Trocas
reforçam proteção da família, mas a das Forças Armadas ricocheteou
A
maior crise militar já vista desde a redemocratização decorreu de um presidente
da República que se entrincheira para proteger os filhos. O buraco começou a
ser cavado em 16 de março, quando o Superior Tribunal de Justiça validou a
troca de informações entre o Coaf e o Ministério Público no inquérito das
“rachadinhas” que investiga Flávio Bolsonaro. Três semanas antes, a defesa do
senador tinha conseguido anular sua quebra de sigilo fiscal e bancário. Partiu
para enterrar o inquérito, mas perdeu por 3 votos a 2. No governo, atribui-se o
placar à ação sobre o STJ de ministros do Supremo que, mantendo o inquérito aberto,
preservam também cartas na manga contra o presidente.
Começou
ali a ser traçada uma reforma destinada a levantar barricadas em defesa do
presidente e de sua família. A ideia era levar o Supremo a refazer suas pontes
com o Planalto, colocar o Centrão para a antessala de Bolsonaro, reforçar o
Estado policial e mostrar às Forças Armadas quem é o comandante-em-chefe. Todas
as trocas ministeriais tiveram este vetor, o de fortalecer o núcleo duro da
trincheira bolsonarista. Só a das Forças Armadas, como demonstrou a escolha dos
novos comandantes, richocheteou contra o presidente.
A imitar Fernando Collor, que montou um ministério de notáveis para se segurar, optou por um governo de amigos, à la Jânio Quadros, com a diferença de que predominam nulidades no seu círculo de amizades. As mudanças, porém, não haviam sido planejadas para a semana seguinte à escolha de Marcelo Queiroga, outro apadrinhado da família, para a Saúde.
Como
as insatisfações do Centrão prosseguissem, a ideia de uma reforma mais ampla
invadiu o fim de semana, mas foi o tiroteio do domingo à tarde nas redes
sociais, entre o ex-chanceler Ernesto Araújo e a senadora Kátia Abreu (MDB-TO),
que precipitou as outras trocas.
Obrigado
a abrir mão de um chanceler que o chamava de “querido chefe”, o presidente
detonou a reforma no modo trincheira. Começou por levar para o Itamaraty um
embaixador que nunca chefiou posto no exterior mas, na condição de assessor
especial da Presidência, conciliava os desejos do deputado Eduardo Bolsonaro.
Com
a saída de José Levi da Advocacia-Geral da União, queimado pela recusa a
subscrever a ação do presidente contra o “lockdown” nos Estados, Bolsonaro
privou o Supremo de seu principal elo com o Planalto. A nomeação do delegado da
Polícia Federal Anderson Torres, que se aproximou da família Bolsonaro quando
atuou como assessor parlamentar pró-endurecimento penal, deu ao Ministério da
Justiça as condições de operar um Estado policial do bolsonarismo. Sindicalista
da PF, leva para o governo, porém, a luta interna da bancada da bala no
Congresso.
Um
esboço do Estado policial apareceu no projeto de lei do líder do PSL, Vitor
Hugo (BA), que dá poderes a Bolsonaro sobre polícias estaduais. Ainda que não
passe, o projeto, que o vice Hamilton Mourão define como “pura espuma”, cumpre
a função de manter mobilizadas células bolsonaristas das polícias militares
Brasil afora. A da Bahia entregou não apenas a execução de Adriano da Nóbrega,
ex-PM bolsonarista da milícia carioca, como o motim do fim de semana.
O
antecessor de Torres, André Mendonça, que voltou para a Advocacia-Geral da
União, mostrava-se menos apto para operar este Estado policial. Ainda almeja o
Supremo mas ganhou um novo concorrente. O presidente do STJ, Humberto Martins,
outro candidato à vaga, causou má impressão no presidente em um café da manhã
no Alvorada, mas um antigo postulante, o ex-secretário-geral da Presidência e
atual ministro do TCU, Jorge Oliveira, voltou à roda. A derrota do ministro
Kassio Nunes na suspeição do ex-juiz Sergio Moro, que abriu mais uma porta para
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, mostrou o imperativo da
retaguarda bolsonarista na Corte. Como o passe para a trincheira é a lealdade,
Oliveira, ex-assessor de Bolsonaro e de Eduardo, além de padrinho de casamento
do deputado, voltou ao jogo.
Para
operar o tráfico das emendas parlamentares, alucinógeno que mantém a base
governista alheia aos danos ao país causados por sua permanência no mandato,
Bolsonaro levou para a Secretaria de Governo a deputada Flávia Arruda (PL-DF).
Ex-presidente da Comissão do Orçamento que furou o teto, a deputada tem a
missão de lembrar aos mercenários de fora da trincheira que não existe almoço
grátis. Apadrinhada por uma joint venture entre PL, PP e Republicanos, Flávia
também é a candidata natural a mensageira daqueles que buscarão a porta de
saída se deixados sem almoço. Entre um crime de responsabilidade e um buraco
alargado no Tesouro a opção de Bolsonaro parece óbvia. Avalistas desta
pajelança, como Arthur Lira, podem nutrir seus peões até 2022, mas perderão o
lugar duramente conquistado à mesa dos comensais da Faria Lima.
Nenhuma
dessas mudanças levou mais militares para governo. Talvez porque já não haja
quatro estrelas dispostos a emprestar sua biografia à aventura bolsonarista. O
último a entrar foi o almirante Flávio Rocha, que acumula a Secretaria de
Assuntos Estratégicos, a Secretaria de Comunicação e o inútil atributo da
moderação. Foi em sua antessala que um banqueiro, recentemente convidado para
um café no Planalto, recebeu o apelo para convencer o presidente para mudar de
canal. Se a missão foi, de fato, cumprida, o mandatário deu de ombros.
A
instalação de Luiz Eduardo Ramos na Casa Civil coroa o entrincheiramento. O
ministro acumula queixas entre colegas da ativa, seja pela maneira como o
ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e outros generais foram defenestrados,
seja pela carta branca que adquiriu para as nomeações no segundo escalão da
Esplanada.
A
última e mais trepidante das trocas de Bolsonaro, a do ministro da Defesa, foi
tiro que saiu pela culatra. A escolha de oficiais que se envolveram diretamente
nas ações de combate à pandemia para os comandos só demonstra a saia justa do
ministro da Defesa, Walter Braga Netto. Comandará o Exército o general que o
presidente da República quis punir por ter alertado para a terceira onda da
covid-19. O ministro precisou ceder para liderar as Forças depois da situação
desconfortável em que foi colocado com a demissão de Azevedo e Silva e do trio
de comandantes.
Desfez-se mais cedo do que gostaria a fantasia do dispositivo militar bolsonarista, o que não significa que o presidente tenha desistido da guerra.
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