- Valor Econômico
Almoço de Lula e Fernando Henrique Cardoso
anteviu a guinada perdulária do governo
Se ministros muquiranas costumam ser
assaltados à luz do sol em praça pública durante anos eleitorais, aquele que
avisa aos quatro ventos que se tornou um perdulário vai terminar o ano, na
melhor das hipóteses, nu com a mão no bolso. Foi assim que o ministro da
Economia se anunciou na entrevista a Alexa Salomão e Bruno Caram, da “Folha de
S.Paulo”. Enquanto os ex-presidentes do Banco do Brasil e da Petrobras, que
deixaram o governo tolhidos na execução da antiga cartilha do ministro, são
“liberais abstratos”, Paulo Guedes optou pela dura poesia concreta das urnas.
Disse que vai ter dinheiro para os dois programas com os quais o governo
pretende enfrentar o PT, um bolsa família melhorado e uma bolsa de qualificação
profissional, que pode chegar a R$ 600.
Dias antes, o encontro dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso antevira a mutação do governo com vistas a 2022. O Orçamento terá uma folga de caixa de R$ 35 bilhões em relação a este ano, segundo a Instituição Fiscal Independente, graças, em grande parte, aos efeitos contábeis da inflação e às benesses advindas da alocação de despesas para fora do teto fiscal. Pedalando, qualquer um chega, mas tem ainda a alta das commodities e os pagamentos do BNDES ao Tesouro.
No cenário de reação do governo que a
reunião dos dois ex-presidentes anteviu, a Comissão Parlamentar de Inquérito da
Covid no Senado veio no momento errado. O esgotamento com a doença e a overdose
do noticiário decorrente da CPI farão com que a população chegue a 2022 cansada
do tema. A vacinação que, aos trancos e barrancos, avançará, pode impulsionar a
busca por uma nova pauta. Com certeza, o fará sobre os escombros de uma macabra
história de incúria e irresponsabilidade, mas o bolsonarismo já mostrou sua
capacidade de produzir fatos alternativos da pós-verdade.
Veio daí a corrida para estabelecer um eixo
político em torno de Lula capaz de atrair o centro antes que o governo recupere
o fôlego fiscal que pode lhe trazer palanques e votos. Juntou a descrença de
FHC de que a terceira via venha a se viabilizar com a vontade do petista em
ocupar este espaço e o cardápio na casa de Nelson Jobim estava pronto. Lula se
comprometeu a só divulgar a foto mediante aval dos três, o que aconteceu na
semana seguinte.
O último encontro havia acontecido no
Hospital Sírio-Libanês, em fevereiro de 2017, quando FHC foi visitar Lula por
ocasião do acidente vascular cerebral de Marisa Letícia, de quem o petista
enviuvaria no dia seguinte. Desta vez, a conversa começou na campanha que um
dia fizeram juntos, em 1978, e terminou por aquela que pode voltar a reuni-los,
em 2022.
O ministro da Justiça de um (FCH), da Defesa
do outro (Lula) e hoje presidente do Conselho de Administração do BTG, já tinha
discutido a pauta com o petista no dia em que se encontraram depois do
julgamento que declarou o ex-juiz Sergio Moro suspeito e sabia da disposição do
tucano em encontrá-lo.
Jobim costuma externar a tese de que a
crise política que o país vive hoje nasceu no rompimento entre PT e PSDB na
eleição para a presidência da Câmara, em 2005. A ascensão de Severino
Cavalcanti, com o voto de tucanos rebelados e a cisão interna entre dois
postulantes petistas, deixou de fora do cargo, pela primeira vez, o maior
partido da Casa (PT). Com o mensalão batendo à porta, Lula entregou o
Ministério das Cidades e a Petrobras para o PP, o baixo clero dominou a Câmara
e o Colégio de Líderes perdeu funcionalidade. O líder respondia por 80% dos
votos das bancadas, intermediava as audiências nos ministérios e encabeçava a
negociação das emendas. Colegiados, enfrentavam o presidente da Câmara, que se
fortaleceu com seu esvaziamento até produzir um espécime como Eduardo Cunha. A
partir daí começaria a escalada das emendas impositivas. Primeiro as
individuais, depois as de bancada e, neste governo, as de relator.
Se a crise que, 13 anos depois, resultou em
Bolsonaro nasceu de um rompimento entre PT e PSDB, chegara a hora de
reaproximar os dois partidos para sair dela. Não se imagina que os tucanos
abram mão da candidatura presidencial, mas tampouco se aposta que o partido
tenha chance de emplacar no segundo turno. O governador João Doria teria
dificuldade de decolar até em São Paulo, onde o PT está disposto a ir de
Fernando Haddad, Guilherme Boulos, Márcio França ou Geraldo Alckmin a quem
Lula, a exemplo dos tucanos, já chama pelo primeiro nome.
Jobim se move pela perspectiva de que o
centro precisa se antecipar no apoio a Lula para evitar que o ex-presidente se
torne refém da esquerda do seu partido. Assim também parecem fazê-lo o
presidente do PSD, Gilberto Kassab, e o ex-presidente Michel Temer, no MDB.
Buscam uma plataforma que angarie apoio empresarial à candidatura Lula e da
qual sejam os mediadores. Temer já chegou a falar até numa reedição do “Ponte
para o Futuro”, o programa com o qual o MDB apresentou suas credenciais para
garantir o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Mas se até Guedes imbuiu-se
de uma “consciência política” que nunca teve, não será pela alienação da vida
real das pessoas que este bloco de oposição se imporá.
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No cálculo dos estrategistas de Bolsonaro e
de Lula, a variável mais imponderável é aquela que advém da guerra das
corporações, reflexo, também, da fratura no favoritismo presidencial. Além do
embate entre Ministério Público e Polícia Federal, sem liderança no Supremo
capaz de mediá-lo, preocupa o governo e, principalmente, o entorno do senador
Flávio Bolsonaro, a atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
Desde o início do ano, o Coaf soltou Relatórios de Inteligência Financeira que
enervaram o advogado da família, Frederick Wassef, denunciaram operação
envolvendo o ex-escritório de advocacia do ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, e colocaram sob suspeita movimentações de empresas de ex-funcionários
do novo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. Como o apartamento do Rio, cuja venda
foi apontada pelo filho do presidente como uma das fontes para a compra de sua
casa em Brasília, continua em seu nome, o flanco se mantém aberto. O Coaf
funciona sob comando de um escolhido pelo presidente do Banco Central, Roberto
Campos, um liberal nada abstrato.
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