Correio Braziliense
Entre 1958 e 1994, o Brasil ganhou cinco Copas
do Mundo e teve 10 moedas: somos o país do futebol e da inflação. A vocação
para o esporte vem da prática por todos os brasileiros desde a infância, a
vocação para desvalorizar a moeda vem do casamento irresponsável entre política
populista, sem compromisso nacional, com economia keynesiana mimética, sem adaptação
à nossa realidade.
O economista britânico John Maynard Keynes
(1883-1946) formulou proposta para países já desenvolvidos, com
responsabilidade fiscal entre entes políticos, razoável grau de austeridade
entre consumidores e agentes públicos, numa sociedade com distribuição de renda
e acesso a serviços públicos, em tempo anterior ao consumismo do pós-guerra. No
artigo “Quanto é Bastante”, Keynes especulava sobre limite máximo de renda
necessária para vida digna.
Sua formidável proposta de aumentar o gasto público como instrumento para recuperar o emprego e a atividade em economias desenvolvidas com política responsável foi importada para o Brasil sem considerar nossa cultura política populista, num país dividido socialmente, com imensos bolsões de pobreza, tolerante com concentração de renda e ineficiência econômica, com voracidade por consumo e gosto pela ostentação, e fascinado pela possibilidade de sair do subdesenvolvimento caminhando “50 anos em 5”, tendo a ilusão de que é possível beneficiar a todos sem sacrificar ninguém.
Quando Keynes disse “no longo prazo, todos
estaremos mortos” para justificar a intervenção do Estado na recuperação da
economia na Europa e Estados Unidos, os economistas brasileiros usaram a frase
no sentido de construir uma economia nova e rica com política velha, sem
reformar a sociedade dividida e acostumada a não respeitar limites de gastos
para satisfazer a volúpia e a ostentação de privilegiados.
O resultado foi que a “direita” decidiu
explorar o Estado para oferecer subsídios a indústrias ineficientes, manter
privilégios injustos, fazer investimentos em obras ostentatórias; e a
“esquerda”, sem criticar os gastos da elite rica, defendeu necessários
benefícios sociais, sem propor reformas, nem tocar em privilégios, ou na
ineficiência da economia privada e gestão pública. Até porque a esquerda
representa parcela de assalariados beneficiados pela concentração de renda e
gastos públicos. Por isso, não defende responsabilidade fiscal, uma vez que os
maiores salários são reajustados por leis ou graças à força dos sindicatos.
Com esse casamento entre populistas e
keynesianos miméticos, a inflação passa a ser aceita como prática normal da
economia e da politica, obrigando o país a trocar de moeda a cada poucos anos,
o que é facilitado porque a inflação continuada cria desprezo à moeda nacional.
O Brasil não tem apego à sua moeda, vista como provisória, tanto no valor
quanto no nome. A inflação está tão embrenhada na cultura e na política, que
foi preciso uma lei determinar regras de responsabilidade fiscal, porque não se
espera isso de políticos. E a lei não foi suficiente, exigindo o extremo e
inusitado gesto de inserir na Constituição um teto de gastos.
Nenhum país com casamento responsável entre
políticos e economistas precisa desse gesto que o Brasil precisou mas não
mantém. Esquerda e direita, bolsonaristas e petistas, se unem pelo fim da
emenda constitucional do teto para quebrar limites e trazer de volta a inflação
que permite o populismo e a volta da genial loucura e perversa indexação de
preços.
Filha do casamento irresponsável, permite ao
Brasil ter a moeda protegida para alguns e desvalorizada todo mês para
trabalhadores e pobres. Keynes não teve essa criatividade porque não precisava.
Nem o apartheid na África do Sul cometeu essa perversa artimanha de separar a
moeda dos brancos da moeda dos negros e assim usar a inflação para concentrar renda.
A desculpa anterior era promover o
desenvolvimento que eliminaria a pobreza. Depois de sete moedas, a pobreza e a
concentração de renda se mantêm agravadas. Agora, a desculpa é ajudar
diretamente a população carente que passa fome. Busca-se dar um auxílio emergencial
aos pobres, sem tocar nos privilégios, sem desconcentrar renda, sem eliminar desperdícios,
sem parar subsídios à ineficiência, aumentando fundo partidário e emendas de parlamentares,
e logo voltar à adoção de duas moedas, uma que se desvaloriza e outra que se reajusta.
A ajuda aos pobres será paga com cheque sem fundo da “moeda fake” com que o Auxílio
Brasil será pago aos que de fato precisam.
*Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação
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