quinta-feira, 27 de maio de 2021

Maria Cristina Fernandes - O motor da polarização


- Valor Econômico

Almoço de Lula e Fernando Henrique Cardoso anteviu a guinada perdulária do governo

Se ministros muquiranas costumam ser assaltados à luz do sol em praça pública durante anos eleitorais, aquele que avisa aos quatro ventos que se tornou um perdulário vai terminar o ano, na melhor das hipóteses, nu com a mão no bolso. Foi assim que o ministro da Economia se anunciou na entrevista a Alexa Salomão e Bruno Caram, da “Folha de S.Paulo”. Enquanto os ex-presidentes do Banco do Brasil e da Petrobras, que deixaram o governo tolhidos na execução da antiga cartilha do ministro, são “liberais abstratos”, Paulo Guedes optou pela dura poesia concreta das urnas. Disse que vai ter dinheiro para os dois programas com os quais o governo pretende enfrentar o PT, um bolsa família melhorado e uma bolsa de qualificação profissional, que pode chegar a R$ 600.

Dias antes, o encontro dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso antevira a mutação do governo com vistas a 2022. O Orçamento terá uma folga de caixa de R$ 35 bilhões em relação a este ano, segundo a Instituição Fiscal Independente, graças, em grande parte, aos efeitos contábeis da inflação e às benesses advindas da alocação de despesas para fora do teto fiscal. Pedalando, qualquer um chega, mas tem ainda a alta das commodities e os pagamentos do BNDES ao Tesouro.

No cenário de reação do governo que a reunião dos dois ex-presidentes anteviu, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid no Senado veio no momento errado. O esgotamento com a doença e a overdose do noticiário decorrente da CPI farão com que a população chegue a 2022 cansada do tema. A vacinação que, aos trancos e barrancos, avançará, pode impulsionar a busca por uma nova pauta. Com certeza, o fará sobre os escombros de uma macabra história de incúria e irresponsabilidade, mas o bolsonarismo já mostrou sua capacidade de produzir fatos alternativos da pós-verdade.

Veio daí a corrida para estabelecer um eixo político em torno de Lula capaz de atrair o centro antes que o governo recupere o fôlego fiscal que pode lhe trazer palanques e votos. Juntou a descrença de FHC de que a terceira via venha a se viabilizar com a vontade do petista em ocupar este espaço e o cardápio na casa de Nelson Jobim estava pronto. Lula se comprometeu a só divulgar a foto mediante aval dos três, o que aconteceu na semana seguinte.

O último encontro havia acontecido no Hospital Sírio-Libanês, em fevereiro de 2017, quando FHC foi visitar Lula por ocasião do acidente vascular cerebral de Marisa Letícia, de quem o petista enviuvaria no dia seguinte. Desta vez, a conversa começou na campanha que um dia fizeram juntos, em 1978, e terminou por aquela que pode voltar a reuni-los, em 2022.

O ministro da Justiça de um (FCH), da Defesa do outro (Lula) e hoje presidente do Conselho de Administração do BTG, já tinha discutido a pauta com o petista no dia em que se encontraram depois do julgamento que declarou o ex-juiz Sergio Moro suspeito e sabia da disposição do tucano em encontrá-lo.

Jobim costuma externar a tese de que a crise política que o país vive hoje nasceu no rompimento entre PT e PSDB na eleição para a presidência da Câmara, em 2005. A ascensão de Severino Cavalcanti, com o voto de tucanos rebelados e a cisão interna entre dois postulantes petistas, deixou de fora do cargo, pela primeira vez, o maior partido da Casa (PT). Com o mensalão batendo à porta, Lula entregou o Ministério das Cidades e a Petrobras para o PP, o baixo clero dominou a Câmara e o Colégio de Líderes perdeu funcionalidade. O líder respondia por 80% dos votos das bancadas, intermediava as audiências nos ministérios e encabeçava a negociação das emendas. Colegiados, enfrentavam o presidente da Câmara, que se fortaleceu com seu esvaziamento até produzir um espécime como Eduardo Cunha. A partir daí começaria a escalada das emendas impositivas. Primeiro as individuais, depois as de bancada e, neste governo, as de relator.

Se a crise que, 13 anos depois, resultou em Bolsonaro nasceu de um rompimento entre PT e PSDB, chegara a hora de reaproximar os dois partidos para sair dela. Não se imagina que os tucanos abram mão da candidatura presidencial, mas tampouco se aposta que o partido tenha chance de emplacar no segundo turno. O governador João Doria teria dificuldade de decolar até em São Paulo, onde o PT está disposto a ir de Fernando Haddad, Guilherme Boulos, Márcio França ou Geraldo Alckmin a quem Lula, a exemplo dos tucanos, já chama pelo primeiro nome.

Jobim se move pela perspectiva de que o centro precisa se antecipar no apoio a Lula para evitar que o ex-presidente se torne refém da esquerda do seu partido. Assim também parecem fazê-lo o presidente do PSD, Gilberto Kassab, e o ex-presidente Michel Temer, no MDB. Buscam uma plataforma que angarie apoio empresarial à candidatura Lula e da qual sejam os mediadores. Temer já chegou a falar até numa reedição do “Ponte para o Futuro”, o programa com o qual o MDB apresentou suas credenciais para garantir o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Mas se até Guedes imbuiu-se de uma “consciência política” que nunca teve, não será pela alienação da vida real das pessoas que este bloco de oposição se imporá.

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No cálculo dos estrategistas de Bolsonaro e de Lula, a variável mais imponderável é aquela que advém da guerra das corporações, reflexo, também, da fratura no favoritismo presidencial. Além do embate entre Ministério Público e Polícia Federal, sem liderança no Supremo capaz de mediá-lo, preocupa o governo e, principalmente, o entorno do senador Flávio Bolsonaro, a atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Desde o início do ano, o Coaf soltou Relatórios de Inteligência Financeira que enervaram o advogado da família, Frederick Wassef, denunciaram operação envolvendo o ex-escritório de advocacia do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e colocaram sob suspeita movimentações de empresas de ex-funcionários do novo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. Como o apartamento do Rio, cuja venda foi apontada pelo filho do presidente como uma das fontes para a compra de sua casa em Brasília, continua em seu nome, o flanco se mantém aberto. O Coaf funciona sob comando de um escolhido pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos, um liberal nada abstrato.

 

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