O Estado de S. Paulo
O princípio da ‘moralidade’, que a Lei Maior determina que a administração pública tem de obedecer, tem como corolário o comportamento ético
No dia 5 de outubro de 1988, tive o
privilégio de ser convidado e de assistir, no Congresso Nacional, à sessão de
promulgação da atual Constituição da República Federativa do Brasil.
O saudoso dr. Ulysses Guimarães, ao
levantar com as duas mãos acima de sua cabeça o novo texto constitucional, com
voz forte e emocionada declarou: “Declaro promulgada. O documento da liberdade,
da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude
para que isso se cumpra”.
Trinta e três anos depois, a “Constituição Cidadã” já sofreu mais de uma centena de emendas. Mas segue viva, defensora da soberania, da independência e da liberdade. Somos guardiões da Constituição. A maior crítica aos legisladores foi não ter revisto a Constituição no quinto ano de sua promulgação, como determinava a Carta Constitucional de 1988. Nenhuma providência foi tomada pelos legisladores em 1993, o que foi lamentável.
No capítulo dedicado à Administração
Pública, a nossa Lei Maior determina que a administração pública obedecerá aos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (artigo 37).
No livro Liberdade, em homenagem aos 50
anos da Advocacia Mariz de Oliveira, Andrea Matarazzo, um de seus
colaboradores, no artigo denominado Liberdade com responsabilidade para
recuperar a democracia, destaca: “A administração pública tem controles
importantes, mas seus excessos não podem ser ignorados. Essa mistura de
onipotência fiscalizatória generalizada tira a liberdade do Executivo de
administrar de acordo com seu programa de governo. A democracia só vai superar
as desconfianças atuais se for adotada a prática da liberdade com
responsabilidade. Cada órgão, agente público ou Poder deve exercer suas
funções, dentro do previsto da lei, com liberdade. E ser cobrado por suas
responsabilidades. Só assim todos cumprirão plenamente seu papel. E a
democracia voltará a ser respeitada e admirada”.
O princípio da moralidade tem como
corolário o comportamento ético. Ser ético é ser justo, obedecer a legislação.
O saudoso professor Miguel Reale, em seu livro Variações, a propósito do
conceito de moralidade nos ensina que “não se compreende a moralidade sem a
situar com clareza em correlação com a ética e a moral. A bem ver, a ética, a
moral e a moralidade são expressões distintas do que genericamente se denomina
mundo ético”. E continua: “Penso que há uma hierarquia entre esses três conceitos,
podendo-se dizer que à ética cumpre determinar os valores supremos do
comportamento humano, ou seja, os fins que mais dignificam a nossa existência,
enquanto que compete à moral extrair dos princípios éticos as regras que devem
presidir a conduta de tal modo que cada ser humano possa se realizar, segundo
sua capacidade e vocação, em harmonia com igual objetivo dos demais em uma
comunidade equânime e justa” (página 114).
O comportamento ético e moral do
administrador público é avaliado por um Conselho de Ética e pelo Código de
Conduta da Alta Administração Federal e normas complementares com a finalidade
de divulgar as normas e posições adotadas pela Comissão de Ética Pública.
A função de uma Comissão de Ética Pública
vai além da obrigação de alertar o Poder Executivo de eventuais desvios de seus
componentes. Deve sempre lutar para que a postura ética impere sobre toda a
Administração.
A Comissão de Ética Pública é órgão do
Estado, e não do governo.
Nomeado pelo presidente Michel Temer em
outubro de 2018, concluo o mandato de três anos, com a satisfação de ter
contribuído com a Nação, espontaneamente e gratuitamente, analisando
procedimentos de conflitos de interesses e denúncias contra membros da Alta
Administração Federal.
Conflitos de interesse e denúncias foram
distribuídos a mim e aos demais seis membros da comissão. Proferi, neste
período, 540 votos, abrangendo denúncias contra ministros de Estado e ocupantes
do primeiro escalão. Nos conflitos de interesse, ao reconhecer a existência
destes, o conselho, acolhendo meus votos, proibiu o interessado de assumir
postos que colidiam com os cargos já ocupados. Em não havendo colidência,
liberou o interessado para assumir postos no setor por ele indicado. Nas
denúncias por falta de comportamento ético, após as explicações dos
denunciados, recomendei abertura de processo ético ou absolvição, o que foi
avaliado e deliberado pelos demais conselheiros.
Concluo o meu mandato de três anos com a
certeza de ter contribuído com o nosso Brasil.
Os conflitos unem os seres humanos e, como
nos ensina o filósofo Soren Kierkegaard, “a adversidade, além de unir os
homens, produz beleza e harmonia nos relacionamentos da vida, assim como o frio
do inverno produz os cristais de gelo nas vidraças, que desaparecem com o calor
humano”.
Acima de tudo, não percamos o desejo de lutar pelos nossos ideais e prosseguir.
*Advogado, é presidente da academia
paulista de letras jurídicas (APLJ) e do Conselho Superior de Estudos Avançados
(CONSEA-FIESP)
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