quinta-feira, 1 de abril de 2021

Ribamar Oliveira - O abacaxi voltou para o colo do ministro Guedes

- Valor Econômico

Questão é saber se contas fecham só com o contingenciamento

Para entender a grande confusão da semana passada, que terminou produzindo um Orçamento fictício para este ano, o leitor precisa recordar a grande polêmica que surgiu em torno da proposta de emenda constitucional 186, a chamada PEC Emergencial. Durante a votação, a nova base política do governo, mais conhecida como “centrão”, queria retirar do teto de gastos da União a despesa com o Bolsa Família. O objetivo era abrir espaço no teto para mais investimentos, que seriam garantidos por emendas parlamentares ao Orçamento.

A proposta criou um tremendo reboliço, com o dólar e o juros disparando e a bolsa caindo. Parecia que o fim do mundo se avizinhava. Mesmo porque havia indícios de que até mesmo o presidente Jair Bolsonaro era favorável à medida. Depois que a temperatura do mercado subiu, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a um acordo com os líderes do “centrão”. A questão das emendas seria resolvida quando o Orçamento deste ano fosse votado.

Guedes se comprometeu em aceitar que mais R$ 16 bilhões para as emendas parlamentares fossem acrescido aos R$ 16,3 bilhões que já estavam previstos na proposta orçamentária enviada em agosto. O total, portanto, poderia chegar a R$ 32 bilhões. Caberia ao relator-geral do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC) apresentar as emendas com os R$ 16 bilhões adicionais. O acordo foi confirmado por Bittar, em entrevista ao jornal “O Globo”, nesta quarta-feira.

Em seu primeiro parecer, divulgado no dia 22 de março, o senador Bittar programou emendas parlamentares no montante de R$ 22,7 bilhões, sendo que, desse total, R$ 18,79 bilhões se referiam a emendas individuais de deputados e senadores e a emendas de bancada estadual, que são consideradas de execução obrigatória, de acordo com a Constituição. Bem abaixo do acordo firmado com Guedes.

No dia 25 de março, Bittar apresentou um complemento ao seu parecer, no qual informa um corte de R$ 26,46 bilhões na proposta orçamentária para este ano, enviada pelo governo em agosto. O relator-geral está sendo um pouco injustiçado, pois o corte que realizou nas despesas obrigatórias foi de R$ 19,02 bilhões e não de R$ 26,46 bilhões como foi divulgado amplamente (ver tabela acima).

Isto porque a redução de R$ 7,4 bilhões feita no gasto com abono salarial decorreu de uma mudança feita pelo Codefat nas regras do programa. A decisão postergou a parcela do abono de 2020 que seria paga no segundo semestre deste ano para o primeiro semestre de 2022. Bittar, portanto, não cortou esta despesa. Ela simplesmente desapareceu deste ano. O que o relator fez foi ocupar o espaço aberto pela decisão do Codefat.

No complemento do parecer, o relator apresentou emendas no valor de R$ 26,46 bilhões. A equipe econômica alardeou que o projeto orçamentário aprovado era inexequível, um retrocesso e que haveria estouro do teto. Em conversas com parlamentares, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), chegou a levantar a possibilidade de que o presidente Bolsonaro corria o risco de sofrer um processo por crime de responsabilidade se sancionasse a lei com despesas obrigatórias subestimadas.

Ontem, em carta enviada ao presidente Jair Bolsonaro, o senador Bittar informou que, “após reflexões entre lideranças e as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado”, decidiu-se cancelar R$ 10 bilhões em emendas do relator, tão logo seja sancionado a lei orçamentária. O raciocínio do relator, foi o seguinte: ele apresentou R$ 26,46 bilhões em emendas e reduziu R$ 10 bilhões. Ficou, portanto, com os R$ 16 bilhões, que tinham sido acordados com Guedes.

As despesas obrigatórias estão subestimadas em, pelo menos, R$ 32 bilhões. Com o espaço de R$ 10 bilhões aberto pelo relator, a insuficiência das dotações caem para R$ 22 bilhões. Mas a carta de Bittar, que expressa uma decisão das lideranças e dos presidentes das duas Casas do Legislativo, parece estabelecer um divisor de águas entre o que é de sua responsabilidade e o que deve ser creditado a Guedes.

Ao contrário do que ocorreu em gestões anteriores, quando os parâmetros macroeconômico utilizados para o cálculo das despesas da União apresentavam mudanças relevantes, desta vez Guedes não encaminhou uma mensagem modificativa da proposta orçamentária enviada em agosto. Assim, os deputados e senadores aprovaram um Orçamento com despesas estimadas com base em um salário mínimo de R$ 1.067, quando o que está em vigor é R$ 1.100. E inflação em 2020, medida pelo INPC, de 2,09%, quando ela ficou em 5,45%. O INPC corrige todos os benefícios acima de um salário mínimo.

Quando o relator estava divulgando o seu parecer final, a equipe econômica informou que as despesas obrigatórias da proposta orçamentária estavam subestimadas em R$ 17,5 bilhões. A carta de Bittar dá a entender que este problema não é dele. Ele elaborou um parecer com base em uma proposta que o governo apresentou. E que, agora, quem tem que encontrar uma saída para as despesas obrigatórias subestimadas é Guedes.

A questão é saber se o problema pode ser resolvido apenas com o contingenciamento das despesas discricionárias (investimentos e custeio) ou se será necessário também enviar um projeto de lei (PLN) de crédito adicional cancelando dotações para recompor as obrigatórias. A carta de Bittar recoloca o abacaxi de novo no colo de Guedes.

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