- Valor Econômico
Governo calcula deflator do PIB em 9,3%
para este ano
Já é reconhecido na área econômica do
governo que o cenário fiscal para este ano está melhor do que se imaginava e
que a projeção de queda da relação entre a dívida bruta e o Produto Interno
Bruto (PIB) para 87,2% está defasada. A nova estimativa está sendo revisada,
mas fontes apontam tendência de um número menor e a possibilidade de ficar até
abaixo de 85% do PIB, que foi mencionada anteontem em evento do BTG Pactual
pelo ex-secretário do Tesouro e economista-chefe do banco, Mansueto Almeida.
Ele também está finalizando seus novos
números, a serem divulgados em junho. Ao Valor Mansueto explicou que a dívida em 85% do
PIB é um cenário conservador e que há chances razoáveis de o principal
indicador fiscal do país ficar menor ainda.
O economista destaca a velocidade de mudança (para melhor) no cenário para as contas do governo em 2021, em decorrência de fatores como a surpresa positiva do PIB (real e nominal) e a inflação. Lembra que, há pouco mais de 50 dias, o consenso previa queda no PIB do primeiro trimestre, o que se alterou completamente nas últimas semanas, após os dados de atividade econômica de março. Ele projeta alta de 0,9%, que já aponta para uma expansão no ano de 4,3%, que pode chegar a 5% com um processo de vacinação mais acelerado.
A segunda surpresa é a alta nos preços de
commodities. “Isso puxou o preço médio das exportações, melhorou os termos de
troca e influencia o deflator de PIB [medida de inflação que o IBGE usa nas
contas nacionais]. Com isso, estamos projetando o PIB nominal crescendo 12%, o
maior ritmo desde 2011. Isso ajuda todas estatísticas fiscais”, disse Mansueto,
acrescentando que o “deflator” está rodando acima do IPCA, fenômeno que ocorreu
no primeiro governo Lula até meados do segundo.
A última surpresa citada é a revisão, feita
pelo governo, do déficit primário para 2021, quase R$ 100 bilhões menor. “Isso
ocorreu pela arrecadação, que tem tido ajuda da inflação”, disse.
Fontes da equipe econômica têm leitura
semelhante, ainda que demonstrem cautela. O cenário de maior crescimento do
PIB, da inflação, bem como uma expectativa de melhora para o resultado
primário, ainda será incorporado na previsão da pasta para a dívida bruta.
É importante salientar o papel da inflação,
que tem feito um estrago na renda do trabalhador, nesse processo. Ela contribui
para aumentar a arrecadação e, consequentemente reduzir o déficit primário, e em
outra frente, pelo efeito estatístico no denominador (PIB) sobre o qual é
referenciada a dívida pública.
A projeção mais recente feita pela
Secretaria de Política Econômica colocou a inflação usada no PIB em 9,3%, ante
6,75% anteriormente. A forte alta do IGP-DI, mas também o IPCA maior, foi
determinante para essa revisão. Mas a estimativa de relação dívida/PIB em 87,2%
feita pelo ministério ainda considera o “deflator” antigo.
Para um interlocutor da pasta,
independentemente dos fatores que estão levando à melhora nas projeções, a
realidade é que a sinalização de uma dívida abaixo de 85% coloca o país numa
posição menos desconfortável para realizar seu processo de consolidação fiscal
do que o seria com ela acima de 90%, como chegou a ser projetado ao longo do
ano passado.
Outra fonte vai na mesma direção,
ressaltando que, mesmo que a inflação tenha um papel relevante neste momento, a
queda no endividamento diminui a percepção de risco sobre o país, favorecendo
juros menores e um cenário de crescimento mais sustentável.
Esse interlocutor do governo, porém,
destaca que essa leitura positiva leva em conta que a elevação dos índices de
preços é temporária e que a inflação no Brasil voltará para o ritmo previsto
nas metas já no segundo semestre e fechará o próximo ano no alvo de 3,5%.
Embora reconheça a possibilidade de melhora
na dívida, o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe
Salto, por ora se mostra com um cenário mais conservador. Mas destaca que a
variável determinante neste ano será de fato o deflator do PIB. “Mesmo que um
cenário de que estabilidade ou queda da dívida se materialize neste ano, para a
partir de 2022 voltaria a crescer.”
Ele comenta que a inflação é um fenômeno
negativo para a economia de forma geral e que hoje está sendo afetada por
apreensão com a política e o lado fiscal, por meio da taxa de câmbio. “Mas ela
produz certos efeitos colaterais temporários que podem ajudar o teto, a dívida
e a receita nominal. O teto, pelo mau desenho da regra. A dívida, pelo efeito
no denominador do indicador, e a receita, porque quando mais PIB nominal, mais
receita entra. Há que se ter muita cautela neste momento de elevada incerteza”,
disse Salto.
O pesquisador do Ibre e economista-sênior
da LCA Consultores Braulio Borges finalizou um texto mostrando que neste ano as
contas públicas se beneficiarão de algo que pouco se viu no Brasil nas últimas
duas décadas: o custo nominal da dívida ficando abaixo da variação do PIB
nominal.
Segundo ele, entre 2001 e 2020 essa
relação, chamada “r-g” (no qual r é o custo da dívida e g é o crescimento
nominal do PIB), ficou em média positiva em 2,7 pontos percentuais, ou seja, o
custo da dívida ficou nessa proporção acima do crescimento do país. Para este
ano, porém, ele contempla a possibilidade de o custo da dívida ficar 5 pontos
percentuais inferior ao PIB.
Para um prazo maior, o cenário dele também
é favorável. “O ‘r-g’ brasileiro deverá se situar em torno de +1,2 p.p. ao ano
considerando o cenário de consenso mais recente. Ou seja: ainda não se trata do
‘r-g’ negativo observado em boa parte das economias centrais em termos
históricos, mas será bem mais favorável, do ponto de vista da relação
dívida/PIB, do que aquele observado no Brasil em 2014-2020 (+5,5 p.p.)”, disse,
completando que isso implica uma necessidade de resultado primário menor para
estabilizar a dívida.
De fato, é uma boa notícia que a situação de endividamento do país esteja melhor do que se imaginava há seis meses. Isso pode alimentar um ciclo econômico melhor à frente. Mas o desafio de se buscar uma equação fiscal que permita ao país agir com mais determinação e eficácia para reduzir a pobreza, a desigualdade e promover o emprego e a elevação da renda dos trabalhadores continua colocado para o governo e a sociedade. E a pandemia só tornou isso mais urgente.
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