O Globo
O Brasil surpreendeu e, debaixo de uma
tremenda pressão dos Estados Unidos, assinou o Compromisso Global do Metano com
outros 96 países, para reduzir em 30% as emissões desse gás, um dos maiores
responsáveis pelo aquecimento global, até 2030, partindo dos dados de 2020.
O governo brasileiro também aderiu ao
acordo para zerar o desmatamento até 2030, ao lado de mais de cem países, desta
vez com Rússia e China, que não integram o tratado do metano.
Duas notícias com potencial bastante positivo, ainda mais diante do retrospecto do governo Bolsonaro noutras cúpulas climáticas desde 2019. Mas, justamente por isso: será que é possível acreditar em tamanha inflexão de um governo que, até aqui, apenas desdenhou a emergência climática e incentivou o desmatamento ao defender garimpos, exploração econômica da Amazônia e fim da demarcação de terras indígenas, além de interromper a política de fiscalização e multas a crimes ambientais? E que tem justamente no setor mais atrasado do agronegócio, aquele dissociado de compromissos ambientais, um dos seus esteios econômicos e políticos?
Parece pouco provável, e não só à luz desse
histórico e dos discursos reiterados do presidente, de deboche e desdém para a
agenda da nova economia, indissociável das boas práticas ambientais, como
também da simples análise da presença de Bolsonaro no G20 e sua ausência na
COP26, onde tais compromissos foram selados.
O mandatário brasileiro preferiu esticar
seu rolé aleatório e vexatório pela Itália — saudada de forma anedótica umas
200 vezes por ele como terra de seus antepassados, o que pareceu ser a verdadeira
razão da viagem — a estar em Glasgow.
O importante comparecimento ao G20 não era
impeditivo para que chefes de Estado de fato comprometidos com as emergências
do nosso tempo prestigiassem a cúpula climática. Pelo contrário: esses eventos
estão interligados. A necessidade não só de selar metas mais ambiciosas para a
redução da emissão de gases do efeito estufa, mas principalmente de colocar em
prática mecanismos para auferir seu cumprimento é a principal questão econômica
contemporânea.
Joe Biden, não por acaso ou por pendores
ideológicos, elegeu a agenda climática e social a pedra fundamental de seu
mandato presidencial. Negocia diretamente com o Congresso o financiamento de um
plano trilionário para tirar do papel os compromissos com a revolução tecnológica
necessária para frear emissões. E pilotou também sem intermediários os acordos
de Glasgow, com seus enviados apertando o torniquete de países hesitantes, como
o Brasil.
Enquanto isso, Bolsonaro, com um dos muitos
atos falhos e constrangedores com que envergonhou os brasileiros em sua
passagem pela Itália, confundia o ex-vice-presidente e enviado dos Estados
Unidos para o clima com o comediante Jim Carrey, ator do filme “Debi e Lóide”,
aliás, bem ilustrativo do momento.
A completa inadequação de Bolsonaro a uma
cúpula em que temas complexos são tratados seriamente por líderes mundiais
comprometidos com as importantes decisões que têm de tomar ficou patente
quando, perante Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, meio jogando conversa fora,
reclamou de a Petrobras ser um problema para seu governo, que, na visão
mentirosa que vendeu, é muito “popular”. A incredulidade do autocrata turco
mostra que, mesmo entre os que enxerga como “parceiros” ou “aliados” num
tabuleiro internacional em que não sabe se mover, o presidente do Brasil é
visto com um misto de pena e deboche.
Com uma comitiva assim esvaziada em Glasgow
e um presidente que tem tais prioridades e essa imagem perante os pares, é
difícil acreditar que viraremos a chave no negacionismo climático.
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