- Folha de S. Paulo
Vai ter vacina para o mundo inteiro, com
pobres no fim da fila e isolados
Nesta semana, a cada dia cerca de 30
milhões de pessoas receberam uma dose de vacina contra a Covid, no mundo
inteiro. Em abril, foram produzidos mais de 42 milhões de doses por dia. Em
maio, a capacidade de produção deverá ter sido de mais de 72 milhões de doses
por dia, na média.
A projeção para
maio é de Simon Evenett e de Matt Linley, que trabalham para a Airfinity.
Trata-se de uma companhia de projeções, previsões e consultoria de
desenvolvimentos científicos e tecnológicos na área de biotecnologia, baseada
em Londres. Dão chutes informados, como se faz em qualquer projeção. Mas, em
abril, erraram por apenas 10%.
Evenett e Linley estimam que, até o final
do ano, será possível produzir 11,14 bilhões de doses. Nas contas deles, seriam
necessários 10,82 bilhões de doses para vacinar 75% da população mundial com 5
anos de idade ou mais. Com tantas doses, na verdade, daria para vacinar a
população adulta do mundo inteiro. Até agora, cerca de 1,74 bilhão de pessoas
tomaram ao menos uma dose.
Obviamente, como sabemos na própria pele, faltam vacinas, o que, claro, provoca mais mortes. Mas o problema não para aí. Em ambientes de vacinação lenta e grande circulação do vírus, há o grande risco de que se desenvolvam variantes resistentes às vacinas conhecidas. É o caso do Brasil.
A média brasileira de mortes é de 10 por
milhão de habitantes, nos últimos sete dias, maior que a da América do Sul
(9,3), o subcontinente ainda mais devastado. Na União Europeia, a taxa de
mortes está em 2,8, nos Estados Unidos em 1,9. Na Índia, está em 3, pelos dados
oficiais, em que ninguém acredita.
De qualquer modo, a situação brasileira é
péssima. Como se nota, há um grande risco de que ocorra uma nova rodada
de piora, um repique, com o que subiremos mais um degrau do
morticínio. A epidemia jamais foi controlada por aqui. Apenas conseguimos
diminuir a lotação das UTIs. No mais, a cada rodada e repique vamos para um
nível mais alto de contaminação e morte.
Isto posto, voltemos às vacinas: deve haver
vacinas para todo mundo, talvez até o final do ano, ao menos na projeção da
Airfinity. Pelo cronograma oficial do governo brasileiro, haveria vacinas
disponíveis para vacinar toda a população adulta até o final de setembro (mas a
vacinação na prática estaria completa lá por dezembro). Quase tão ruim quanto o
atraso é a falta de planejamento e convencimento do que fazer até lá.
Sem cuidado, vamos morrer ainda aos montes
e corremos o risco de inventarmos um bicho que drible a vacina. O mundo rico
vai se vacinar antes, claro, mesmo com a grande e inacreditável
lerdeza da União Europeia. Mas não estarão imunes a novas invasões bárbaras do
vírus do resto do mundo.
Até agora, 36% das pessoas na União
Europeia tomaram ao menos uma dose. Nos Estados Unidos, mais de 50%. Na Ásia,
menos de 6%. Na América do Sul, 17%. Na África, 1,7%.
O que vão fazer os países ricos? Fechar
fronteiras para países contaminados. Por ora, há apenas conversas iniciais para
que se invente um esquema para acelerar a imunização do Pobristão, o resto do
mundo. Mesmo que a ajuda chegue,
vai demorar. No nosso caso, não teremos ajuda e vamos chegar tarde à vacinação
completa.
Resumo da ópera: 1) não temos esquema para
conter o morticínio antes da vacinação; 2) dada essa circulação do vírus,
podemos criar variante nova ou piorar variantes importadas; 3) a vacinação aqui
progride, mas atrasada; 4) seremos, pois, um país contaminado, repelente,
provavelmente com portas fechadas no centro do mundo.
Por causa da doença e por causa do governo repulsivo.
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