Folha de S. Paulo
É
uma saída fácil fechar a discussão dizendo que o jogador está arcando com as
consequências de suas palavras
O
enredo já é comum. Dessa vez foi
com o jogador de vôlei Maurício Souza. Ele fez um post homofóbico em sua
rede social. Não continha injúria direta a ninguém nem ameaça nem incitação a
qualquer violência; mas basicamente dava a entender que a
representação de um beijo gay numa história em quadrinhos traria
consigo perigosas consequências sociais. Era, enfim, preconceituoso, e não há
por que defendê-lo.
O post gerou indignação. A indignação, comoção popular nas redes exigindo a demissão do jogador. Inicialmente, ele tentou contornar a situação com um tímido (e, ao que tudo indica, insincero) pedido de desculpas. Mas a pressão social chegou às empresas patrocinadoras do Minas Tênis Clube, que ameaçaram retirar o patrocínio caso o jogador continuasse na equipe. Ele foi, enfim, demitido. E aqui estamos nós de novo discutindo o "cancelamento".
Cabe
notar que toda a história até agora se deu no âmbito estritamente privado de
relações voluntárias. O Estado não entrou em jogo. Cada um dos participantes —o
jogador ao publicar seu post, as empresas ao ameaçarem retirar o patrocínio e o
clube ao
demitir o jogador— agiu dentro de seu direito legal. Mas isso não significa
que suas ações tenham sido corretas, ou que não poderiam ter sido melhores.
É
uma saída fácil fechar a discussão dizendo que o jogador está arcando
com as consequências de suas palavras. De fato, ele está. Mas essa
descrição da realidade escamoteia a pergunta relevante: será que as tais
"consequências" são justas?
Essas
consequências não são, afinal, um dado natural como uma lei de Newton, mas o
produto de decisões humanas, que podem errar. Aliás, todo o nosso complexo
sistema judicial existe precisamente porque o justiçamento popular erra muito:
avalia mal os fatos, exagera na medida da pena e a aplica desigualmente a
pessoas diferentes.
Hoje
em dia, no justiçamento
das redes, a regra é a punição máxima, imediata e sem possibilidade de
recurso: a perda da reputação e do emprego. Grande parte das empresas fica de
joelhos perante qualquer mobilização
da opinião pública, com medo de danificar a imagem da marca.
Além
de nem sempre justo, o juiz da opinião pública —que inclui as decisões
empresariais feitas por pressão dela— não é isonômico em seus julgamentos.
Dependendo de quem for, o delito pode receber penas brandas.
É
o caso do ator José
de Abreu, que reiteradamente cometeu
e promoveu ataques machistas, chegando mesmo a ecoar
ameaças. Recebeu, sim, alguma pressão popular e veio
a público se desculpar. Mas em nenhum momento nem sequer foi cogitado
tirar-lhe o emprego. Por que o mesmo não foi feito com Maurício Souza?
Essa
punição avassaladora, ademais, gera uma reação social contrária. No passado, a
estratégia de banir um indesejável (justa ou injustamente) para o ostracismo do
debate público era uma sentença final. Fechava-se a pessoa no porão do silêncio
e ela jamais sairia. Hoje o
porão tem voz e chega tão longe quanto a opinião registrada,
certificada e sanitizada pelo sistema.
Maurício
Souza tinha suas centenas de milhares de seguidores nas redes. Depois da
polêmica, já passou de 2,6 milhões (e deve aumentar ainda mais), sem falar
no apoio
de políticos e influenciadores famosos. Já está se cacifando para ser
comentarista político em algum meio da direita. Ou quem sabe deputado federal.
A
falta de medida de um lado só agravou o mal do outro, tornando-o reativo e
orgulhoso; quiçá até o recompensando. Sem misericórdia, ficamos também sem
justiça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário