quinta-feira, 27 de maio de 2021

Vinicius Torres Freire – Vai ter vacina para todo o mundo?

- Folha de S. Paulo

Vai ter vacina para o mundo inteiro, com pobres no fim da fila e isolados

Nesta semana, a cada dia cerca de 30 milhões de pessoas receberam uma dose de vacina contra a Covid, no mundo inteiro. Em abril, foram produzidos mais de 42 milhões de doses por dia. Em maio, a capacidade de produção deverá ter sido de mais de 72 milhões de doses por dia, na média.

projeção para maio é de Simon Evenett e de Matt Linley, que trabalham para a Airfinity. Trata-se de uma companhia de projeções, previsões e consultoria de desenvolvimentos científicos e tecnológicos na área de biotecnologia, baseada em Londres. Dão chutes informados, como se faz em qualquer projeção. Mas, em abril, erraram por apenas 10%.

Evenett e Linley estimam que, até o final do ano, será possível produzir 11,14 bilhões de doses. Nas contas deles, seriam necessários 10,82 bilhões de doses para vacinar 75% da população mundial com 5 anos de idade ou mais. Com tantas doses, na verdade, daria para vacinar a população adulta do mundo inteiro. Até agora, cerca de 1,74 bilhão de pessoas tomaram ao menos uma dose.

Obviamente, como sabemos na própria pele, faltam vacinas, o que, claro, provoca mais mortes. Mas o problema não para aí. Em ambientes de vacinação lenta e grande circulação do vírus, há o grande risco de que se desenvolvam variantes resistentes às vacinas conhecidas. É o caso do Brasil.

A média brasileira de mortes é de 10 por milhão de habitantes, nos últimos sete dias, maior que a da América do Sul (9,3), o subcontinente ainda mais devastado. Na União Europeia, a taxa de mortes está em 2,8, nos Estados Unidos em 1,9. Na Índia, está em 3, pelos dados oficiais, em que ninguém acredita.

De qualquer modo, a situação brasileira é péssima. Como se nota, há um grande risco de que ocorra uma nova rodada de piora, um repique, com o que subiremos mais um degrau do morticínio. A epidemia jamais foi controlada por aqui. Apenas conseguimos diminuir a lotação das UTIs. No mais, a cada rodada e repique vamos para um nível mais alto de contaminação e morte.

Isto posto, voltemos às vacinas: deve haver vacinas para todo mundo, talvez até o final do ano, ao menos na projeção da Airfinity. Pelo cronograma oficial do governo brasileiro, haveria vacinas disponíveis para vacinar toda a população adulta até o final de setembro (mas a vacinação na prática estaria completa lá por dezembro). Quase tão ruim quanto o atraso é a falta de planejamento e convencimento do que fazer até lá.

Sem cuidado, vamos morrer ainda aos montes e corremos o risco de inventarmos um bicho que drible a vacina. O mundo rico vai se vacinar antes, claro, mesmo com a grande e inacreditável lerdeza da União Europeia. Mas não estarão imunes a novas invasões bárbaras do vírus do resto do mundo.

Até agora, 36% das pessoas na União Europeia tomaram ao menos uma dose. Nos Estados Unidos, mais de 50%. Na Ásia, menos de 6%. Na América do Sul, 17%. Na África, 1,7%.

O que vão fazer os países ricos? Fechar fronteiras para países contaminados. Por ora, há apenas conversas iniciais para que se invente um esquema para acelerar a imunização do Pobristão, o resto do mundo. Mesmo que a ajuda chegue, vai demorar. No nosso caso, não teremos ajuda e vamos chegar tarde à vacinação completa.

Resumo da ópera: 1) não temos esquema para conter o morticínio antes da vacinação; 2) dada essa circulação do vírus, podemos criar variante nova ou piorar variantes importadas; 3) a vacinação aqui progride, mas atrasada; 4) seremos, pois, um país contaminado, repelente, provavelmente com portas fechadas no centro do mundo.

Por causa da doença e por causa do governo repulsivo.

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