O Globo
A tese de que o eleitor fará a seleção
natural para escolher quem será capaz de derrotar Bolsonaro e Lula no ano que
vem tem mais credibilidade para esta eleição do que em 2018, quando a maioria
queria mesmo era impedir que o petismo voltasse ao poder. Hoje, a maioria quer
que apareça algum candidato capaz de derrotar o presente infame e o passado
recente que não quer ter de volta.
Bolsonaro surgiu do nada para derrotar o candidato petista Fernando Haddad
porque, naquela ocasião, o eleitorado votou com sangue nos olhos. O PT
inaugurou a política do “nós contra eles”, sem se dar conta de que “eles”
tinham a maioria depois que o predomínio petista foi sendo corroído pelas
acusações de corrupção, do mensalão ao petrolão. Não que os extremistas de
direita sejam, ou fossem naquela ocasião, a maioria do eleitorado, mas porque
Bolsonaro surgiu como uma novidade que não era, mas parecia ser, pela linguagem
desabrida, pela suposta coragem de encarar os poderosos, de ir contra “o
sistema”.
A maioria não percebeu, apesar das demonstrações públicas de que era misógino,
racista, miliciano, fariseu, que Bolsonaro era a face mais obscura do próprio
sistema, um falso Messias. Hoje, é diferente. Já se sabe o que é ser um Bolsonaro,
e, mesmo entre os que o apoiam ainda, a maioria está à espera de um(a)
candidato(a) que seja capaz de derrotar não apenas o farsante que nos governa,
como o que quer voltar para repetir os mesmos erros, com as mesmas pessoas.
Além dos já convertidos, é difícil encontrar quem realmente acredite que Lula
seja inocente dos crimes por que foi condenado em várias instâncias. A campanha
eleitoral se encarregará de relembrar tudo o que aconteceu, assim como a CPI
foi capaz de ressaltar fatos que, vistos em conjunto, fizeram com que a memória
coletiva fosse reavivada, dando a exata dimensão do que aconteceu e por quê.
De que tanto Lula quanto Bolsonaro querem digladiar entre si, não há dúvidas. O
que parece improvável é que a maioria dos eleitores queira essa confrontação
como solução para o país. Em 2018, a maioria tirou Bolsonaro do limbo político
para alçá-lo à Presidência, porque nenhum dos demais parecia capaz de derrotar
o petismo. Mas parece fundamental hoje que a maioria dos candidatos que já se apresentaram
está disposta a um acordo seletivo em meio à campanha, para não terminar o
primeiro turno com 4% dos votos, como aconteceu com Alckmin, Marina e outros.
Se a vaidade individual for menor que a vontade de atingir o objetivo maior de
não deixar o país regredir, haverá uma seleção natural que abrirá espaço a uma
terceira via, como prevê o cientista político da FGV do Rio Carlos Pereira.
Aconteceu em 2018, acontecerá no ano que vem novamente. Chegou-se a especular
que a eleição de 2018 seria semelhante à de 1989, a primeira eleição direta
para presidente depois da ditadura. De certa maneira, foi.
Muitos candidatos se apresentaram, de todas as tendências políticas, e a prisão
de Lula por corrupção marcava um ponto de inflexão nas sucessivas vitórias
eleitorais do PT. Em 1989, o fim da ditadura militar colocou na disputa a força
partidária do PMDB e de seu candidato, Ulysses Guimarães, o pai da Constituição
Cidadã, como a principal força política contra os oposicionistas Brizola e
Lula. Apareceu Fernando Collor, que, da mesma maneira que Bolsonaro,
apresentou-se ao eleitorado como quem não era e conseguiu atrair a esperança
dos que não queriam mais a velha política, mas também não queriam a esquerda.
Como em 1989, também em 2018 a força partidária foi menos importante que a
emoção que os candidatos inspiravam nos eleitores. Ulysses esperou em vão que
sua máquina eleitoral entrasse em ação, assim como Geraldo Alckmin esperou que
a máquina tucana o levasse ao segundo turno, como sempre acontecera — inclusive
com ele próprio — com os candidatos tucanos desde 1994.
Bolsonaro, assim como Collor, assenhorou-se do eleitorado de centro-direita que
até então apoiava o PSDB, especialmente no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, assim
como Lula, ao mudar da água para o vinho em 2002, travestiu-se de moderado para
chegar ao poder. As pesquisas de opinião mostram até o momento que é esse
eleitorado, não radicalizado, que pode decidir quem será o próximo presidente
da República.
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