- O Estado de S. Paulo
Esse desafio está posto em todos os países,
cujas sentenças são as mais variadas e mais complicam do que ajudam
Não é exagero dizer que o mundo todo
procura uma fórmula para proteger os que trabalham ancorados em aplicativos de
plataformas digitais. O que eles são? Empregados, autônomos, independentes,
freelancers, conta própria e o que mais?
É inegável que o trabalho dessas pessoas
tem muitas peculiaridades. Elas trabalham por períodos variados: algumas horas
por dia e, muitas vezes, combinam essa atividade com um emprego regular que
lhes deixa algum tempo livre para aumentar a sua renda com aplicativos. São
comuns os casos de profissionais que trabalham para mais de uma plataforma
simultaneamente, seja na rua, em casa e até em outros países. Numa palavra:
trata-se de um trabalho descontínuo no tempo e no espaço.
É claro que essas pessoas precisam de
proteções. Afinal, elas também adoecem, envelhecem e falecem, necessitando de
amparo adequado para enfrentar esses eventos.
Entre nós, a forma mais conhecida de
proteção é a da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que protege as
pessoas que têm empregos em locais fixos, realizados com habitualidade, em
tempo parcial ou integral, com contratos por tempo certo ou indeterminado, sob
a direção de um preposto de uma empresa. É o que estabelece o artigo 3.º
daquela lei.
Mas a irregularidade do trabalho dos profissionais de aplicativos está longe de se encaixar na situação de emprego. Quem seria o empregador, quando eles trabalham para mais de uma plataforma? Quem recolheria os encargos sociais? Como calcular benefícios trabalhistas e previdenciários para trabalhos realizados em frações de hora, dias, semanas e de forma irregular? Quem responde pela proteção quando o trabalho é prestado para diferentes países?
Ou seja, a CLT não se presta para proteger
esses trabalhadores, pois ela protege os empregos. No caso, precisamos de uma
lei que proteja as pessoas que trabalham, mas não têm empregos. Como garantir
as proteções mínimas nesse caso?
Esse desafio está posto em todos os países,
razão pela qual muitos casos vêm sendo resolvidos pelo Poder Judiciário, cujas
sentenças são as mais variadas: ora os trabalhadores são enquadrados como
empregados, ora como autônomos, ou, ainda, como categorias intermediárias
(parasubordinados, autônomos dependentes, “workers”, etc.), que mais complicam
do que ajudam.
Felizmente, o Brasil não está a zero nesse
campo. A Lei 8.213/1991 (Previdência
Social) garante auxílio-doença, reabilitação de acidentes e
enfermidades, licença-maternidade, aposentadoria e pensão por morte para os
filiados ao INSS. Para o transporte por aplicativos, a Lei 13.640/2018 deu
um importante passo ao exigir dos motoristas a filiação ao INSS como
contribuintes individuais, o que poderia ser estendido a todos os que trabalham
por aplicativo. Se quisessem, eles deveriam poder se inscrever como microempreendedores
individuais, criados pela Lei Complementar 128/2008. Mediante o pagamento de R$
55 mensais eles teriam todas as proteções acima indicadas. Além disso, poderiam
negociar proteções adicionais com as plataformas digitais como, aliás, já
ocorre em alguns casos. Finalmente, a proteção desses trabalhadores poderia ser
ampliada por meio de novas modalidades de seguros como, por exemplo, o de
acidentes que garanta uma renda durante a recuperação.
O assunto é urgente e precisa de uma ação
do Congresso Nacional, pois a sociedade não tolera a desproteção
atual. (Para mais detalhes, ver José Pastore, As proteções dos
trabalhadores em plataformas digitais, Revista Conceito Jurídico, n.º 47,
novembro de 2020.)
*Professor da FEA-USP e membro da Academia Paulista
de Letras. É presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário