quinta-feira, 1 de abril de 2021

Katyna Argueta* - IDH desaba com a pandemia

- O Globo

Começamos 2021 em meio às incertezas do porvir. A última edição do Relatório de Desenvolvimento Humano — “A próxima fronteira: desenvolvimento humano e o antropoceno” — alerta sobre a queda no Índice de Desenvolvimento Humano — IDH global — pela primeira vez em 30 anos.

A pandemia de Covid-19 desencadeou uma crise que atinge duramente todas as dimensões do desenvolvimento humano: renda — maior retração da atividade econômica registrada desde a Grande Depressão; saúde — em escala global, foram registradas 2.808.439 mortes; e educação — estudantes fora da escola e sem acesso à internet para continuar a educação, e muitos que, provavelmente, já não voltarão a estudar, ampliando as desigualdades existentes.

Em algumas dimensões do desenvolvimento humano, as condições de hoje são equivalentes aos níveis de privação vistos na década de 1980.

O Gabinete do Relatório do Desenvolvimento Humano do PNUD (Human Development Report Office — HDRO) estruturou simulações baseadas num IDH ajustado aos impactos da crise. Com quase nove em cada dez alunos fora da escola, em escala global, e recessões profundas na maioria das economias (que incluem estimativas de queda de 4,4% na renda nacional bruta per capita em todo o mundo), o declínio do IDH seria equivalente a anular todo o progresso no desenvolvimento humano dos últimos seis anos.

O choque econômico causado pela pandemia atingiu fortemente as pessoas e os países. Em todos os níveis de desenvolvimento humano, as pessoas em grupos de baixa renda são muito mais vulneráveis. A resposta econômica à crise deve alcançar os elos fracos do tecido social e produtivo, apoiando suas capacidades básicas e garantindo sua subsistência por meio de programas de transferência de renda.

Para países como o Brasil, isso representa uma excelente oportunidade para aprimorar políticas públicas e apostar em propostas inovadoras de renda básica temporária e renda básica universal.

Os esforços a desenvolver no Brasil precisam ir além dos programas de assistência financeira no curto prazo e exigem um investimento sustentado no futuro para garantir o bem-estar e o trabalho digno aos trabalhadores e às empresas da economia informal.

A desigualdade no desenvolvimento humano afeta a capacidade dos países para responder à Covid-19 e à tripla crise combinada e assimétrica: sanitária, social e econômica.

Países com baixo desenvolvimento humano dispõem de menos recursos para apoiar seus sistemas de saúde se comparados aos países desenvolvidos. Neles, os gastos com saúde são de 4,5% do PIB, em comparação com 12,1% nos países com desenvolvimento humano muito alto (com PIB per capita 15 vezes maior).

Poucos países estão conseguindo monitorar os impactos da Covid-19, o que é essencial para a tomada de decisões em níveis nacionais. Países com baixo desenvolvimento humano contam com apenas 0,2 médico por mil habitantes, em comparação com 3,1 médicos em países de desenvolvimento humano muito elevado.

Para o Brasil, torna-se imperiosa a necessidade de ter a capacidade de desenvolver novos produtos e serviços para se adaptar às atuais e futuras circunstâncias no sistema de saúde. O investimento em pesquisa e desenvolvimento (em termos de recursos financeiros e humanos), assim como a capacidade de inovar, está altamente correlacionado com o nível de desenvolvimento.

Nos últimos anos, eles têm sido reduzidos no país, levando-nos a crer que ainda não foi construído o entendimento de que são e serão essenciais para o mundo e as necessidades que se avizinham no século 21. Como dizia Peter Drucker, a melhor maneira de prever o futuro é criá-lo.

*Representante-residente no Brasil do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

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