quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

De novo, Bolsonaro envergonha o Brasil

O Estado de S. Paulo

No exterior, presidente é motivo de zombaria, descaso e vergonha. No Brasil, ele é ainda uma constante fonte de incerteza e angústia

O presidente Jair Bolsonaro foi a Roma a pretexto de participar da cúpula do G20, grupo formado pelas 20 maiores economias do mundo. A viagem pode ter sido boa para ele e para os membros de sua comitiva. Para o Brasil e para os brasileiros, no entanto, foi péssima. Jamais um chefe de Estado havia envergonhado tão profundamente o País em uma agenda internacional. Mais uma vez, restou evidente que Bolsonaro não está à altura da Presidência da República.

O roteiro da viagem de Bolsonaro pela Itália retratou com exatidão o deserto programático de seu governo, a total ausência de uma agenda do presidente para o País e sua incompreensão do lugar do Brasil no mundo. Como não sabe o que fazer e tampouco separa interesses de Estado e de governo de seus objetivos particulares, Bolsonaro passou longe de reuniões bilaterais produtivas, alinhamento de acordos diplomáticos e comerciais ou simplesmente conversas de alto nível com outros dignitários que pudessem ao menos estreitar laços entre o Brasil e os outros países do G-20. Enquanto chefes de Estado e de governo conversavam entre si sobre temas de interesse comum como vacinação, mudanças climáticas e taxação global para grandes empresas, Bolsonaro se entretinha entabulando conversas sobre futebol com alguns garçons.

O presidente brasileiro se reuniu apenas com o anfitrião da cúpula do G-20, o presidente italiano Sergio Mattarella, encontro meramente protocolar, e com o secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Mathias Cormann. Como foi noticiado, o encontro entre Bolsonaro e Cormann foi “rápido e inconclusivo”. Bolsonaro reafirmou a pretensão do Brasil de ingressar na OCDE, mas ouviu do secretário-geral da organização que, embora o País seja “grandioso”, “há um processo e o Brasil é um dos seis países candidatos (a ingressar na OCDE)”.

Poesia | Cora Coralina - Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Música | Ana Costa & Leila Pinheiro - Na lida do amor / Não é não

 

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Vera Magalhães - Depois da Itália, dá para crer em Glasgow?

O Globo

O Brasil surpreendeu e, debaixo de uma tremenda pressão dos Estados Unidos, assinou o Compromisso Global do Metano com outros 96 países, para reduzir em 30% as emissões desse gás, um dos maiores responsáveis pelo aquecimento global, até 2030, partindo dos dados de 2020.

O governo brasileiro também aderiu ao acordo para zerar o desmatamento até 2030, ao lado de mais de cem países, desta vez com Rússia e China, que não integram o tratado do metano.

Duas notícias com potencial bastante positivo, ainda mais diante do retrospecto do governo Bolsonaro noutras cúpulas climáticas desde 2019. Mas, justamente por isso: será que é possível acreditar em tamanha inflexão de um governo que, até aqui, apenas desdenhou a emergência climática e incentivou o desmatamento ao defender garimpos, exploração econômica da Amazônia e fim da demarcação de terras indígenas, além de interromper a política de fiscalização e multas a crimes ambientais? E que tem justamente no setor mais atrasado do agronegócio, aquele dissociado de compromissos ambientais, um dos seus esteios econômicos e políticos?

Elio Gaspari - A diplomacia miliciana de Bolsonaro

O Globo / Folha de S. Paulo

Ele foi a Roma para brigar na rua

As cenas da passagem da comitiva de Bolsonaro por Roma foram um aperitivo do que pode acontecer durante a campanha eleitoral do ano que vem. Ganha uma viagem a um garimpo ilegal da Amazônia quem souber de uma ideia apresentada pelo capitão durante sua passagem pela cidade e pela reunião do G20.

Pisou no pé da chanceler alemã Angela Merkel, teve uma conversa desconexa com o presidente turco, conversou com garçons e, por não usar máscara nem tomar vacina, ficou sem o aperto de mão do primeiro-ministro Mario Draghi.

Bolsonaro aproveitou a viagem para seguir um roteiro sentimental e, na segunda-feira, foi a Pádua. Lá aconteceu um choque de manifestantes com a polícia, que bloqueou uma marcha. Quem viu as cenas testemunhou um encontro de militantes organizados, mesmo agressivos, com forças da ordem civilizadas. A polícia usou canhão de água e cassetetes para conter a passeata. Uma só manifestante foi detida. Usou-se a força sem violência indiscriminada. Isso em Pádua.

Cristovam Buarque* - Casamento irresponsável

Correio Braziliense

Entre 1958 e 1994, o Brasil ganhou cinco Copas do Mundo e teve 10 moedas: somos o país do futebol e da inflação. A vocação para o esporte vem da prática por todos os brasileiros desde a infância, a vocação para desvalorizar a moeda vem do casamento irresponsável entre política populista, sem compromisso nacional, com economia keynesiana mimética, sem adaptação à nossa realidade.

O economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) formulou proposta para países já desenvolvidos, com responsabilidade fiscal entre entes políticos, razoável grau de austeridade entre consumidores e agentes públicos, numa sociedade com distribuição de renda e acesso a serviços públicos, em tempo anterior ao consumismo do pós-guerra. No artigo “Quanto é Bastante”, Keynes especulava sobre limite máximo de renda necessária para vida digna.

Sua formidável proposta de aumentar o gasto público como instrumento para recuperar o emprego e a atividade em economias desenvolvidas com política responsável foi importada para o Brasil sem considerar nossa cultura política populista, num país dividido socialmente, com imensos bolsões de pobreza, tolerante com concentração de renda e ineficiência econômica, com voracidade por consumo e gosto pela ostentação, e fascinado pela possibilidade de sair do subdesenvolvimento caminhando “50 anos em 5”, tendo a ilusão de que é possível beneficiar a todos sem sacrificar ninguém.

Luiz Carlos Azedo - Txai Suruí é a minha candidata ao Nobel da Paz de 2022

Correio Braziliense

A jovem Walelasoetxeige Suruí tem apenas 24 anos e confirma a quebra do monopólio da política internacional de chefes de Estado, diplomatas e militares

Criado em 1901, o prêmio Nobel da Paz não foi capaz de impedir as duas grandes guerras mundiais do século passado, mas contribuiu muito para que a política internacional deixasse de ser monopólio dos chefes de Estado, diplomatas e militares, projetando personalidades que efetivamente contribuíram para que a paz se consolidasse como um valor universal. Ironicamente, seu criador, Alfred Nobel, era um industrial, inventor e fabricante de armamentos sueco. Por sua decisão, um comitê de cinco pessoas indicadas pelo Parlamento da Suécia anualmente escolhe aqueles que se destacaram por trabalhar pela fraternidade entre as nações, pela abolição ou redução de exércitos permanentes e pela paz. Polêmico, nos últimos anos, o prêmio vem sendo destinado a pessoas que enfrentam situações limites em seus respectivos países, como os jornalistas Maria Ressa e Dmitry Muratov, nas Filipinas e na Rússia, respectivamente, os premiados de 2021.

Bernardo Mello Franco – Moro e a vassoura

O Globo

A cada três décadas, o Brasil elege um salvador da pátria que promete acabar com a corrupção. Em 2018, Jair Bolsonaro reciclou o discurso moralista de Fernando Collor em 1989. Os dois seguiram a trilha de Jânio Quadros, fenômeno eleitoral de 1960.

Jânio subia ao palanque com uma vassourinha. Prometia usá-la para varrer a bandalheira da política. Como Collor e Bolsonaro, elegeu-se por um partido de aluguel, o PTN. A sigla foi extinta na ditadura, ressurgiu na democracia e mudou o nome para Podemos. Na semana que vem, lançará Sergio Moro como pré-candidato ao Planalto.

O ex-juiz se projetou com a imagem de caçador de corruptos. Depois abandonou a toga, virou ministro e caiu em desgraça ao romper com Bolsonaro e ter sentenças anuladas pelo Supremo. Ontem ele começou a distribuir convites para o ato de filiação. Escolheu o Dia de Finados para tentar ressuscitar na cena política.

Moro disputará espaço na terceira via, que hoje tem muitos candidatos e poucos votos. No fim de setembro, ele apareceu com 5% numa pesquisa do Ipec. Amargou um modesto quarto lugar, bem atrás de Lula (45%) e Bolsonaro (22%) e embolado com Ciro Gomes (6%).

Bruno Boghossian – O candidato veste toga

Folha de S. Paulo

Personagem da arena política, ex-juiz continuará vestindo toga como pré-candidato

Em novembro de 2017, Sergio Moro dizia que migrar para o campo eleitoral seria um movimento inapropriado, tanto naquela época como no futuro. O próprio juiz admitia o problema. "Isso poderia colocar em dúvida a integridade do trabalho que eu fiz até o presente momento", disse, num seminário da revista Veja.

Na ocasião, Moro já era um personagem daquela arena. Ele defendia a decisão de divulgar uma gravação que ampliou a turbulência do impeachment de Dilma Rousseff e chefiava um processo contra o candidato que liderava as pesquisas para a eleição seguinte. O juiz, no entanto, tentava traçar uma linha para afastar a ideia de que buscava um benefício político direto com sua atuação.

Hélio Schwartsman - Como destronar um autocrata

Folha de S. Paulo

Oposição do país fez a lição de casa para enfrentar Orbán

A oposição húngara poderá até perder a eleição do ano que vem para o grupo do premiê Viktor Orbán, mas, se isso ocorrer, não terá sido por falta de coordenação e desprendimento. A coalizão de seis partidos que se opõem a Orbán é um saco de gatos. Inclui desde conservadores religiosos até a centro-esquerda, passando pelos liberais. Mas eles estão fazendo tudo certo para tentar destronar o premiê, no poder desde 2010. Orbán é provavelmente o caso mais bem-sucedido de dirigente que se valeu da democracia para minar as instituições do país e converter-se num autocrata.

Os entendimentos entre os oposicionistas começaram em dezembro passado, quando concordaram em lançar um candidato único. Agora, após a realização de prévias, anunciaram o nome do católico conservador Péter Márki-Zay. Antes mesmo dessa votação, um líder progressista bem cotado para a disputa desistiu da candidatura em favor de Márki-Zay por entender que um conservador tem mais chances de triunfar.

Vinicius Torres Freire – Brasil, só e repugnante como Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Presidente faz do país um lugar tão repulsivo quanto seu comportamento

Nos encontros do G20, Jair Bolsonaro se comportou como o grosseirão que é, incapaz de conversas humanas e um provinciano da pior espécie. Foi desprezado (por Mario Draghi, Itália), tratado com tédio desinteressado (por Recep Erdogan, Turquia) ou condescendente (por Angela Merkel, Alemanha).

E daí? Para os interesses do país, tamanho vexame faz diferença? Pouca. Por vezes, a proximidade entre governantes pode ajudar a desembaraçar um aspecto de uma crise grande ou facilitar um início de negociação. No mais, interesses econômicos e projetos nacionais de domínio, paz ou guerra (mesmo por outros meios) determinam o grosso de relações internacionais, tendo como pano de fundo a inércia de história, geografia, cultura ou religião.

Aquelas situações constrangedoras, porém, são sintomáticas. Para começar, lideranças que não sejam amigas de selvagerias não querem aparecer em bons termos com Bolsonaro. É um risco político, ainda que pequeno, além de desagradável. Isso que está na cadeira de presidente do Brasil é um projeto de tirano, um líder da destruição ambiental e um inimigo da diversidade humana.

Maria Celina D’Araujo* - Parlamentarismo numa horas dessas?

O Estado de S. Paulo

Bolívar Lamounier aposta todas as fichas numa reforma política que inclua a mudança do sistema de governo, com voto distrital misto

Este artigo é sobre um importante livro de Bolívar Lamounier e toma como título uma ideia de Luis Fernando Veríssimo. Quando Veríssimo acha que tudo está de pernas para o ar, acrescenta uns versinhos em sua coluna com o título Poesia numa horas dessas?

Lamounier é um cientista político, de recorte parlamentarista, com grande e longa contribuição ao debate sobre ideias e formas na política brasileira. Desde os anos 1970, sua obsessão benigna tem sido o aprimoramento do sistema político, do ponto de vista institucional – eleições e governo. Coerentemente, em sua trajetória, tem insistido na importância de construir instituições, numa perspectiva que remete a Stuart Mill: boas instituições fazem a boa democracia. Seu livro Da independência a Lula e Bolsonaro, dois séculos de política brasileira (Editora FGV), que abordo aqui, é prova cabal disso. Trata-se de reedição de versão anterior (2005), que acompanhava a trajetória política do Brasil até o governo Lula da Silva. Desta feita, há um acréscimo analítico sobre o governo Bolsonaro apontando para o descalabro a que o País chegou: presidente autoritário, inescrupuloso e beócio, sistema partidário pífio, fisiológico e volátil, sistema eleitoral negligente, ausência de projeto de desenvolvimento político e econômico, País à deriva, população empobrecida descrente das capacidades do governo e ricos cada vez mais ricos. País que se acomodou na tese da renda média – na verdade, a melhor armadilha para o retrocesso.

Assis Moreira* - Biden não convidou Bolsonaro em Roma

Valor Econômico

Passagem desastrosa do presidente por Roma indica piora em sua imagem no exterior

O presidente Jair Bolsonaro teve uma passagem desastrosa no G20, no fim de semana em Roma, a ponto de alguns perguntarem se não teria sido melhor ele ter seguido o exemplo do russo Vladimir Putin e do chinês Xi Jinping e ficado mesmo no Palácio da Alvorada. A cara do Brasil no exterior é seu presidente, e a percepção sobre Bolsonaro pareceu só piorar.

Em Roma, além das imagens mostrarem um presidente praticamente ignorado por seus colegas no G20, Bolsonaro tampouco foi chamado para outro evento de líderes, esse organizado pela Casa Branca. O governo dos Estados Unidos deixou de fora o Brasil de um encontro para tratar das disrupções nas cadeias globais de abastecimento, para buscar soluções a esse problema que entrava a economia global e tem provocado alta de inflação em diferentes regiões do mundo.

Logo depois da cúpula do G20, o presidente Joe Biden promoveu uma espécie de cúpula paralela “sobre resiliência da cadeia de abastecimento mundial” no mesmo centro de convenções La Nuvola. Isso foi quase ao mesmo tempo em que, a 15 quilômetros dali, o presidente Jair Bolsonaro fazia um passeio pelo centro de Roma marcado por agressão de seguranças a jornalistas.

Participaram do evento de Biden a União Europeia e 14 países “like-minded” (com disposição e propósitos semelhantes), conforme os termos da Casa Branca: Austrália, Canadá, Alemanha, Indonésia, Índia, Itália, Japão, México, Coreia do Sul, Cingapura, Espanha e Reino Unido. Além da Holanda e da Republica Democrata do Congo, que tinham acompanhado o G20 como convidados da Itália.

Tiago Cavalcanti* - A meritocracia inclui a diversidade?

Valor Econômico

Aumentos da diversidade deveriam vir apenas através de melhoras no sistema educacional público

Fundada em 1209, a universidade de Cambridge é a segunda mais antiga do Reino Unido. Assim como a universidade de Oxford, é formada por uma confederação que agrega dezenas de colleges, que são entidades com gestão independente e fazem a admissão dos alunos da graduação. Os colleges oferecem também os tutoriais, que são discussões em grupos pequenos dos temas centrais lecionados nas grandes aulas ou seminários, oferecidos de forma centralizada pela universidade. Os membros de cada college, ou os fellows, são os acadêmicos que oferecem os tutoriais.

O Trinity College, do qual faço parte, foi fundado em 1546 pelo rei Henrique VIII. É o college mais rico entre todos, tanto de Cambridge quanto de Oxford. O Trinity, muito antes disso virar moda, investiu em startups que nasceram na universidade de Cambridge e criou o primeiro centro de negócios ligado à universidade. No refeitório do Trinity College tem um quadro com o retrato de Henrique VIII e a seguinte mensagem em Latin: Semper Eadem, que significa Sempre o Mesmo.

Fábio Alves - Inflação em fuga

O Estado de S. Paulo

Com as expectativas para o IPCA subindo, BC terá de endurecer o aperto monetário

O repique inflacionário, mais persistente e em maior magnitude do que se imaginava, segue surpreendendo o mercado a ponto de as projeções de analistas para o índice de preços ao consumidor em 2022 ameaçarem superar o teto da meta de inflação também no ano que vem. Para 2021, já se espera que esse teto seja estourado por larga margem.

A preocupação é que o choque nos preços causado pela pandemia de covid, que provocou interrupções nas cadeias produtivas globais, gerando gargalos na oferta de bens, não arrefeceu o suficiente para acomodar a crescente pressão nos preços de setores ligados à retomada da economia com o avanço da vacinação, como serviços.

No último índice de inflação, o consenso das estimativas ficou muito aquém do resultado final: o IPCA-15 de outubro subiu 1,2%, enquanto o mercado esperava alta de 1%. Após esse índice, houve uma rodada de revisões para cima das estimativas da inflação para o ano de 2021, com várias projeções ao redor de 10%. É bom lembrar que o teto da meta de inflação deste ano é 5,25%.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

2022 pode ser diferente de 2018

O Estado de S. Paulo

É um erro transformar as eleições em disputa de quem grita mais alto contra a corrupção. Que os bons nomes apresentem boas propostas de governo

Segundo mostrou o Estado, ao menos onze pré-candidatos já se apresentaram para as eleições presidenciais do ano que vem. Excetuando Lula da Silva e Jair Bolsonaro – cuja nociva passagem pelo poder deveria bastar para que a perspectiva de vitória de um ou de outro no ano que vem cause apreensão –, há nomes bastante razoáveis, com passagens muito positivas pela administração pública, à disposição do eleitorado.

Ainda há tempo para que surjam outros candidatos honestos e competentes, além dos que já lançaram sua pré-candidatura. De toda forma, é alvissareiro constatar que não será por falta de bons postulantes que o País será impedido de ter, a partir de 2023, um presidente da República responsável, equilibrado e com espírito democrático.

Deve-se reconhecer, no entanto, que isso não basta. Em 2018, havia bons nomes na disputa presidencial e, mesmo assim, o segundo turno das eleições foi entre aquele que fazia às vezes de Lula da Silva – então preso, em razão de condenação criminal – e Jair Bolsonaro – deputado medíocre, conhecido pela renitente falta de decoro parlamentar. Com três décadas de vida política, o ex-capitão não tinha nenhuma realização ou legado a apresentar. Vale notar que a mudança para o Palácio da Alvorada não alterou o quadro. A incivilidade e a incompetência continuam sendo características de sua atuação.

Poesia | Mario Quintana – O Tempo

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Música | Canção pra Amazônia

 

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Merval Pereira - Seleção natural

O Globo

A tese de que o eleitor fará a seleção natural para escolher quem será capaz de derrotar Bolsonaro e Lula no ano que vem tem mais credibilidade para esta eleição do que em 2018, quando a maioria queria mesmo era impedir que o petismo voltasse ao poder. Hoje, a maioria quer que apareça algum candidato capaz de derrotar o presente infame e o passado recente que não quer ter de volta.

Bolsonaro surgiu do nada para derrotar o candidato petista Fernando Haddad porque, naquela ocasião, o eleitorado votou com sangue nos olhos. O PT inaugurou a política do “nós contra eles”, sem se dar conta de que “eles” tinham a maioria depois que o predomínio petista foi sendo corroído pelas acusações de corrupção, do mensalão ao petrolão. Não que os extremistas de direita sejam, ou fossem naquela ocasião, a maioria do eleitorado, mas porque Bolsonaro surgiu como uma novidade que não era, mas parecia ser, pela linguagem desabrida, pela suposta coragem de encarar os poderosos, de ir contra “o sistema”.

A maioria não percebeu, apesar das demonstrações públicas de que era misógino, racista, miliciano, fariseu, que Bolsonaro era a face mais obscura do próprio sistema, um falso Messias. Hoje, é diferente. Já se sabe o que é ser um Bolsonaro, e, mesmo entre os que o apoiam ainda, a maioria está à espera de um(a) candidato(a) que seja capaz de derrotar não apenas o farsante que nos governa, como o que quer voltar para repetir os mesmos erros, com as mesmas pessoas.

Míriam Leitão - Governo diminui um país gigante

O Globo

O Brasil empatou com o passado. É assim que Márcio Astrini, coordenador do Observatório do Clima, explica a mudança anunciada ontem, em Glasgow, das metas brasileiras. “Esse empate vem depois de um ano de enorme prejuízo para a imagem do Brasil”, diz. O Brasil havia dado uma pedalada climática, e agora, ao subir de 43% para 50% a redução das emissões em 2030, em relação a 2005, o país atinge o mesmo efeito líquido. Na verdade, não elevou as metas, fingiu aumentar as ambições, para voltar ao que se comprometeu quando assinou o Acordo de Paris.

— O Brasil é o único país entre os grandes emissores que havia retrocedido em suas metas climáticas e por isso estava sendo enormemente criticado — diz Astrini.

O Brasil é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa, atrás da China, Estados Unidos, Índia e Rússia. Se considerar a União Europeia como um país, é o sexto, informa o coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo. E ele concorda com Astrini. O que aconteceu ontem foi um não evento.

— Sobre a nova meta, o governo brasileiro tirou o bode da sala. Com a meta de 50% sobre a emissão de 2005, com números do quarto inventário, o resultado é o mesmo: o Brasil vai reduzir para 1,2 bilhão de tonelada de carbono. E tem mais, em 2015, quando se fez a meta, o Brasil já havia reduzido em 40% as emissões de 2005. Só que de 2016 para cá o país só fez crescer as emissões e em 2020 aumentou 4,6% sobre 2015. Estamos na trajetória errada — disse Tasso Azevedo.

Zuenir Ventura - No papel de penetra

O Globo

A imagem que simboliza o isolamento do Brasil na cúpula do G20 está no vídeo em que Jair Bolsonaro aparece perambulando pelo amplo salão onde os principais líderes confraternizavam em vários grupos. Completamente deslocado, ele parece um penetra. Só se sente mais à vontade quando se refugia no bar e passa a puxar conversa com os garçons por meio do intérprete.

Em seguida, fica em pé e, apontando com o dedo os grupos, parece perguntar quem é quem. Estão ali alguns conhecidos, como Boris Johnson. Mas nenhuma das lideranças se dignou a dirigir-lhe sequer um cumprimento. A cena é patética.

Bolsonaro deve agradecer a quem teve a ideia de arranjar-lhe um de seus raros interlocutores, este sob medida: o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, considerado pela organização Repórteres sem Fronteira “o inimigo número um da liberdade de imprensa”. Os dois têm, portanto, muita afinidade.

Carlos Andreazza - Finados

O Globo

Ao passar a Presidência para (o de súbito pacificado) Hamilton Mourão (qual será o acordo?), Jair Bolsonaro falou em folga. É como o chefe de Estado brasileiro — um destruidor infeliz, agente dilapidador que não gosta de trabalhar, despreza a República e a democracia representativa — compreende uma viagem oficial: folga. Escape. Talvez mesmo liberdade.

Liberdade para — segundo a compreensão bolsonarista de direito individual — forjar inimigos artificiais, difundir conspirações, apregoar desconfianças, investir contra a estabilidade institucional e — por que não? — distribuir pancadas.

Garanto que se divertiu em Roma; especialmente ao ver seus cachorros mordendo jornalistas. Ele não precisaria ter ordenado a caçada para haver ordenado a caçada. Apito soprado faz tempo; e todos os dias. A palavra de um presidente, tanto mais a de um líder personalista que se mitifica, resulta. São anos de pregação até um arranjo autoritário em que jornalistas tenham de agradecer quando apenas intimidados.

Não nos enganemos: aquilo — o que se viu na blitz da milícia de Bolsonaro contra a imprensa — é biscoito para a base social extremista há semanas chateada com o presidente cujas barbaridades restringiram-se, reduziram-se, à desqualificação de vacinas. Como!? Somente isso!?

Não nos enganemos: o assalto contra jornalistas foi o gozo entre bolsonaristas. Desqualificar vacinas já é pouco. A turma quer — acostumou-se com — mais. Quer conflito. E aqui convém projetar, com bastante segurança, o que será o ano eleitoral a vir: uma campanha violenta, materialmente violenta, de riscos sem precedente, e não apenas para profissionais de imprensa, em que as pessoas — como gangues — sairão no braço. Briga de rua, sob o espectro da forra pela facada.

Luiz Carlos Azedo - O luto dos outros

Correio Braziliense

As vítimas da covid-19 foram sepultadas em caixões lacrados, sem que amigos e familiares pudessem ver, pela última vez, o rosto de seus entes queridos

Na crônica A morte dos outros, publicada no livro Alta ajuda (Foz Editora), o filósofo e professor Francisco Bosco — filho do cantor e compositor João Bosco — afirma que se uma divindade lhe desse a chance de fazer um único pedido, não seria um pedido para a vida, mas para a morte. “Eu escolheria como morrer, aliás, como não morrer: eu pediria que, entre as infinitas formas possíveis de encontrar a morte, eu fosse poupado unicamente de ser buscado por ela em um acidente de avião.”

Segundo ele, todos sabemos que vamos morrer, mas o que torna suportável a nossa finitude é ela ser indeterminada, porque não sabemos quando vamos morrer e, por isso, essa é uma verdade encoberta, como uma doença indolor. Por isso, é tão aterrorizante ser desenganado por uma doença incurável e saber que os nossos dias estão contados. Entretanto, Bosco não tem medo do perigo, da morte no mar ou mesmo num voo de asa delta, já levou até um tiro durante um assalto, mas não quer morrer num acidente aéreo:

Moro chega ao Brasil para trabalhar pré-candidatura

Ex-ministro quer pacto com os candidatos da terceira via

Por Isadora Peron e Marcelo Ribeiro / Valor Econômico

BRASÍLIA - Lideranças do Podemos começaram a preparar a pré-candidatura de Sergio Moro à Presidência da República. O mais provável é que o lançamento ocorra no dia 10 de novembro, quando está marcada uma cerimônia em Brasília para filiar o ex-juiz da Lava-Jato à sigla. Antes tratada com parcimônia, a disposição do ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro de entrar na disputa e encarnar o papel da terceira via passou a ser abordada de maneira direta por integrantes da legenda.

Moro desembarca no Brasil hoje, depois de uma temporada nos Estados Unidos, com o objetivo de colocar de pé a sua candidatura ao Palácio do Planalto. Isso, no entanto, não será feito a qualquer custo. Como ainda falta algum tempo até a eleição, a ideia do ex-ministro é fazer um “pacto” com os demais candidatos da terceira via.

Esse acordo passaria até mesmo pela possibilidade de ele abrir mão da cabeça de chapa com o objetivo de fortalecer o nome que tivesse mais chance de quebrar a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Moro tem conversado sobre o assunto com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que deve se filiar ao novo União Brasil.

Também do Paraná, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos) tem sido um dos principais interlocutores do ex-ministro. Segundo ele, Moro tem mantido contado com diferentes atores, inclusive da área econômica. O parlamentar evita falar sobre o perfil do vice da futura chapa - e diz que isso, além de ser uma escolha do candidato, só será definido mais para frente. Outros aliados de Moro, no entanto, ponderam que o ideal seria um nome da política tradicional, para quebrar a resistência que o segmento tem do ex-juiz da Lava-Jato.

PSD arma palanque presidencial para Pacheco em dezessete Estados


Presidente do Senado já foi lembrado como possível vice de Bolsonaro e também é citado como opção para Lula

Por Andrea Jubé / Valor Econômico

BRASÍLIA - Já foi deflagrada a montagem de palanques competitivos nos Estados vinculados a uma possível candidatura presidencial de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, que trocou na quarta-feira o DEM pelo PSD. Será dada prioridade aos maiores colégios eleitorais, como Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. O projeto paulista, entretanto, aguarda a resposta do convite feito ao ex-governador Geraldo Alckmin para ingressar no PSD - ele ameaça deixar o PSDB após as prévias do partido marcadas para o fim do mês. Mas o partido abriga puxadores de votos em quase todos os Estados.

“Não se faz política sem porto”, ressalta o deputado André de Paula, segundo vice-presidente da Câmara, ao relembrar um dos ensinamentos do ex-vice-presidente Marco Maciel, morto em junho. O parlamentar, que é presidente do diretório do PSD de Pernambuco e uma das principais lideranças da sigla no Nordeste, reconhece que Pacheco enfrentará o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região.

No entanto, André de Paula explica que, em cada “porto” onde Pacheco desembarcar, contará com uma liderança expressiva do PSD para recepcioná-lo no aeroporto, levá-lo para uma rádio local para dar entrevista, conduzi-lo a um auditório onde ele poderá discursar para 2 mil ou 3 mil pessoas e depois acompanhá-lo em um almoço na casa de uma autoridade, com prefeitos e demais aliados regionais.

“No Nordeste, pode ser que Rodrigo [Pacheco] não tenha hegemonia, mas ele com certeza terá porto”, afirma. André de Paula será o “porto” de Pacheco em Pernambuco, onde o PSD integra a frente ampla de apoio ao governador Paulo Câmara e ao prefeito de Recife, João Campos, ambos do PSB. Ele é cotado para concorrer ao Senado na chapa que deverá ser encabeçada pelo ex-prefeito de Recife Geraldo Júlio (PSB).

Planalto teme que Pacheco candidato amplie entraves para o governo no Senado

Auxiliares avaliam que senador, cotado para a chamada terceira via de 2022, pode tentar impulsionar agenda própria na Casa

Marianna Holanda, Ricardo Della Colleta / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A filiação ao PSD do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), e as especulações sobre sua intenção de disputar as eleições presidenciais de 2022 acenderam um alerta no Palácio do Planalto em relação a possíveis impactos na pauta governista no Congresso Nacional.

Interlocutores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) temem que o senador adote cada vez mais uma postura de candidato e que, consequentemente, projetos importantes para o governo fiquem prejudicados na Casa. Hoje, o Senado é o maior obstáculo da articulação política do governo.

Pacheco se filiou ao PSD em 27 de outubro, movendo mais uma peça no xadrez eleitoral de 2022 para se tornar um eventual adversário do presidente. A cerimônia, com toda a pompa de "terceira via" e críticas do senador à polarização Lula x Bolsonaro, chamou a atenção de interlocutores do presidente.

"Estamos cansados de viver em meio a tanta incerteza, a tanta incompreensão e intolerância. Uma sociedade dividida, em que cada um não admite o contrário e não aceita a existência do outro, nunca irá chegar a lugar algum", afirmou o senador, no ato de sua filiação.

Joel Pinheiro da Fonseca - O radicalismo gera seu contrário

Folha de S. Paulo

É uma saída fácil fechar a discussão dizendo que o jogador está arcando com as consequências de suas palavras

O enredo já é comum. Dessa vez foi com o jogador de vôlei Maurício Souza. Ele fez um post homofóbico em sua rede social. Não continha injúria direta a ninguém nem ameaça nem incitação a qualquer violência; mas basicamente dava a entender que a representação de um beijo gay numa história em quadrinhos traria consigo perigosas consequências sociais. Era, enfim, preconceituoso, e não há por que defendê-lo.

O post gerou indignação. A indignação, comoção popular nas redes exigindo a demissão do jogador. Inicialmente, ele tentou contornar a situação com um tímido (e, ao que tudo indica, insincero) pedido de desculpas. Mas a pressão social chegou às empresas patrocinadoras do Minas Tênis Clube, que ameaçaram retirar o patrocínio caso o jogador continuasse na equipe. Ele foi, enfim, demitido. E aqui estamos nós de novo discutindo o "cancelamento".

Hélio Schwartsman - Direito e moral

Folha de S. Paulo

STF vai na contramão do Iluminismo ao tornar injúria racial delito imprescritível

Um passo decisivo para a humanidade foi separar o direito penal da moral. O primeiro é uma instituição humana desenhada para inibir condutas antissociais. Apela principalmente à razão e ao cálculo. Não é coincidência que os códigos assumam a forma de tabela de preços: delito x – y anos de cadeia. A moral é mais visceral. Ela surge dos impulsos com que a biologia nos dotou para que pudéssemos sobreviver a nós mesmos. Ela se materializa na repulsa ao assassino, na vontade de castigar aqueles que vemos tentando obter vantagens indevidas etc.

O divórcio entre direito e moral se deu a partir do século 18, sob inspiração do Iluminismo. Ele possibilitou conter comportamentos que prejudicam a sociedade nos valendo de doses cada vez menores de violência estatal. Para início de conversa, deixamos de punir práticas que, embora alguns julguem imorais, não ameaçam o convívio social, como a blasfêmia e o sexo extramarital.

Cristina Serra - O fim do Bolsa Família

Folha de S. Paulo

O Brasil de Bolsonaro nos faz retornar a um tempo de brutalidade e indiferença

Nos anos 1970, o economista Edmar Bacha cunhou o termo "Belíndia", que passou a ser usado como sinônimo do abismo entre dois "brasis": a Bélgica dos mais ricos e a Índia dos miseráveis. Em 2009, Bacha disse em entrevista que o conceito não era mais adequado. Em resumo, argumentou que a desigualdade ainda era forte, mas que o crescimento econômico, com aumento de renda e programas sociais, havia melhorado muito a parte "Índia" do Brasil.

Eliane Cantanhêde - Bolsonaro, um peixe fora d’água na ida à Europa

O Estado de S. Paulo

A viagem do presidente Jair Bolsonaro à Europa, fugindo da COP-26, na Escócia, e passando vexame na cúpula do G-20, na Itália, é de deixar qualquer brasileiro morto de vergonha, pela forma e pelo conteúdo. E Bolsonaro volta com o carimbo de “incapaz” que lhe atribuiu o Financial Times, ícone do liberalismo mundial.

As imagens do presidente brasileiro dizem tudo: isolado num banco no G-20, papeando com garçons por falta de interlocutores entre os líderes, falando absurdos para um Recep Erdogan mudo e perplexo e, ainda, dando aquela gargalhada falsa que o filho Flávio imitou no fim da CPI da Covid. Ele mente, ele gargalha, é um peixe fora d’água.

Mais: depois de Bolsonaro dizer ao turco Erdogan que seus problemas se resumem à Petrobras e à imprensa, os seguranças partiram para cima dos jornalistas que cobriam a viagem. Uma baixaria, em frente à bela embaixada do Brasil em Roma. E, ontem, a polícia italiana reprimiu duramente o “Fora Bolsonaro” no norte do país.

O G-20 abriga as 20 maiores economias e, por pressuposto, seus 20 chefes de Estado ou de governo, mas só aparecem 17 na foto final, na Fontana de Trevi. Bolsonaro, que saíra antes da reunião oficial, durante a fala do príncipe Charles, foi uma das três ausências também ali. Ora bolas, já tinha feito aquele passeio de véspera...

Ruy Altenfelder* - A Constituição Cidadã

O Estado de S. Paulo

O princípio da ‘moralidade’, que a Lei Maior determina que a administração pública tem de obedecer, tem como corolário o comportamento ético

No dia 5 de outubro de 1988, tive o privilégio de ser convidado e de assistir, no Congresso Nacional, à sessão de promulgação da atual Constituição da República Federativa do Brasil.

O saudoso dr. Ulysses Guimarães, ao levantar com as duas mãos acima de sua cabeça o novo texto constitucional, com voz forte e emocionada declarou: “Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra”.

Trinta e três anos depois, a “Constituição Cidadã” já sofreu mais de uma centena de emendas. Mas segue viva, defensora da soberania, da independência e da liberdade. Somos guardiões da Constituição. A maior crítica aos legisladores foi não ter revisto a Constituição no quinto ano de sua promulgação, como determinava a Carta Constitucional de 1988. Nenhuma providência foi tomada pelos legisladores em 1993, o que foi lamentável.

Paulo Hartung - É vital superar a convulsão climática

O Estado de S. Paulo

O Brasil tem exemplos concretos de que trilhar uma nova economia, responsável e escalável, é possível

Ao longo dos últimos séculos, a humanidade contratou um futuro nebuloso na agenda da sustentabilidade. E cabe ao presente reverter a tendência de desfecho desastroso, incluindo a imperativa concertação com vistas a uma nova civilização verde. O aquecimento global e as mudanças do clima se transformaram em emergência climática. Se falávamos em mitigação, diante de danos irreversíveis, agora já devemos cuidar de adaptação, conforme último relatório do IPCC.

Não seria exagero afirmar que o planeta se aproxima de momento dramático. A solução para evitarmos ponto sem retorno depende da viabilização de acordo em escala mundial, que sirva de ponte para ações estruturantes devotadas a uma efetiva virada verde em escala global.

A primeira seção da COP15 da Biodiversidade, ocorrida em outubro, de maneira híbrida, mas a partir da China, constatou que nenhuma das 20 metas de Aichi foi plenamente atingida. Desses debates iniciais, em processo a ser concluído em 2022, foi elaborada a Declaração de Kunming. Assinado por mais de 100 países, o documento exige atitudes urgentes e conjuntas para que a biodiversidade esteja inserida no planejamento de todos os segmentos da economia mundial.

Mirtes Cordeiro* - Escolas públicas… por que não seguimos os nossos pensadores?

 

“…de fato o Brasil é um país que nunca deu importância à educação”. (Cristovam Buarque)

As escolas públicas estão ressurgindo, saindo de uma longa jornada de isolamento em que alunos e professores se afastaram por imposição do vírus para uma grande reflexão sobre seu rumo.

O afastamento forçado foi uma oportunidade – dentro da adversidade – propícia para que gestores e professores observassem com mais precisão as lacunas, há muito tempo apontadas no ensino básico, e que tem levado a tão pífios resultados: baixos resultados na aprendizagem dos alunos; baixa permanência na sala de aula; violência na escola e pouca integração com as comunidades.

As nossas escolas públicas há mais de cem anos, desde o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, padecem das mesmas dificuldades, ressalvadas algumas medidas paliativas. Os professores nunca foram valorizados. Segundo José Geraldo Santana, em seu artigo A Histórica desvalorização dos Professores, as emblemáticas palavras de D. Pedro II nunca encontraram eco suficiente na sociedade brasileira. Disse D. Pedro II: “Se eu não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro”.

A elite brasileira nunca se preocupou com a educação como fonte do conhecimento. A preocupação, na verdade, é com o caráter utilitário do ensino universitário para extrair mais-valia e ganhar sempre mais dinheiro.

“Não é de assustar, portanto, que os professores sofram de síndrome do desencanto e que haja constante migração para outras atividades e seja pequeno o percentual dos ingressos, no ensino superior, que queiram dedicar-se ao magistério”, acrescenta Geraldo.

Numa crítica ao período republicano instalado há 43 anos (Proclamação da República/1889), o Manifesto dos Pioneiros apresentado à sociedade brasileira e ao governo Getúlio Vargas, em 1932, expressava a preocupação com a dicotomia existente entre o pensamento econômico e a organização da educação no país.

 “Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade.” (Texto do Manifesto)

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A perigosa permanência do lavajatismo

O Estado de S. Paulo

A Lava Jato chegou ao fim, mas o espírito lavajatista ainda existe. Para combater a corrupção, seria permitido e autorizado usar todos os meios disponíveis, inclusive os ilegais

A Lava Jato chegou ao fim, mas seu espírito permanece. Para combater a corrupção, seria permitido usar todos os meios, inclusive os ilegais.

Toda operação de investigação deve ter início, meio e fim. Em vez de efetividade, a eventual perpetuidade de uma operação revelaria sua ineficiência. O fim da Lava Jato não é, portanto, nenhum problema. Na verdade, depois de sete anos, com 80 fases realizadas, era passada a hora de a famosa operação acabar. Por óbvio, terminou a Lava Jato, mas isso não significa que o Estado passe a ser omisso na investigação de malfeitos e suspeitas de crime. Basta ver o que a CPI da Covid descobriu em relação a negociações de vacinas no entorno do Ministério da Saúde. Não pode haver impunidade.

A Lava Jato chegou ao fim, mas – eis ponto que merece ser destacado – continua existindo o que se pode chamar de espírito lavajatista. Segue viva uma específica mentalidade que vai muito além do princípio republicano de que todos são iguais perante a lei e, portanto, todos devem responder à luz da lei por seus atos. Partindo de uma ideia bastante discutível (com bons argumentos de apoio e outros de refutação) – a de que a corrupção seria o grande problema do País, causa e estímulo de todas as mazelas da vida nacional –, essa visão pretende justificar uma conclusão inteiramente antirrepublicana: a de que, para combater a corrupção, seria permitido e autorizado utilizar todos os meios disponíveis, também os ilegais.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

Música | Nelson Freire - Beethoven: Piano Concerto No. 4, Monte-Carlo Philharmonic Orchestra & Kazuki Yamada