- Valor Econômico
Bolsonaro e bravata militar são filhos da mesma anomia
A resiliência do apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas duas últimas pesquisas eleitorais mantém empoçado o cenário da sucessão presidencial. Os partidos aguardam seu rumo para montar estratégias. Mas se o último depoimento em Curitiba tornou mais provável uma condenação em segunda instância, ainda não foi capaz de antecipar os rumos do partido nem o caminho a ser tomado por seus eleitores, os únicos blindados ao enfado com a política.
A manutenção do deputado Jair Bolsonaro como o segundo nome da sucessão infenso às intempéries traz um outro problema para agentes políticos que, na ausência de alternativas claras, precisam minar os nomes consolidados. De Lula, a Lava-Jato cuida, restando a disputa por seu eleitorado, no PT e fora dele.
Bolsonaro lhes oferece problema de outra natureza. O deputado já tem uma condenação colegiada, mas em infração (danos morais) não considerada pela Ficha Limpa como razão de inelegibilidade. Para atrapalhar a vida do deputado, resta aos colegas bem situados no coalizão governista, mas perdidos na sucessão presidencial, criar obstáculos à sua tumultuada vida parlamentar. Bolsonaro está de saída do PSC, o quinto partido de seus sete mandatos, rumo à legenda pela qual pretende concorrer à Presidência da República. A montagem de sua migração partidária, no entanto, enfrenta uma estrada pedagiada na Câmara.
Ainda que o deputado não tenha o respeito dos comandantes das Forças Armadas, sua ascensão nas pesquisas e a liberdade com a qual generais da ativa comentam aberta e publicamente a possibilidade de intervenção militar são parte do mesmo fenômeno. A indisciplina parte do pressuposto de que o poder que poderia coibi-la não tem legitimidade nem apoio popular para fazê-lo. O silêncio do ministro da Defesa, Raul Jungmann, acaba por referendar a percepção de que o governo dos 3,4% é refém de bravatas militares.
Paralisia ainda mais grave atinge as autoridades frente ao levante das favelas do Rio, que acabam por desgastar o próprio Exército como força de ocupação. Não parece coincidência que a insubordinação do crime e da farda aconteça sob o governo de um presidente que acumula duas denúncias inéditas no exercício do cargo.
Vem dessa anomia a percepção de que é preciso blindar o sistema político ao rechaço do voto. Os grandes partidos que lideram a reforma política se valem da impopularidade de um Congresso com três dezenas de legendas, em permanente e lucrativo mercado de trocas partidárias, para aprovar o fim das coligações e uma cláusula de barreira. As mudanças são tão importantes para a redução do número de partidos quanto para o fortalecimento das legendas comandadas pela geração Lava-Jato.
Em comum, dirigentes partidários como Romero Jucá (PMDB), Agripino Maia (DEM) e Ciro Nogueira (PP) têm não apenas o Ministério Público no seu encalço como a ausência de nomes para 2018. A tarefa primordial à qual estão dedicados é a de limitar o espaço para alternativas de fora do eixo dos grandes partidos.
Estão na sua mira todos aqueles que têm uma projeção superior à legenda que os abrigam. Não apenas Bolsonaro, como Marina Silva ou até Ciro Gomes, cujo PDT hoje se limita a 21 parlamentares. Até o assédio de partidos médios, como o PSB, sobre nomes egressos do Judiciário é parte da estratégia para fazer submergir seus nomes na poça da sucessão.
O partido tenta atrair nomes como os ex-ministros Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Brito, capazes de galvanizar o apelo da ordem e da lisura, hoje capitaneado por Bolsonaro, sem dar garantias de que a candidatura de um ou outro prevaleceria numa legenda dividida em três alas: aliança com o governador Geraldo Alckmin ou com o PT, além da candidatura própria.
As regras em discussão no Congresso revelam a disposição com a qual as grandes legendas tanto investem contra os nomes que correm por fora quanto tentam manter suas bancadas. Basta ver a liderança do senador Romero Jucá na formatação de um fundo de R$ 3 bilhões que reúne desde os recursos de emendas parlamentares até o apurado de tradicionais lavanderias de dinheiro, como bingos e sorteios.
É um fundo destinado a manter o status quo de parlamentares cujo estigma da Lava-Jato dificulta captações, a começar do PT, que apoia a proposta. Até o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) foi capaz de abrir a janela e propor o fim dos programas partidários anuais e a reciclagem das isenções às redes de TV e rádio como alternativa menos acintosa a um país de 13 milhões de desempregados.
Os recursos a serem arregimentados pelos partidos, no entanto, podem ser suficientes para fazer bancada mas não um presidente da República. O atual titular foi capaz de cruzar duas curvas que, nas últimas décadas, têm-se mantido paralelas, a da evolução da inflação e aquela da aprovação presidencial. Só a prevalência, ainda mais aguda, da ordem contra a qual multidões se insurgiram no impeachment pode explicar tamanho rechaço.
A rejeição é tamanha que a mobilização espontânea de eleitores em redes sociais tende a sair em vantagem, na conversão do voto, sobre produções longas e sofisticadas do horário eleitoral. Mas o rechaço aos recursos do status quo da política não explica, por exemplo, por que em torno de um governo tão impopular gravitem tantos candidatos.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o prefeito de São Paulo, João Doria, no entanto, não disputam o apoio do leprosário em que se transformou o Palácio do Planalto, mas de sua caneta. Apostam que as liberações para municípios porão em curso as tradicionais máquinas eleitorais de vereadores e prefeitos com as quais ainda acreditam que serão capazes de chegar à Presidência.
Tão importante quanto aquilo que vier a ser obtido pelos candidatos governistas em sua aproximação com o Planalto é o que o titular espera com seu apoio. À medida que se aproxima o fim de seu governo, a obsessão do presidente Michel Temer é um bote que o ponha a salvo do juízo da primeira instância, o mesmo que ainda empoça sua sucessão.
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