maioria formada, assim que o julgamento for finalizado, a segunda denúncia criminal contra o presidente Michel Temer deverá ser enviada para apreciação da Câmara.
O processo em si não será inédito, mas as circunstâncias são distintas: enquanto na primeira denúncia contra o presidente Temer deputados tiveram amplo espaço para bradar que a acusação era mentirosa, baseada apenas na palavra de Joesley e fruto de uma perseguição pessoal de Janot, agora não poderão ignorar que nas últimas semanas o Supremo julgou de forma unânime que o ex-procurador-geral não agiu por vingança ou com abuso de autoridade.
Também reafirmaram a ideia de que violações aos termos da delação premiada prejudicam apenas Joesley Batista, mas mantêm a validade das provas obtidas a partir de seus relatos.
Com isso, há maiores constrangimentos ao que pode ser dito com credibilidade pelos deputados que votarão por barrar a denúncia.
Contudo, mesmo com a popularidade presidencial próxima a zero, com uma denúncia baseada em provas (como a delação e os extratos oferecidos por Marcelo Odebrecht) e uma chancela do STF sobre a isenção de Rodrigo Janot, o cenário continua se mostrando favorável a Temer.
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Rubens Glezer e Eloísa Machado são professores e coordenadores do Supremo em Pauta da Faculdade de Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas) em São Paulo.
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