O Globo
Julgamento de Bolsonaro e de outros
envolvidos na trama golpista reacenderá dilemas no caminho do governo Trump e
de aliados do ex-presidente em solo brasileiro
Agosto começará em setembro, com o julgamento
de Jair Bolsonaro e do estado-maior da trama golpista de 2022/23. Correndo por
fora, poderá vir o início dos trabalhos da CPI da roubalheira dos aposentados.
A divulgação, pela Polícia Federal, de
diálogos e documentos dos Bolsonaro apimentou o caso, trazendo para o debate a
trama que influenciou o comportamento do governo de Donald Trump. No dia 9 de
julho, ele exigiu que o processo contra o ex-presidente fosse extinto
“IMEDIATAMENTE” (ênfase dele). Foram palavras ao vento, desmoralizadas pela
revelação dos diálogos do deputado Eduardo Bolsonaro com seu pai.
A diplomacia destrambelhada de Trump e de Marco Rubio, seu secretário de Estado, entrou num beco com poucas saídas. A tese segundo a qual o Brasil desrespeita os direitos humanos de seus cidadãos, não fica em pé, mesmo para advogados americanos. O deputado Jim McGovern, autor da Lei Magnitsky, usada para sancionar o ministro Alexandre de Moraes, classificou o gesto de “vergonhoso”.
Depois de uma condenação de Bolsonaro, uma
eventual persistência de Trump carregará um peso adicional. O Brasil nunca teve
um contencioso de tão baixa qualidade com os Estados Unidos, capaz de
contaminar outros itens da agenda da Casa Branca.
Falando em nome do governo americano (sem
mandato para isso), Bolsonaro disse a Silas Malafaia: “Se não começar votando a
anistia não tem negociação sobre tarifa.” Referia-se à própria anistia. Seu
filho, acampado em Washington, era mais cauteloso, temendo que uma “anistia
light”, deixasse o pai de fora e desarticulasse suas armações.
Quem acompanha essa crise tem um palpite.
Depois da condenação de Bolsonaro e seu estado-maior golpista, o Congresso
poderá aprovar a “anistia light” temida pelo deputado.
Tarcísio exagera
Tratando da divulgação, pela Polícia Federal,
das conversas de Eduardo Bolsonaro com seu pai, o governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas reclamou, perguntando “onde o Brasil vai parar” com esse
tipo de conduta (da PF).
Errou o alvo. Deveria ter perguntado a que
ponto se chegou com um deputado tratando de assuntos de Estado com linguagem de
gafieira com um ex-presidente da República.
Tarcísio precisa calcular até onde levará sua
gratidão a Bolsonaro.
A astúcia de Braga Netto
O general Walter Braga Netto chegou à quarta
estrela e ocupou o Ministério da Defesa. Com tamanho desempenho, seria o caso
de pensar que soubesse cuidar da sua segurança.
No dia 9 de fevereiro de 2024, quando
Alexandre de Moraes havia proibido que os dois se comunicassem. O general da
reserva mandou a seguinte mensagem a Bolsonaro:
“Estou com este número pré-pago para qualquer
emergência. Não tem zap.”
Esperto, Braga Netto desconsiderou a
possibilidade da apreensão do celular de Bolsonaro.
Ex-interventor na segurança do Rio de
Janeiro, o general não aprendeu nada.
Os Bolsonaro ajudaram a anistia
Com sua tese da “anistia light”, Eduardo
Bolsonaro pôs uma cereja no bolo de quem articula uma anistia para a infantaria
do 8 de Janeiro, deixando de fora o ex-presidente e seu estado-maior golpista.
O fim do PSDB
Eduardo Riedel, governador de Mato Grosso do
Sul, deixou o PSDB e se aninhou no PP.
O partido de Fernando Henrique Cardoso,
Franco Montoro e Mário Covas, exauriu-se. Acabou-se muito mais pelas suas
virtudes do que pelos defeitos. No seu esplendor, teve 1,3 milhão de filiados e
sete governadores, inclusive os de São Paulo e Minas Gerais.
Quando for escrita a história deste período,
vai-se descobrir que ele foi uma fracassada tentativa de exercício do poder
pelos social-democratas. O que vinha a ser esse poder, não se sabe direito.
Sabe-se contudo, que o ocaso dos tucanos coincide com uma polarização pobre,
pedestre e primitiva.
Recordar é viver
Os Bolsonaro falam ao telefone como se
estivessem num palanque. Pretendem praticar uma nova forma de política. Tudo
bem, mas deveriam seguir os conselhos de dois grandes políticos da segunda
metade do século XX, Tancredo Neves (1910-1985) e Petrônio Portella
(1925-1980). D. Eugênio Sales (1920-2012), arcebispo do Rio de Janeiro, ia mais
longe.
Tancredo explicava: “Não falo nada relevante
ao telefone porque fui ministro da Justiça.
Petrônio ia mais longe, falava. Mas quem
entrasse na linha nada entendia. Coisa mais ou menos assim:
“Falei com nosso amigo e ele concordou. Vamos
nos encontrar na casa dele e vou levar aquele papel que você me deu.”
D. Eugênio falava para o grampo. Se alguém o
procurava para interceder por um irmão preso, pedia que lhe telefonasse mais
tarde repetindo o pleito. Depois de ouvi-lo, o cardeal dizia:
“Não se preocupe, o general Reynaldo
(Reynaldo Mello de Almeida, comandante da guarnição do Rio de 1974 a 1976) é um
bom cristão e nada deverá acontecer ao seu irmão. De qualquer forma mantenha-me
informado.”
D. Eugênio assegurava que esse método era
eficaz.
Diplomacia tóxica
Na segunda-feira, o Departamento de Estado
americano divulgou uma nota dizendo que “Alexandre de Moraes é tóxico para
todas as empresas legítimas e indivíduos que buscam acesso aos Estados Unidos e
seus mercados”.
Dois dias depois a Polícia Federal divulgou
parte das maquinações de Eduardo Bolsonaro em Washington.
Quem se meteu com gente tóxica foi a Casa
Branca, arrastando o Departamento de Estado.
A diplomacia americana já foi comandada por
cavalheiros como Dean Acheson (1949-1953).
A blindagem petista
Os companheiros palacianos resolveram blindar
o governo nos trabalhos na CPI que vai apurar a roubalheira praticada contra os
aposentados do INSS. Num primeiro lance, escolheriam o presidente e o relator
da comissão. Pfff. A oposição fez seu serviço e ocupou as duas cadeiras.
Diante da derrota, os companheiros insistiram
na tática da blindagem.
Essa onipotência já acabou com Dilma Rousseff
deposta e Lula encarcerado.
A trilha do dinheiro
O deputado Alfredo Gaspar, que ficou com a
relatoria da CPI, disse ao repórter Raphael Di Cunto que “seguirá a trilha do
dinheiro” (coisa de bilhões de reais): “Esse pessoal não ia conseguir desviar
recursos sem apoio político.”
Depois que a reforma trabalhista de 2017
acabou com o imposto sindical, as entidades de classe perderam sua principal
fonte de receita. Estima-se que o buraco tenha chegado a R$ 3 bilhões anuais.
Os sindicatos buscaram outras fontes de receita. Uma delas foi a criação de uma contribuição sindical, que remuneraria a guilda por serviços prestados à categoria. Há sindicatos que prestam serviços e há outros que não fazem coisa alguma. Outra fonte, perseguida por alguns sindicatos (não todos), foi a contribuição dos aposentados.
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