O Globo
A imagem que simboliza o isolamento do
Brasil na cúpula do G20 está no vídeo em que Jair Bolsonaro aparece
perambulando pelo amplo salão onde os principais líderes confraternizavam em
vários grupos. Completamente deslocado, ele parece um penetra. Só se sente mais
à vontade quando se refugia no bar e passa a puxar conversa com os garçons por
meio do intérprete.
Em seguida, fica em pé e, apontando com o
dedo os grupos, parece perguntar quem é quem. Estão ali alguns conhecidos, como
Boris Johnson. Mas nenhuma das lideranças se dignou a dirigir-lhe sequer um
cumprimento. A cena é patética.
Bolsonaro deve agradecer a quem teve a ideia de arranjar-lhe um de seus raros interlocutores, este sob medida: o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, considerado pela organização Repórteres sem Fronteira “o inimigo número um da liberdade de imprensa”. Os dois têm, portanto, muita afinidade.
“Eu estou bem”, começou o brasileiro,
orgulhoso. “Também tenho um apoio popular muito grande. Temos uma boa equipe de
ministros. A economia voltando bem forte. Não aceitei indicação de ninguém. Foi
eu (sic) que botei todo mundo.”
Os dois presidentes estavam frente a frente
no meio de um grupo de pessoas, uma espécie de cercadinho. A cena ocorreu na
semana passada, ainda durante a cúpula do G20. Bolsonaro falava, e Erdogan
escutava, só vez ou outra fazia rápidas perguntas.
Se eu não tivesse visto o vídeo e ouvido a
gravação feita pelo jornalista Jamil Chade, do UOL, dificilmente acreditaria se
me contassem. Foi um festival de mentiras descaradas, a começar pela primeira
afirmação. Como declarar que está bem quem confessou ter chorado de tristeza,
escondido no banheiro, há pouco tempo? Quanto ao “apoio popular muito grande”,
a verdade é a que revelou a última pesquisa Datafolha, que lhe conferiu 53% de
desaprovação. Sobre a “boa equipe de ministros”, basta dizer que, em plena
pandemia, a gestão Bolsonaro se encontra no quarto ocupante da pasta da Saúde,
que se transformou num balcão de negócios de vacina, com cada um dos ministros pior
que o outro. E sobre não ter aceitado indicações de cargos? Só quem não conhece
a força do Centrão no governo e seu poder de nomear em todas as instâncias pode
acreditar nisso.
Sobre a CPI da Covid, nenhuma palavra,
claro, já que o relatório final aponta o presidente como um dos principais
responsáveis pela maior tragédia sanitária da história do país, que já causou
mais de 605 mil mortes. A CPI o acusa de nove crimes, entre os quais
prevaricação, charlatanismo e contra a humanidade.
Conclusão: Bolsonaro foi a Roma fazer
turismo e estimular com sua retórica a agressão a repórteres.
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